Esta quinta-feira foi a vez da astronomia e da tecnologia darem o mote ao debate entre especialistas e público das mais diversas áreas, num ambiente que não é o habitual.

É já a terceira vez que o piso inferior do Café Pinguim, no coração da Invicta, recebe o PubHD e se aproveita o ambiente descontraído para se falar de ciência, bem ao jeito cosmopolita do século XIX.

“Hoje temos as apresentações das teses de doutoramento mas perdemos o hábito das pessoas irem culturalmente assistir a esses eventos”, lembra Carla Correia, que aproveitou a iniciativa “viciante”, nas suas palavras, para abrir a mente a temas que não domina e “sair daqui com outra capacidade de ver o dia a dia”.

Três oradores, três áreas distintas. O desafio é apresentar o respetivo projeto de doutoramento em 10 minutos para um público não especializado, mas desenganem-se os que não o acham exigente. Não são permitidos recursos multimédia e cada orador pode usar somente um quadro branco e marcadores para explicar uma tese através da tradicional técnica de “fazer um desenho”.

Pedro Figueira explica astrofísica no PubHD Porto.

Pedro Figueira explica astrofísica no PubHD Porto. foto: Inês de Castro

“A principal dificuldade é conseguir reduzir ao mínimo a informação e a complexidade dos assuntos”, diz Nuno Ribeiro, investigador do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) que esta quinta-feira apresentou o seu estudo e a aplicação que desenvolveu, Happy, na área da mudança comportamental e prevenção de cancro, a uma sala cheia de olhos e ouvidos atentos e curiosos.

O serão contou ainda com o contributo de Bruno Ribeiro, que explicou como o mesmo software de identificação de galáxias pode ajudar um idoso a identificar a caixa do medicamento que tem de tomar,  e Pedro Figueira, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, que levou o público numa viagem extrasolar em busca de novas estrelas e consequentemente planetas.

Numa conversa de café que, na opinião de Alfredo Sousa, “quebra com o formalismo instituído que às vezes traz uma carga não muito agradável”, debatem-se assuntos das mais diversas áreas e com as mais diversas abordagens.

O investigador Nuno Ribeiro acredita ainda que este tipo de iniciativas “é uma forma muito direta de aproximar o que é feito em laboratório e em sítios que aparentemente são quase torres de Babel, que as pessoas veem como uma coisa muito distante” com o público em geral. “Fazer com que as pessoas percebam que do outro lado não estão cientistas loucos com o cabelo todo no ar como é a imagem típica da ciência”.

É este público não especializado que, diz Filipa Ribeiro, “tem mais curiosidade pela ciência”. Depois da exposição dos oradores, seguem-se 20 minutos de discussão e é aqui que “surgem as questões mais interessantes”, garante a organizadora do PubHD no Porto.

“As pessoas têm interesse no tema e querem sempre saber um pouco mais do que aquilo que conseguimos dizer em 10 minutos”, explica Nuno Ribeiro.

O PubHD nasceu em Nottingham, no Reino Unido, em 2014 mas depressa se proliferou pela Europa e não deixou de chegar a Portugal, onde conta já com serões em Lisboa, Évora, Braga, Guimarães. No Porto surgiu pela vontade de Filipa Ribeiro, Nuno Francisco e Ricardo Ferraz.

Dar voz aos jovens investigadores    

Para Gisela Duarte, que assistiu às apresentações dos três investigadores, este tipo de iniciativas é “enriquecedor, porque se fica informado do que se anda a fazer a nível de investigação por portugueses, por gente de cá”.

Filipa Ribeiro explicou ao JPN que para além de trazer a discussão para um espaço informal e alcançar um público não especializado, o grande objetivo do PubHD é dar voz aos jovens investigadores. “Normalmente quando se fala de ciência é quando algum cientista ganha um prémio ou quando alguma descoberta é mais publicitada pelos gabinetes de comunicação dos laboratórios, mas a grande maioria dos investigadores, que são os doutorandos e os mestrandos, esses não têm voz, nós não sabemos o que está a ser feito e esse é o cimento da ciência, portanto, é importante dar voz a essas pessoas”.

Ciência acessível a todos                                                                                                                                     

A imagem da ciência como algo intangível ao comum dos mortais tem vindo a mudar e Nuno Ribeiro acredita que “nunca devia ter sido vista assim”.

“Era olhada assim há uns tempos atrás, mas entretanto acho que está cada vez mais próxima das pessoas, que estão cada vez mais interessadas e até interventivas nesse sentido e numa sociedade que se quer evoluída e moderna tem mesmo de ser por aí”, defende o investigador.

“Jornalismo de ciência tem cada vez menos espaço”

Com formação em jornalismo e especializada em jornalismo de ciência, Filipa Ribeiro admite que a área não é alvo da devida atenção por parte da comunicação social. “Acho que o jornalismo de ciência em Portugal é notório que tem tido cada vez menos espaço. Não existe investigação dentro do que é o jornalismo de ciência”.

A organizadora diz que na comunicação de ciência ainda existe o mito de que não há interesse por parte do público. “É um nicho, mas por isso mesmo é que é importante que haja espaço para isso na comunicação social”.

Já Nuno Ribeiro não acha que o caminho até ao público generalizado deva ser feito através dos media. “Acho que não é um assunto tão sexy e quando o é, é-o de forma errada. As pessoas o que procuram sempre são títulos sensacionalistas, que muitas vezes deturpam aquilo que é o que realmente se está a fazer no laboratório e o que são as conclusões reais do trabalho. Por isso, nesse sentido, este género de intervenções mais informais acabam por ser uma melhor forma de se mostrar aquilo que se faz em laboratório”, considera o investigador.

Filipa Ribeiro não descarta a importância de uma ligação entre os dois mundos, o dos investigadores e o do público, de maneira a tornar o discurso acessível a todos. “Tem de haver alguém que está preocupado com a comunicação da mensagem para perceber, por exemplo, ‘se calhar este público não sabe o que é um protão ou um fotão’; tem de haver este filtro para fazer com que a mensagem chegue ao maior número possível de pessoas”.

A organizadora do PubHD no Porto acredita que existem “formas mais diversificadas de apresentar a ciência e não só fazer jornalismo de agência. É difícil assim aumentar os níveis de literacia científica”, avisa.

Artigo editado por Filipa Silva