À 27ª edição, o festival Curtas de Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema apostou, pela primeira vez, em dedicar três sessões à secção “Take One!”, aquela que dá espaço e atenção ao que se produz nas escolas de cinema.
Os vencedores deste ano já são conhecidos: “Em Caso de Fogo” de Tomás Paula Marques (Escola Superior de Teatro e Cinema) ficou, este domingo, com o prémio de melhor filme da secção, ao passo que “Inside Me” de Maria Teixeira (Filmuniversitat Babelsberg Konrad Wolf/Alemanha) levou o prémio de melhor realização.
“Take One!” teve pela primeira vez três dias
Os 16 filmes da “Take One!”, que passaram entre segunda e quarta-feira pelo Teatro Municipal de Vila do Conde, incluíram dois vídeo-ensaios, duas animações, dois documentários e dez ficções.
Foram todos produzidos por estudantes portugueses provenientes de escolas nacionais, mas também estrangeiras. No total, estiveram representadas cinco escolas portuguesas, uma alemã, duas norte-americanas e uma britânica.
As obras levaram ao público do Curtas variados temas, desde a família, a amizade e a morte, passando pela memória, a solidão, o corpo, a masculinidade, a adolescência, o aborto ou a rotina.
Os filmes candidatam-se a receber um total de cinco prémios, a maior parte monetários, mas também de agenciamento. Quatro irão para o melhor filme e um deles, o Prémio Blit, destina-se ao melhor realizador.
A secção “Take One!” é, ainda, complementada por masterclasses e showcases de escolas, assim como pelo Workshop de Crítica de Cinema, que pretende formar novos valores da crítica em Portugal e que é o único do género nos festivais portugueses.
Por esta competição têm passado promessas, então ainda desconhecidas e em início de carreira, como João Salaviza, premiado em 2005, que recebeu, passado quatro anos, a Palma de Ouro, no Festival de Cinema de Cannes e em 2012, o Urso de Ouro, no Festival de Berlim – os prémios de maior prestígio destes festivais.
Para os jovens realizadores, ser selecionado para participar no Curtas é uma oportunidade para ser aproveitada. O JPN esteve à conversa com dois estudantes para saber mais sobre esta sua experiência.
Uma forma de “meter o pé em Portugal”
Numa entrevista realizada antes de saber que venceria o prémio de melhor realizador da secção, Maria Teixeira, autora de “Inside Me”, admitiu ao JPN que ficou muito feliz com a selecção para o festival. É “uma grande ajuda” para “meter o pé em Portugal”, refere a jovem que realizou o filme no culminar de um curso que fez na Alemanha.
Esta participação ajudou “também a perceber como é que está aqui o cinema e a conhecer mais pessoas da área”, adiantou a realizadora do filme cujo tema central é o aborto voluntário.
Maria tirou um curso na FBAUP. Depois, foi fazer um estágio na Alemanha e decidiu apostar no que sempre desejou – animação. Na Alemanha encontrou “bons cursos não muito caros” e concluiu o novo curso, desta vez, na Filmuniversität Babelsberg Konrad Wolf.
Para ela, a animação oferece “mais possibilidades de expressão”, pois “não se está limitado à câmara e à imagem real”, justificou. E foi esta variedade que a fascinou, admitindo ter pena de não haver mais filmes com recurso a esta técnica na “Take One!”. No entanto, considerou que os filmes concorrentes eram interessantes.
A curta-metragem desta estudante, de 28 anos, surgiu como trabalho final de curso e significou a sua primeira curta. O filme, com pouco mais de cinco minutos, baseia-se em histórias verídicas da vida de mulheres que passaram por uma interrupção voluntária de gravidez, um tema que a realizadora considera “muito tabu”.
Maria decidiu retratar o aborto dado achar que “seria bom falar-se mais” sobre o assunto. “É uma coisa que nunca vai deixar de existir, seja legal ou ilegal”, comenta. Por isto, “seria melhor para todos se fosse, socialmente, a pouco e pouco, uma coisa com menos estigma”, acredita.
A estudante tem consciência de que é um tema complexo e pessoal. No seu filme o que quis foi abordar a situação de “um ponto de vista dos sentimentos que estão por trás” de todo o processo, já que “cada caso é um caso”.
“As paredes têm memória”
Rúben Sevivas, o outro estudante com o qual o JPN conversou, mostrou-se igualmente contente pela seleção da sua curta-metragem. Em início de carreira, considera que o a possibilidade de estabelecer contacto com pessoas da área é de grande importância. “Consegues falar com várias pessoas e podes mostrar o teu trabalho”, admitiu, entusiasmado, além de que “ter isto no meu portefólio” é “como se fosse uma rampa de lançamento”, considerou.
Rúben terminou o primeiro ano do mestrado na Universidade da Beira Interior. Quando questionado sobre as dificuldades de realizar cinema de escola, respondeu prontamente: “a credibilidade”. Admitiu que, tendencialmente, as pessoas riem-se ou acham que os estudantes estão a fazer coisas a brincar. “Principalmente nos meios mais pequenos”, comentou. “As pessoas não entendem a seriedade ou a “projeção” que [o cinema] nos pode trazer”, referiu o realizador de 28 anos. Rúben admitiu, ainda, que ser jovem no interior, hoje em dia: “é complicado”.
O autor de “Direito à Memória” achou os filmes dos outros jovens bastante interessantes e confessou: “a competição é sempre estranha quando estamos ainda a fazer cinema, principalmente o de escola”. No entanto, é necessária: “se não existisse esta secção, muitas vezes, os nossos filmes nem sequer chegariam aos festivais”, admitiu.
A obra parte de uma gravação de áudio inédita de um comício do general Humberto Delgado, realizado num cine-teatro de Chaves, no dia 22 de maio de 1958, em plena campanha eleitoral.
O filme recupera dois tipos de memória: a do Cine-Teatro de Chaves e a do “General sem medo”. O realizador admitiu que o Teatro foi a primeira coisa de que quis falar, já que o descobriu em 2011, 25 anos depois de este ter fechado portas, e ficou admirado por caber um espaço daquele num local com uma porta que é “um quadradinho minúsculo”. Um teatro “onde as pessoas passam e ninguém olha” e onde “estava tudo abandonado”, lamentou.
Após, igualmente, descobrir que o único discurso em áudio que existia sobre Humberto Delgado ter sido gravado lá, concluiu: “é o filme perfeito”.
O estudante atribui muita importância à memória e admitiu que todos os seus trabalhos têm a ver com este tema, seja ele tratado de forma particular ou coletiva, dado que sempre gostou de “revisitar o passado para compreender o que vamos fazer no futuro”, adiantou.
Por isto mesmo, durante a curta, há uma permanente conjugação entre a gravação e as imagens fixas do teatro, conjugação que o estudante usou para destacar a importância de os acontecimentos passados relevantes não poderem cair no esquecimento. “O pararelismo é esse”, disse. “As paredes têm memória. Não têm ouvidos, como as pessoas costumam dizer”, concluiu Rúben.
Artigo editado por Filipa Silva
Artigo corrigido às 15h32 de 15 de julho. O filme “Direito à Memória” , realizado no âmbito do primeiro ano do mestrado de Rúben Sevivas, recupera a memória do Cine-Teatro de Chaves e não do Teatro Experimental de Chaves como, por lapso, se referia.