“Ponto 1: somos apaixonados por aviação. Ponto 2: aliamos a isso uma grande paixão pela fotografia”, diz Hugo Santos, de 21 anos, “planespotter”. “Somos os comuns maluquinhos em que as pessoas reparam e dizem que lá estamos nós com as máquinas a tirar fotografias aos aviões”, caracteriza.

Hugo diz que a paixão pela aviação “já vem desde muito pequenino”. “Só ver não chegava”, pelo que passou a “registar aquilo que via” e agora até tem um blogue. “No ‘planespotting’, uma pessoa não tem de registar apenas pela fotografia, mas há quem registe por vídeo, também, e há quem apenas aponte”, explica.

Já João Cunha, “trainspotter” de 27 anos, explica que “‘trainspotting’ é basicamente andar atrás de comboios para os fotografar. É uma atividade outdoor, pode ser em estações, no meio do monte ou em todo o lado que tenha vista para a linha”.

“Normalmente levo sempre um lanche”, diz João. “Os comboios têm um horário teórico de passagem, mas nem sempre é garantido que apareçam quando queremos”, pelo que se justifica a merenda. Apesar de, atualmente, ser mais fácil consultar horários no site da REFER, por vezes, os “trainspotters” contam com a ajuda de “insiders”: “Às vezes, para saber coisas mais específicas, como, por exemplo, uma composição, já é possível ter um contacto mais no lado da operação, para saber ao certo que tipo de composição vem com determinado comboio”.

“Cerca de 25 mil comboios”

Uma das principais características do “spotting” é o registo de matrículas (no caso dos aviões) e do número do comboio (no caso ferroviário). Hugo Santos diz ter “duzentos a trezentos” registos de matrícula, enquanto João Cunha tem “cerca de 25 mil” comboios resgistados, só em Portugal. Lá fora, são entre “três ou quatro mil”. A foto preferida de João foi tirada na linha do Douro a um “grupo de ingleses que volta e meia vem cá alugar comboios só pelo prazer”, e está publicada “num livro sobre locomotivas francesas parecidas a essa”.

O mesmo acontece com os “planespotters”. “Há algumas pessoas que têm acesso a informações mais privilegiadas. Quando vem algo fora do normal há sempre alguém que trabalha no aeroporto e que faz parte da comunidade ‘planespotter’ e avisa”, refere. “Algo fora do normal” costumam ser voos especiais, fora do horário disponível no site da ANA, que mostra os voos regulares.

Nos comboios sucede o mesmo. Os “cromos raros”, porque o “trainspotting” acaba por ser “mais uma forma de colecionismo”, diz João Cunha. Quando há “cromos raros” cria-se logo “um burburinho nas redes sociais e nos fóruns”. “Há algumas circulações em que as tripulações dos comboios passam quilómetros a ver fotógrafos, provavelmente sem saberem muito bem porquê”, refere.

Planificar e viajar

E, ao contrário do que acontece com os aviões, nos comboios há grande variedade disponível no que concerne a sítios para fotografar. O “planespotting” está normalmente confinado ao espaço da pista do aeroporto (ainda que haja vários sítios preferidos dos “spotters” nas imediações), mas no “trainspotting” todo o país serve.

João Cunha tem algumas preferências: “O primeiro é o ramal de Neves Corvo”, no Baixo Alentejo. “Adoro a paisagem alentejana no verão, árida, amarela, e os comboios lá ainda são a diesel, rebocados pelas locomotivas que eu prefiro”. O outro “é um sítio chamado Trajinha, entre a Guarda e Pinhel, e fica a 700 ou 800 metros de altitude”, na Serra da Estrela.

O que é preciso para ser um “spotter”?

“Em primeiro lugar, muita paciência”, diz Hugo. “Depois, uma forma de registar aquilo que vemos, quer seja num bloco, numa câmara de vídeo ou numa máquina fotográfica”, adianta. Já João, fã do planeamento, diz que “não vale a pena andarmos a gastar gasolina e outras coisas se não soubermos ao que vamos”. E ainda há os extras: “Às vezes é uma boa oportunidade para encontrar gente que já não vemos há algum tempo”, e ainda dá para juntar “um bocado de gastronomia local” ao menu.

Por vezes, o “spotting” pode ser uma atividade arriscada. Hugo Santos revela que “quase teve um acidente” na auto-estrada só para fotografar um avião. Já João Cunha prefere uma abordagem mais cautelosa para o “trainspotting”: “Gosto de planificar horários, percursos e locais para tirar fotografias”, diz. “Essa parte consome-me quase tanto tempo como o dia em que vou tirar as fotografias”.

João revela que em Portugal já foi “de Valença do Minho a Vila Real de Santo António”, mas o “spotting” não se cinge ao território nacional. João já foi a variados países, como França, Itália, Áustria, Suíça ou Bélgica só para fotografar comboios, mas o local mais excêntrico que visitou foi mesmo Marrocos.

Algumas dessas viagens estão publicadas na Trainspotter, uma revista online que edita, juntamente com outros entusiastas, ou na sua galeria. Já Hugo Santos refere ter ido ao “Farnborough International Air Show”, em Londres, e está a pensar ir a “Madrid ou Barcelona” só para fotografar aviões.