Viajar pode ser um momento de lazer, de contacto com novas culturas, de transmissão de conhecimentos. Mas para Gonçalo Cadilhe, escritor, e Nuno Lobito, fotógrafo, é “a melhor aprendizagem que o ser humano tem”. Ao JPN, os viajantes retratam a partida e contam como assumiram o “dever de mostrar como está o mundo”.

Gonçalo Cadilhe licenciou-se em Gestão de Empresas mas, descontente com o que o futuro lhe reservava, quis mudar de rumo. Decidiu, portanto, conhecer o mundo e tornou-se escritor de viagens. Na altura, há trinta anos, poucos eram os que se aventuravam por países longínquos – contudo, o fotógrafo de viagens Nuno Lobito já o fazia tendo, em 1994, partido para a Sérvia, no eclodir da guerra da Jugoslávia.

Foram pioneiros em Portugal do conceito que agora se vulgariza cada vez mais: o de partir com uma mochila às costas. Foi também durante as suas aventuras que se conheceram, percebendo os interesses comuns – entre eles o de documentar o que encontravam.

Nuno Lobito com membro de uma tribo.

No passado, porém, “era tudo muito mais difícil“, afirma Cadilhe. Entre as adversidades, salienta a “falta de informação que havia sobre tudo: não apenas sobre como comprar um bilhete aéreo ou como é que se saía de um aeroporto, mas também sobre [assuntos como] a idade de um monumento ou quem o construiu”. 

Mas falta de acesso a informação não era o único problema – a isto, somavam-se limitações financeiras. “Demorei um ano para comprar o meu primeiro bilhete para ir para a Índia: 146 contos, cerca de 800€”, conta Lobito.

Independentemente disso, ambos correram o globo. Cadilhe realizou, em 2003, uma volta ao mundo, sem utilizar aviões. “Ao revelar este novo mundo que era o [ser] viajante independente a escrever sobre viagens, tive a sorte de o fazer no momento certo. Hoje em dia ninguém ia dar valor a isso”, partilha.

Na mesma linha, Lobito, 17 anos depois de comprar o primeiro ingresso, concluiu, na Islândia, uma viagem que incluía todos os países do mundo (sendo o marco assinalado no dia 11 de novembro de 2011). Olhando para trás, Lobito considera que “Portugal tem uma memória muito curta e uma grande falta de autoestima perante as pessoas que elevaram este país a nível de viagens”.

Viajar é uma forma de “mostrar como está o mundo”, sendo igualmente “a melhor aprendizagem que o ser humano tem”, afirma Lobito. Nas suas jornadas, ambos se deparam inúmeras vezes com situações de miséria extrema – e assumiram a missão de a expor. “Há uma parte de nós que não está a viver como seres humanos”, diz Cadilhe. Daí surge a importância do repórter de viagem, como completa Lobito: “A vida é ser útil à sociedade de hoje”. “Lembrem-se sempre do próximo, deem a mão ao próximo”, apela ainda.

Sobre formas de conhecer locais novos, Lobito salienta também “uma grande diferença entre o viajante e o turista“. “Enquanto que o turista vai para suck energy (vai para comprar, vai para o resort), o viajante vai para share energy. Vai para retratar, para ir à tasca comer uma francesinha e ir para a cozinha falar”, aponta. 

Cadilhe, por sua vez, considera que, de alguma forma, “somos todos turistas” e que “temos é que sentir-nos cheios de sorte por podermos fazer parte” desse grupo. Numa era em que viajar é uma prática cada vez mais comum, o escritor acredita que o “turismo de massas não tem solução, e portanto não é um problema”.

A escrita como uma forma de “fixar a viagem”

Para Gonçalo Cadilhe, a escrita foi, desde sempre, “uma porta aberta”, uma vez que a reportagem de viagem é o que o faz “mais feliz”. Já escreveu cerca de 20 livros e centenas de crónicas para jornais e revistas. No fim do ano passado lançou “A Felicidade no Fim do Mundo”, que marca a sua estreia na ficção.

Passagem do livro “Um Lugar Dentro de Nós”, lida por Gonçalo Cadilhe

No seu caso, viajar acarreta um “dever profissional, que é quase sempre escrever um livro”. Nesse sentido, e ainda que, habitualmente, se desloque a solo, diz: “No fundo não estou sozinho. Estou acompanhado por fantasmas que são as expectativas dos leitores”.

“Ao revelar este novo mundo que era o viajante independente a escrever sobre viagens, tive a sorte de o fazer no momento certo. Hoje em dia ninguém ia dar valor a isso”. – Gonçalo Cadilhe

Não obstante, o escritor nunca descartou a imagem. Desde cedo percebeu que a “escrita não era suficiente” considerando que pretendia chegar a um “país pequeno, com níveis de literacia muito baixos”. Desta forma, a fotografia é, para si, um complemento. “Tudo o que servir para fixar a viagem é válido”, declara.

Fotografia: a “expressão da nossa alma”

Já para Nuno Lobito a fotografia tem o papel de “lutar contra as injustiças”. Como tal, “o fotógrafo tem essa obrigação” de “mostrar como está o mundo”. Para o viajante, este modo de expressão “tem uma componente educativa”. “Mais que tudo”, pode “acordar as pessoas”- ou “pelo menos”  fazê-las refletir, acrescenta.

“A vida é ser útil à sociedade de hoje” – Nuno Lobito

A foto que, para Lobito, “pode mudar o mundo”. Um homem moribundo que levou ao hospital e morreu minutos depois, em Manilla.

Iniciou o seu percurso no “Diário de Notícias” e aí teve certeza que a fotografia era “não uma paixão, mas um amor”. É “a expressão da nossa alma”, afirma. “Quando conseguimos transpor cá para fora aquilo que sentimos e o que olhamos… Eu não posso chamar a isso um emprego – é um regozijo”, confessa.

Viajar com uma câmara fotográfica para lugares onde poucos se aventuram “não é um trabalho: na pior das hipóteses é uma loucura saudável”, reitera. Aliás, foi enquanto corria o mundo que encontrou um lar. Passou cinco anos a viver na Amazónia, onde construiu uma cabana com as próprias mãos e criou família com uma mulher indígena. Lá, surgiu o livro de fotografia “Amazónia Oculta”, e foi nessa casa onde se sentiu “mais feliz”.

Cadilhe e Lobito estiveram juntos nesse lugar, onde caminharam “muitas noites à lua cheia”. Aí desenvolveram uma ligação que vai além da profissão que partilham. Atualmente, mantêm a relação de amizade – unida pelos livros, consolidada pelas centenas de locais por onde passaram e pelas situações únicas que experienciaram. Como ao longo de todos estes anos, continuam a contar as suas experiências, que ainda vivem: “um quilómetro de cada vez”.

Este trabalho  foi realizado no âmbito da disciplina de TEJ Online – 2.º ano

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira