No sábado (7), o Hamas atacou Israel a partir da Faixa de Gaza e entrou no território israelita de um modo e numa escala sem precedentes. Como é que tudo aconteceu? Quantas vítimas já provocou o conflito? O que é o Hamas? O JPN reuniu algumas respostas para melhor compreender o que se está a passar no Médio Oriente.
O que é que aconteceu em concreto?
No último sábado, 7 de outubro, o Hamas lançou sobre Israel um ataque por ar, terra e mar que resultou numa das operações mais sangrentas, a envolver civis, de que há memória na já longa história de conflito que opõe israelitas e palestinianos.
O ataque começou por volta das 06h30 da manhã locais, com o lançamento de milhares de mísseis a partir da Faixa de Gaza em direção ao sul de Israel. O enclave é dirigido pelo grupo islamita desde 2007.
Cerca de uma hora depois, por volta das 07h40, dezenas de homens armados do Hamas lograram furar vários pontos da fronteira fortificada que separa o território palestiniano do sul de Israel.
Os combatentes do Hamas entraram por aldeias e vilas de Israel, em carros, motas e escavadoras, causando milhares de vítimas, entre mortos e feridos. Vários civis e militares israelitas foram sequestrados durante a agressão.
Um dos eventos mais trágicos ocorreu num festival de música trance, localizado junto à fronteira de Gaza. Neste local, terão sido mortos pelo menos 260 jovens, registando-se também dezenas de desaparecidos.
Por que razão o ataque aconteceu no sábado?
Não há qualquer explicação oficial, mas há algum simbolismo na data, que é festiva no calendário judaico.
A 7 de outubro, os judeus celebram o Simchat Torah, um dia santo.
Além disso, o ataque ocorre precisamente 50 anos e um dia depois do início da Guerra do Yom Kippur. A 6 de outubro de 1973 o território de Israel foi alvo de um ataque concertado entre o Egipto, a sul, e a Síria, a norte.
O ataque deste sábado era previsível?
Não. Pode dizer-se que, surpreendentemente, a ataque foi uma surpresa para Israel. Apesar da barreira altamente fortificada que os israelitas construíram na fronteira com Gaza – composta por vedações subterrâneas, câmaras de vigilância e sensores de alta gama – os combatentes do Hamas conseguiram chegar a território israelita e circular livremente sem encontrar grande resistência militar.
Além disso, Israel é conhecido, internacionalmente, por ter dos melhores serviços de inteligência do mundo.
Seja como for, o ataque chegou num momento de tensões crescentes entre os dois povos. A BBC recorda, por exemplo, que 2023 está a ser o ano mais mortífero de sempre para os palestinianos que vivem na Cisjornânia, outro território palestiniano. Por outro lado, acrescenta a mesma fonte, a captura de um número tão elevado de reféns – cerca de 150, segundo o Hamas – poderá servir para pressionar Israel a libertar alguns dos cerca de 4.500 palestinianos detidos em Israel.
Boa parte da imprensa internacional sublinha também o facto de este ataque ocorrer numa altura em que Israel tem retomado relações oficiais com vários países árabes, sendo muito falado um possível acordo de paz com o maior país da região, que é também o maior rival do Irão – que apoia o Hamas -, a Arábia Saudita.
Como respondeu Israel ao ataque?
No dia seguinte ao ataque, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, decretou o estado de guerra em Israel.
“Estamos em guerra”, afirmou o chefe de Estado de Israel garantindo, na declaração que dirigiu ao país, que “o inimigo vai pagar um preço sem precedentes”.
Também no domingo, o ministro da Defesa de Israel anunciou “um cerco total” a Gaza, prometendo cortar o fornecimento de água e eletricidade, dizendo que não iria ser permitida a entrada de bens essenciais no território e instando os palestinianos a abandonarem o território através da fronteira com o Egipto.
Já esta sexta-feira (13), o Governo de Israel deu 24 horas (até à meia-noite de hoje) aos palestinianos de Gaza para evacuarem do norte em direção ao sul do território para sua “segurança e proteção”, o que as Nações Unidas dizem ser impossível num território tão densamente povoado.
Os combates têm sido feitos sobretudo por via aérea, mas Israel convocou um número recorde de 300 mil reservistas, levando muitos a antever uma possível invasão terrestre da Faixa de Gaza.
De acordo com o relatório mais recente da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA, na sigla inglesa) a crise atual já terá provocado 340 mil deslocados em Gaza. As Nações Unidas têm enfatizado a crise humanitária que a escalada do conflito está a provocar.
Quantas vítimas já se registaram de ambos os lados?
Segundo dados confirmados pela IDF, a Força de Defesa Israelita, pelo menos 1.200 israelitas morreram desde sábado, como resultado do ataque do Hamas em Israel. Os feridos rondam os 3.200.
Do lado de Gaza, e de acordo com o balanço feito esta quinta-feira por fontes oficiais palestinianas da área da Saúde, o número de mortos passava os 1.400.
Dezenas de edifícios ruíram em resultado dos combates.
O que é a Faixa de Gaza e o Hamas?
A Faixa de Gaza é um dos dois territórios palestinianos que fazem fronteira com Israel – o outro é a Cisjornânia.
