A aclamada fotógrafa norte-americana regressa a Portugal com uma exposição retrospetiva. No total, são exibidas 99 fotografias cedidas pelo The Broad, Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles.

Exposição “Metamorfoses”, de Cindy Sherman, estará em Serralves até 16 de abril. Foto: Miguel Marques Ribeiro

“As pessoas estão continuamente sujeitas a metamorfoses”, pode ler-se no arranque da exposição de Cindy Sherman, patente no Museu de Serralves. A frase, da autoria de Agustina Bessa-Luís, serve de mote à primeira grande retrospetiva da artista norte-americana feita em Portugal, depois da mostra realizada no CCB, em 1998.

O título “Metamorfoses” foi escolhido por Philippe Vergne, diretor e curador do museu. Vergne, aliás, explica Paula Fernandes, que coordena a exposição, foi determinante para a vinda a Portugal das 99 fotografias cedidas pelo The Broad, Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles. Não só já tinha colaborado com Sherman em ocasiões anteriores, como a conhece “desde o início do seu trabalho, que acompanhou desde sempre”.

Cindy Sherman é “um marco”, um dos nomes incontornáveis da “contemporaneidade”, aclamada em todo o mundo. E a ideia de metamorfose, refere Paula Fernandes, não podia ser mais adequada para sintetizar o seu trabalho.

O corpo da artista, o seu rosto em particular, a maior parte das vezes virado para a câmara, em confronto direto com o espectador, é o material básico de que se serve para criar. Frente à objetiva ela transmuda-se em diferentes figuras que nos fazem refletir sobre as tipologias sociais. “Não lhes podemos chamar autorretratos”. Ela é “muito clara” nisto.

A artista que evita dar nome às suas obras

Na exposição, não existe uma ordem cronológica, explica Paula Fernandes. “Foi um pedido expresso da artista”, que prefere ordenar as séries de acordo com critérios temáticos que se ajustem a cada espaço expositivo.

A primeira sala é inteiramente dedicada aos History Portraits, nome que foi atribuído pela crítica e posteriormente “foi ficando”, até ser adotado, inclusivamente, pela própria Cindy Sherman.

“É tudo feito por camadas, nas suas fotografias há uma quantidade de forças em disputa”

É assim com a maior parte das suas obras, que (à exceção das primeiras séries fotográficas) são classificadas simplesmente pela designação “Untitled#” (sem título) seguido de uma ordem numérica. Uma forma de deixar ao espectador caminho livre para interpretar aquilo que vê sem ideias pré-definidas.

Nesta sala inaugural foram criadas divisórias e as paredes pintadas a partir da palete de cores mais recente do Louvre. Assim, é-se remetido para uma certa experiência museológica que sublinha o conteúdo da própria obra. 

Depois de entrar, “não temos dúvidas que estamos perante obras de mestres clássicos da pintura“, diz Paula Fernandes.  É só ao “detalharmos o olhar” que percebemos que existem ali elementos que “não deveriam fazer parte da composição”, que a contaminam, mas também que a “completam e tornam especial”.

Exposição “Metamorfoses”, de Cindy Sherman, em Serralves. Foto: Miguel Marques Ribeiro

“É tudo feito por camadas. Nas suas imagens há uma quantidade de forças em disputa” que tornam o “resultado extremamente complexo”, refere a curadora. Sozinha, no seu estúdio, a artista recompõe o rosto, instala próteses, cobre-se de maquilhagem, cria fundos digitais usando o cromaqui ou monta-os a partir de adereços adquiridos em lojas em segunda mão do bairro de Soho, onde vive e trabalha, em Nova Iorque.

O resultado é uma sequência de retratos onde se exibem arquétipos, modelos de comportamento, numa “autenticidade ficcional”, diz Paula Fernandes. 

Por vezes, a abordagem de Sherman é caricatural, mordaz: olhando mais atentamente percebe-se que afinal o nariz postiço foi propositadamente mal fixado ou que a cabeleira ficou ligeiramente fora do sítio.

Noutros casos, porém, somos confrontados com o que Gonçalo M. Tavares, na sua entrada do Dicionário de Artistas dedicado a Sherman, classifica de “obscenidade”.

É o caso das chamadas Masks, criadas em 1996, imagens impressas em grande formato com caras deformadas que são apresentadas na sala seguinte. Há um pavor primacial que se insinua no espectador ao observá-las.

Sherman é capaz de nos provocar essa multiplicidade de reações e sensações. Fala-nos de humor e angústia, dispersão e identidade, reconhecimento e distância, termos antagónicos que ela balança com mestria.

Também na segunda sala, mas dentro de uma divisão própria, como se constituísse o reduto final de um labirinto, está Untitled Film Stills, a série a preto e branco que catapultou Sherman para a fama.

Exposição “Metamorfoses”, de Cindy Sherman, em Serralves. Foto: Miguel Marques Ribeiro

Ali perto, ocupando uma parede completa, oito fotos da série Clowns, onde se inclui Untitled#447, fotografia que está entre as mais conhecidas da artista. Ainda mesma sala, mas num espaço adjacente, encontramos um dos conjuntos mais curiosos, representativo de trabalhos realizados na área da moda, nos anos setenta.

Descendo ao piso inferior, destaque para o mural a toda a altura do pé direito, impresso em phototex, um tecido que se cola na parede. A obra foi apresentada noutros locais, mas houve um processo de adaptação às características específicas do edifício desenhado por Siza Vieira.

Sherman surge nesta série criada em 2010 numa versão mais natural. O trabalho de construção da personagem é assegurado pelo tratamento digital das imagens, sem recurso a maquilhagem. Antes, no corredor de acesso, encontramos um pequeno conjunto de fotos recortadas e sobrepostas, produzidas em 1976, a que a artista chamou Murder Mystery.

Exposição “Metamorfoses”, de Cindy Sherman, em Serralves. Foto: Miguel Marques Ribeiro

Por fim, numa divisão separada, encontram-se as Society Portraits, de 2008. As paredes estão cobertas de uma toile de jouy rosa. Um efeito criado especificamente para a exposição do Porto. “Ela ficou extremamente satisfeita” com o resultado, garante Paula Fernandes.

Artistas vão ser convidados a criar uma obra inspirada no trabalho de Cindy Sherman

O museu tem planeadas algumas ações de ativação, a decorrer entre fevereiro e abril. A ideia é convidar artistas, ao ritmo de um por mês, para criar uma obra a partir de uma fotografia ou conjunto de fotografias de Cindy Sherman presentes na mostra.

Paula Fernandes prefere, para já, não adiantar nomes. O objetivo é criar um diálogo multidisciplinar com a obra da artista norte-americana que, recentemente, passou a integrar o conselho do International Center of Photography.

A exposição está patente até dia 16 de abril.

Artigo editado por Paulo Frias