Eram quatro, cinco da manhã e Roberto Pinto, no alto dos seus 18 anos, dormia uma das primeiras noite na cidade que o acolheu para começar uma nova odisseia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). Foi acordado sem contar, aos berros para se levantar, por “malta que não conhecia” – mas descobriu pouco depois serem ‘doutores’ de praxe do curso que estava prestes a recebê-lo. Dormir era perder tempo.

O que os levou lá? “Eu vivia com dois colegas, um deles do ISEP [Instituto Superior de Engenharia]. As aulas começavam na segunda-feira e esse colega foi sair, para a Ribeira. Conheceu uma malta mais velha de Medicina e, na sua inocência, disse que morava com dois caloiros de Medicina”, recorda Roberto. “Hoje, alguns dessa malta são meus grandes amigos”, assume.

“Apesar do metro ser muito perto, as ruas são muito parecidas e por isso perdia-me sempre”

Um começo atribulado mas que, no final de contas, deixou uma boa história para contar e uma memória impossível de esquecer. O mesmo serve para Pedro Fortuna, caloiro no Instituto Superior de Engenharia, que “na altura tinha o cabelo comprido”. “A praxe de Mecânica era conhecida por ser das mais ferozes do ISEP, que no geral já era feroz”, conta. “Talvez por não acatar tudo à risca, rapidamente começaram a implicar comigo”. E tentaram atingir logo o ponto fraco do jovem caloiro: “Queriam que rapasse o cabelo”, afirma. Não o fez de maneira nenhuma, mesmo depois de ter ido a “tribunal”.

Susana Oliveira, de Penafiel, não foi uma reacionária, mas passou por uma fase de “muitos funerais” na semana crítica da praxe, antes de começarem as aulas. Uma mentirinha piedosa que usava para justificar a sua ausência nas “tardes mais complicadas” da atividade. “Tinha de aproveitar a boleia do meu tio, que trabalhava no Porto, porque nessa fase ia e vinha a casa todos os dias”, conta. “Como tinha medo de ser castigada, estava sempre a arranjar desculpas”, recorda.

Com pouca tradição de praxe, em Belas-Artes privilegiava-se, sobretudo, os jantares, onde se conhecia logo “imensas pessoas” e “o ambiente era excelente”. Quem o diz é Teresa Abrunhosa, caloira em 2006, que não passava um dia sem se perder no caminho entre o Metro e a faculdade. “Apesar do metro ser muito perto, as ruas são muito parecidas e por isso perdia-me sempre”, recorda, divertida. “Era um bocado ridículo”, relembra, rindo.

“A vossa vida vai mudar completamente, mas não tenham medo, não se assustem”

Hoje, Roberto Pinto tem 31 anos, é o Coordenador do Conselho Nacional do Médico Interno da Ordem dos Médicos e nunca previu este desfecho, durante o “processo”. Vindo de Monção, lembra “a sensação um bocado estranha, quase envolta em misticismo”.

“O início pode ser assustador”, diz, mas Roberto tinha os objetivos muito bem definidos: “Queria ter uma formação em condições e uma vida social aceitável”. O resto – a praxe, a tuna, a Associação de Estudantes… – “acabou por surgir”. “Aprendi muita coisa em todos esses grupos, muito companheirismo, muitos amigos, desde cedo a ter responsabilidades, a intervir socialmente…”, conta.

“Tenham noção que a vossa vida vai mudar completamente”, diz. “Mas não tenham medo, não se assustem, não pensem que não vão ser capazes ou que para isso têm de abdicar de tudo o resto”, adverte, em jeito de conselho aos novos alunos. “Construam a vossa idade adulta”, sublinha.

A razão ou o coração?

Durante as primeiras sessões de praxe, Susana Oliveira, umas das pioneiras do curso de Ciência da Informação na Faculdade de Letras (FLUP), estava lado a lado com caloiros de História (era o primeiro ano de CI, não havia alunos mais velhos). Todos os dias, a mesma pergunta: “Vocês sabem que vão para o desemprego, não sabem?”, “SIIIIM”, respondiam em uníssono.

Não foi o caso. Desde que terminou o curso que Susana, agora vice-presidente da Câmara Municipal de Penafiel, não esteve um dia sem trabalhar na área para a qual estudou. Mas não seguiu o coração: “Desde pequenina que queria ser professora”, conta. “Hoje em dia, mais do que escolher um curso porque gostamos, temos de ter uma capacidade muito grande de integração em novos mercados de trabalho”. Por isso, “não podemos deixar o coração ultrapassar a razão”, afirma. “Hoje, penso que ainda bem que não o fiz”.

“Acima de tudo, experimentem muito”

Teresa não seguiu a mesma filosofia e deixou-se levar pelas Artes. “Para mim a [FBAUP] foi a escolha óbvia”, lembra. Depois disso, foi uma catadupa de emoções: a ansiedade dos primeiros dias, da “vontade enorme de começar, de conhecer a escola, os colegas, os professores…”. “Como era mesmo uma área que eu queria, estava com muita vontade de começar”, conta.

Hoje, com 26 anos, é Designer de Moda e relembra, com carinho, o primeiros ano: “É sempre muito bom, porque as pessoas estão abertas a receber novas ideias, a alargar horizontes”. Por isso, novos alunos, “aproveitem bem o tempo, tudo o que a faculdade tem para oferecer, mesmo a nível de instalações. Acima de tudo, experimentem muito”, sugere.

O “empreendedor-surpresa”

Pedro já não tem o cabelo comprido e ainda se passeia frequentemente pelos corredores da faculdade. Agora, no entanto, de pasta na mão e a responsabilidade de ser ele a ensinar. Depois de dois anos infrutíferos “à procura de rumo”, em Mecânica, um curso “onde não queria estar”, descobriu o que o apaixonava realmente: a Informática.

A partir daí, “não quis perder um segundinho daquilo” e tentou “aproveitar ao máximo”. Passou de um aluno mau, literalmente, a um dos mais empenhados do curso. “Quando estou mesmo focado, debruço-me muito sobre as coisas”, garante. É verdade: pelo meio, ajudou a fundar aquele que viria a ser o site Palco Principal, na altura chamado HomeStudio e um dos primeiros sites de música da recente web.

Numa incursão parecida, ou daquilo que seria “uma ajuda temporária para criar uma empresa”, nasceu a Auditmark, considerada a melhor start-up portuguesa de 2013. “Na altura achei mesmo que ia ser professor, estava dedicado a isso”, lembra. Hoje, professor, de facto, mas também estudante de Doutoramento na Faculdade de Engenharia (FEUP) e empresário de sucesso, é um exemplo a ter em conta. Aos novos alunos, o conselho sábio: “Acima de tudo, usufruam desta experiência com equilíbrio, até porque é fácil descambar. E o que fazem na faculdade tem muito impacto na vida futura”, remata.