Gaza tem a forma de um pequeno retângulo com apenas 41 quilómetros de comprimento e 6 a 12 de largura. Faz fronteira, a sul, com o Egito e a leste e norte, com Israel.
É um dos locais do mundo mais marcados pela pobreza e pela grande densidade populacional – tem cerca de dois milhões de habitantes, a Cisjordânia, que é 16 vezes maior, tem três milhões – e é, há milhares de anos, um território de conflitos incessantes.
A Faixa de Gaza foi ocupada por Israel depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, mas depois dos Acordos de Oslo, em 1993, o território passou a ser administrado pela Autoridade Palestiniana. Em 2005, os israelitas retiraram-se por completo de Gaza, mas fortificaram a fronteira e continuaram a controlar infraestruturas essenciais para a população do território, facto que leva muitos a considerarem que a Faixa vive cercada por Israel.
Desde 2007, na sequência de eleições parlamentares locais, este território palestiniano passou a ser controlado pelo Hamas, que venceu surpreendentemente a Fatah nas urnas. Depois de combates entre as duas forças, o Hamas ficou com o controlo da Faixa de Gaza.
Este movimento islâmico, cujos fundadores vieram da Irmandade Muçulmana, foi criado em 1987, com fins filantrópicos, políticos e militares. O objetivo que consta da sua Carta de Princípios passa por instituir um Estado Palestiniano Islâmico e, dessa forma, extinguir Israel.
Muitos países e organizações à volta do mundo, como os EUA e a União Europeia, consideram este movimento uma organização terrorista.
Como reagiu a comunidade internacional?
A comunidade internacional não tardou a condenar a ofensiva provocada pelo Hamas. Portugal, Ucrânia, Estados Unidos da América, como outros, mostraram-se solidários para com Israel e as famílias que perderam os seus entes queridos. Vários países afirmaram que estes ataques são inaceitáveis e terroristas.
Já o Irão saudou a Palestina e defendeu a sua posição.
Entretanto, Israel já recebeu a visita de responsáveis políticos que quiseram manifestar solidariedade com o país. Foram os caso do secretário de Estado norte-americano Antony Blinken, na quinta-feira (12), e da presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, esta sexta.
Qual o papel que pode ter tido o Irão?
O Irão é um país que mantém relações muito próximas com o Hamas, a quem fornece apoio bélico e monetário.
Na sequência dos acontecimentos de sábado, o presidente Raïssi, do Irão, veio a público, no domingo, não para condenar o sucedido – o que não seria, também, esperado -, mas para manifestar solidariedade com o povo palestiniano evocando o seu direito à “legítima defesa”.
O país nega, contudo, envolvimento no ataque de sábado.
“Apoiamos enfaticamente e sem reservas a Palestina, contudo, não estamos envolvidos na sua resposta, a qual foi tomada unicamente pela própria Palestina”, afirmou um diplomata iraniano nas Nações Unidas.
“As medidas tomadas pela Palestina constituem uma defesa legítima contra sete décadas de uma ocupação opressiva e de crimes horrendos cometidos pelo regime sionista ilegítim0”, acrescentaram.
O conflito entre Israel e os palestinianos é antigo. A que é que está a ser comparada a situação atual?
Desde a desagregação do Império Otomano na sequência da Primeira Guerra Mundial que a disputa territorial da Palestina, entre árabes e judeus, não encontrou resolução.
Os britânicos, que ficaram a governar a região, foram mandatados pela comunidade internacional para estabelecerem na Palestina uma nação para os judeus.
A intenção britânica ficou, primeiro, plasmada na Declaração de Balfour, de 1917, e depois consagrada no Mandato Britânico da Palestina, instituído em 1922, com o apoio da então Liga das Nações.
As tensões na região, onde os dois povos reclamam o território como o território dos seus antepassados, cresceram, sobretudo à medida que os judeus começaram a chegar em massa ao território, fugidos do regime Nazi na Europa e da discriminação de que se sentiam alvo generalizado no leste europeu.
Com o objetivo de acolher esta população crescente, em 1947, as Nações Unidas adotaram, pela primeira vez, uma solução de dois estados, que dividia o território entre árabes e judeus, mas o plano foi rejeitado pelos árabes.
Em 1948, foi fundado o Estado de Israel, contra a vontade dos estados árabes vizinhos, que atacaram o país cinco dias depois de ter sido instituído. Centenas de milhares de palestinianos tiveram de deixar o território onde viviam, numa ‘debandada’ que ficou conhecida para os árabes como “a Catástrofe”.
A tensão nunca passou e os conflitos escalaram, em várias ocasiões, para guerras, como a de 1967 e 1973, ou para as primeira (1987-1993) e segunda (2000-2005) Intifadas.
O ataque deste sábado, do ponto de vista de Israel, está a ser comparado aos ataques terroristas nos Estados Unidos da América às Torres Gémeas, a 11 de setembro de 2001, pela quantidade de civis vítimas dos ataques.
Do lado árabe, além do número de vítimas registadas este ano na Cisjordânia, recordam-se os cerca de 2 mil mortos, na maioria palestinianos, vítimas da guerra de Gaza em 2014. Na altura, o Estado de Israel lançou uma grande ofensiva sobre este território na sequência do rapto e assassinato de três jovens israelitas por militantes do Hamas.