O Irão atacou Israel no sábado passado. Mais de 300 drones e mísseis balísticos foram lançados em direção ao território israelita. Mas que consequências pode ter este ataque? Que influência vai ter no conflito entre Israel e o movimento palestiniano Hamas? Joana Ricarte, da Universidade de Coimbra, e Tiago André Lopes, da Portucalense, analisam o ataque de Teerão.

A ação surgiu em resposta ao ataque de 1 de abril das forças israelitas à embaixada iraniana, na Síria. Foto: Mohammed Talatene/dpa - Germany Today

No sábado à noite (13), mais de 300 drones e mísseis foram lançados, a partir do Irão, em direção ao território israelita. A informação foi confirmada, mais tarde, pelas Forças de Defesa de Israel. A ação surgiu em resposta ao ataque de 1 de abril das forças israelitas à embaixada iraniana, em Damasco, na Síria.

“Foi um ataque para mostrar muito espetáculo, muito fogo de artifício, mas não teve nada de ofensivo”, afirmou Tiago André Lopes, especialista em Relações Internacionais e professor da Universidade Portucalense, ao JPN.

Israel garante que 99% dos drones foram intercetados pelo “Iron Dome” – ou Cúpula de Ferro -, o sistema de defesa aérea de Israel instalado pelo país para intercetar rockets e mísseis lançados contra o território israelita. O ataque não provocou grandes danos, a não ser na base aérea de Neguev, no sul de Israel, que foi atingida: o alvo era militar, era a base de Neguev, acrescentou o especialista. Ao JPN, admite ainda que “apesar de exagerada, a resposta do Irão foi uma resposta diplomática e não uma resposta ofensiva”.

Sobre a legitimidade do ataque de sábado, face aos acontecimentos de 1 de abril, Joana Ricarte, especialista em Relações Internacionais, afirma que o ataque foi um “direito de defesa” do Irão. O direito à legítima defesa está previsto no Artigo 51 da Carta das Nações Unidas e para ser evocado “tem uma série de procedimentos. Um deles é a declaração de que se vai utilizar o direito de defesa”, explica Joana Ricarte, acrescentando que “o Irão fez tudo direitinho”. Contudo, para a especialista, existe “uma linha cinzenta”, uma vez que “Israel nunca assumiu a autoria” dos ataques de 1 de abril,mas também nunca negou” o seu envolvimento.

Também Tiago André Lopes refere que, nesta situação, “o Artigo 51 pode ser evocado”. No entanto, para o especialista, houve uma “falha formal” por parte do Irão,  uma vez que o país “notificou os seus vizinhos do contra-ataque, mas não notificou oficialmente o Conselho de Segurança da ONU.” “Também é verdade que a ONU não condenou Israel pela sua violação da soberania síria e iraniana, como devia ter feito o Conselho de Segurança”, acrescentou.

Ataque desvia atenções de Gaza

“Toda esta situação tira-nos o olhar de Gaza”, afirmou Joana Ricarte. Após o ataque iraniano, “houve uma série de atentados de colonos israelitas na Cisjordânia contra palestinianos” e “o mundo esqueceu Gaza”, afirmou.

Para a especialista, “a próxima fase da situação em Gaza vai ser quando [o primeiro-ministro israelita], Benjamin Netanyahu, fechar a entrada em Rafah, que levará a uma catástrofe humanitária ainda maior”. O posto fronteiriço de Rafah, na fronteira do Egito com a Faixa de Gaza, é o único local por onde pode entrar ajuda humanitária. Nos últimos dias, Israel tem sofrido pressão internacional para deixar entrar mais ajuda, já que até as agências da ONU afirmam que o apoio está muito abaixo do necessário. Esta quarta-feira, o exército israelita admitiu a entrada de mais ajuda via porto de Ashdod, a norte da Faixa.

Sobre o ataque de 1 de abril por parte de Israel a uma representação diplomática – a embaixada iraniana -, a investigadora da Universidade de Coimbra justifica-o pela vontade do Estado israelita de “aumentar a instabilidade regional de modo a tirar o foco de Gaza, ganhar vantagem e entrar em Rafah para manter o conflito”.

Cessar-fogo fica mais longe

A 25 de março, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma resolução que exigia um cessar-fogo “imediato” na Faixa de Gaza, durante o mês do Ramadão. Os Estados Unidos abstiveram-se.

Para Joana Ricarte, a aprovação desta resolução “fez com que Israel ficasse completamente isolado”. Contudo, a especialista acredita que, com os mais recentes ataques, “Netanyahu ganhou de novo apoio internacional” e “está a colocar os países do Ocidente reféns dele”. “Esses países estão a tentar criar uma narrativa de vitória, a ver se Netanyahu se acalma e para de tentar escalar [o conflito]”, acrescentou.

O Conselho de Segurança da ONU aprovou hoje pela primeira vez uma resolução de cessar-fogo em Gaza, durante o mês do Ramadão.

Foi no dia 25 de março que o Conselho de Segurança da ONU aprovou pela primeira vez uma resolução de cessar-fogo em Gaza. Foto: Wikimedia

Tiago André Lopes considera que Israel tem algum interesse em “manter o conflito vivo e ativo, o maior tempo possível”.

Apesar de inúmeras tentativas, Israel e o Hamas nunca conseguiram chegar a um acordo para um cessar-fogo duradouro. Para Joana Ricarte, “o entendimento entre Israel e o Hamas é basicamente impossível” e “Netanyahu não quer um cessar-fogo”.

A especialista considera que os acontecimentos de sábado vão servir para que o primeiro-ministro de Israel reforce a ideia de que o “Hamas é um proxy do Irão“, de que “isto sempre foi uma guerra com o Irão, que é preciso eliminar o Hamas”, de modo a “construir um discurso que lhe permita manter esta guerra, porque o seu interesse é manter-se no poder”.

Contenção ou retaliação? 

Até ao momento, o gabinete de guerra israelita não anunciou qual vai ser a resposta de Israel ao ataque do Irão. Tiago André Lopes considera que Israel “vai ter que responder ao ataque do Irão”, mas refere que essa retaliação vai ser apenas por “uma questão de orgulho político e não de causa legítima ou jurídica”. Contudo, acredita que, “se a resposta for desproporcional, pode ter um impacto negativo” e transformar aquela que era “uma guerra circunscrita a Israel numa guerra de matriz regional”.

Israel já percebeu que, quer os Estados Unidos, quer o Reino Unido, quer a França, “não vão legitimar um ataque desproporcional”, acrescentou. Tiago André Lopes acredita que a resposta de Israel “vai ser, acima de tudo, um ataque racional, por vias não tradicionais”, como, por exemplo, “um ataque cibernético, ou uma nova bateria de sanções”.

Na quarta-feira (17), durante um desfile militar onde foram exibidos mísseis e drones de última geração, o Presidente iraniano, Ebrahim Raisi, disse que a resposta do Irão a um possível ataque de Israel vai ser “violenta e dolorosa“. Em resposta aos esforços dos líderes mundiais para travar uma resposta israelita, o primeiro-ministro de Israel deixou claro que o país vai tomar as suas “próprias decisões” e que “vai fazer tudo o que for necessário para se defender”.

Editado por Inês Pinto Pereira

Artigo corrigido às 10h05 do dia 19 de abril de 2024 com uma clarificação de uma declaração de Joana Ricarte. A especialista não afirmou que “isto sempre foi uma guerra com o Irão”, mas que os acontecimentos de sábado servem ao primeiro-ministro israelita para passar a mensagem de que “isto sempre foi uma guerra com o Irão”.