Para quem trabalha com a imagem, o primeiro desafio foi perceber como fotografar algo que já não está. Nos anos 70, a “Operação Condor” – uma estratégia político-militar que as ditaduras sul-americanas, sob alçada dos Estados Unidos da América (EUA), levaram a cabo para pôr fim à oposição de índole comunista apoiada pelo bloco soviético – originou 100 mil assassinatos e 400 mil torturados. Foi então que João Pina se concentrou na sombra do legado.

Durante oito anos fotografou, por todo o continente sul-americano, as marcas que o tempo deixou. Fotografou e entrevistou os resistentes, muitos deles com doenças do foro psíquico devido às torturas, acompanhou prisões e julgamentos daqueles que perpetraram os crimes e esteve junto dos restos mortais daqueles que não resistiram e que, ao longo dos anos, têm sido descobertos nas várias valas comuns onde eram enterrados.

“Foi um projeto pessoal que veio na sequência de um trabalho que tinha feito em Portugal sobre os presos políticos do tempo do Estado Novo. Depois disso, vi que um país como Portugal não me chegava e quis alargar para a América Latina”, explica João Pina. Seguiram-se seis países. Numa casa de tortura no Chile ou numa prisão de São Paulo, o disparo da sua máquina ouviu-se. “Fui captando esses momentos com a esperança de criar uma memória coletiva”.

Uma carreira lá fora

João não larga a sua câmara, mas reconhece que os seus métodos vêm do jornalismo.”No meu trabalho, eu olho e penso. Como qualquer jornalista tenho as minhas fontes e histórias”. Pina já foi publicado no New York Times, na New Yorker, na Time, no El País, no Expresso e na Visão. Uma carreira feita, essencialmente, no estrangeiro, por opção e por falta de oportunidades.

João Pina e a “Sombra do Condor”

A “Sombra do Condor” tinha tudo para ser mais uma dessas oportunidades falhadas. “Decidi que ia fotografar isto para a imprensa. Fui falar com os jornais e revistas com quem trabalhava. Acharam interessante mas ninguém quis dar dinheiro”. Numa primeira fase, aventurou-se sozinho, mas o dinheiro acabou e então surgiu a solução: o crowdfunding. O projeto foi financiado a três fases e 200 pessoas, de 21 países diferentes, ajudaram no financiamento.

Tudo isto surpreendeu o autor: “Se há dez anos me dissessem que na Internet conseguiria 30 mil dólares, eu não acreditaria”. A concretização do projeto leva-o a incentivar outras iniciativas: “Se encontrarem uma história que querem contar, vocês vão conseguir contá-la”.

A “Sombra do Condor” é um projeto que une os tempos. Começou com o autor a achar que “se fala muito pouco na memória”. As dificuldades foram do presente: “Não temos os recursos financeiros de antigamente, por isso, temos de ser mais criativos”. A solução, essa, foi de futuro. Uma coisa é certa: o objetivo é sempre intemporal. “Se o público não quisesse, não tinha tanta gente a ajudar”.