O dia 25 de novembro amanheceu como todos os outros, mas acabou por trazer a notícia que nenhum amante do desporto-rei queria ouvir: a morte de uma das suas maiores lendas, Diego Armando Maradona (1960-2020).

Menos de um mês depois de completar 60 anos, a 30 de outubro, o astro argentino despediu-se, rumo ao Olimpo, onde sempre pertenceu. A notícia foi avançada pelo seu advogado e amigo, Matías Morla, segundo a agência espanhola EFE.

O corpo de Diego Armando Maradona foi autopsiado, esta quarta-feira, e já foi conhecido um relatório preliminar. Segundo o jornal “Olé”, os peritos forenses apontam que a causa da morte tenha sido uma “insuficiência cardíaca aguda, num paciente com mio cardiopatia dilatada, insuficiência cardíaca congestiva crónica, que gerou um edema agudo do pulmão.”

No início deste mês, a 2 de novembro, o antigo futebolista deu entrada num hospital de Buenos Aires, capital argentina, devido a anemia e desidratação, apresentando igualmente um estado depressivo, tendo os exames a que foi submetido revelado a presença de um hematoma subdural, ao qual foi operado com sucesso. Contudo, o seu corpo acabou por sucumbir já bastante fragilizado, para tristeza de milhões de pessoas, em todo o planeta.

A divindade que encantou o mundo

Há mil definições possíveis para sintetizar Maradona. Nenhuma superará as sensações que o seu talento transmitiu. O seu nome ficará, para sempre, gravado na memória e no coração de todos aqueles que tiveram o privilégio de contactarem com a sua genialidade.

Controverso, explosivo, sublime. Uma personalidade tão corrosiva como inconfundível, único na relação com a bola, a eterna companheira. Assim nos despedimos de Diego, mas jamais do seu legado, do seu futebol, que nunca terá tempo ou idade.

Com Maradona morre uma parte do futebol. Talvez a parte mais estética e artística que o jogo alguma vez conheceu. Morre um homem que esteve sempre na vanguarda do desporto-rei, um homem que viveu à frente do seu tempo. Consigo morre o futebol no seu estado mais puro. Foi com a alcunha de El Pibe d’Oro (menino de ouro, em português) que imortalizou o seu nome, nas páginas douradas da modalidade.

Do berço para os holofotes

Chamaram-lhe o “maior amigo da bola”. Diego Armando Maradona  tomou o gosto ao futebol nos subúrbios pobres de Buenos Aires, onde nasceu, em 1960, longe de saber que um dia seria uma das maiores lendas da modalidade. Domou a bola como ninguém, levantou estádios e levou multidões à euforia, quase na mesma medida com que, nos últimos anos de carreira, alimentou as páginas dos jornais com escândalos e polémicas.

Entre a glória e a decadência, o “Pelusa, como era conhecido pelos amigos de infância, estreou-se aos 9 anos no Cebollitas e revelou-se aos 15 anos, no futebol sénior, ao serviço do Argentinos Juniors. Um pé esquerdo de habilidade sobrenatural e uma alegria de jogar contagiante eram as principais marcas de identidade. As suas exibições começaram a dar nas vistas e as assistências foram subindo a um ritmo indomável.

Seleção alviceleste ao virar da esquina

Bastou-lhe um ano para chegar à seleção principal da Argentina. Estreou-se em 1977 ao lado de nomes consagrados do futebol argentino, como Ardilles ou Gatti, numa partida contra a Hungria e foi pela mão de César Menotti que o tornou no mais jovem de sempre a vestir a camisola da seleção A, somente com 16 anos. Seriam prenúncios para um futuro recheado de títulos. Como se costuma dizer, o resto é história.

O seu talento rapidamente se tornou merecedor de palcos maiores e em 1981 transferiu-se para o colosso Boca Juniors e logo conquistou o seu primeiro título nacional. Consolidou-se no futebol argentino e aos 21 anos era já uma certeza e um ídolo na América do Sul. Não demorou a granjear a atenção de toda a Europa. O Barcelona antecipou-se e conseguiu levar a melhor sobre a concorrência.

Por entre muitas lesões e até alguma controvérsia fora das quatro linhas, Maradona não foi muito feliz na Catalunha, conquistando apenas uma copa do Rei em 1983. Em terras espanholas esteve apenas dois anos, até se mudar para Nápoles, no sul de Itália, onde se expressou na totalidade e apaixonou uma cidade por completo.

Dono e senhor da década de 80

Já em território italiano, “Pelusa” comandou os napolitanos numa subida a pulso, justificando a designação de melhor futebolista mundial. A segunda metade da década de 80 pertenceu-lhe por inteiro e o Nápoles, habituado a desempenhar papéis secundários na hierarquia do futebol transalpino, descobria-se capaz de ganhar o até aí inatingível scudetto, por duas vezes, e de conquistar a Taça UEFA em 1989.

O astro argentino estava no seu auge e ia perfumando os relvados por onde passava, encantando o Velho Continente. Nos dias que correm, na grande urbe do sul da Itália, Maradona rivaliza com a Virgem Maria no número de altares nas ruas perdidas da Mergellina, bairro emblemático de Nápoles.

0 “10” incontestável da seleção argentina

Maradona afirmou-se, sobretudo, como o número 10 incontestável da seleção nacional argentina. Com a camisola azul-celeste, Diego Maradona escreveu alguns dos momentos mais fantásticos da história do futebol e marcou golos inolvidáveis. O mais marcante de todos aconteceu nos quartos de final do Mundial 1986, no México, diante da Inglaterra, num altura em que a Guerra das Malvinas tinha deixado ao rubro as relações entre argentinos e britânicos.

No auge da sua arte, Maradona passou por seis adversários antes de atirar a bola para o fundo das malhas. Essa é a partida mais emblemática da lenda sul americana.

Este momento recordado pelos amantes do futebol, foi antecedido por outro, esse mais polémico, mas que figura como uma das imagens mais icónicas do futebol. Numa saída do guarda-redes Peter Shilton, Maradona ‘cabeceou’ para golo. Na verdade, o golo foi marcado com a mão, num momento que ficou conhecido para a eternidade como a “Mão de Deus”.

A Argentina, essa, sairia do México como campeã do Mundo.

O início da decadência

A década de 90 ficou marcada pelo declínio de Maradona. O vício do astro relativamente às drogas tornou-se incontrolável e aproximou-o da Camorra, a máfia napolitana que controlava todo o negócio da droga e prostituição da cidade. Maradona ganhou uma notoriedade imensa junto dos mais importantes generais da máfia napolitana. Rodeou-se de gente pouco aconselhável e o seu rendimento desportivo havia de cair a pique. Com uma rotina presa a festas e à cocaína, perspetivava-se a ruína, que acabou por se verificar.

Fora de Nápoles, a animosidade perante a figura expandia-se. A FIFA também começava a dar sinais de incómodo perante o seu crescente protagonismo, que muitas vezes se confundia com arrogância, alimentada pela toxicodependência e pela corte de oportunistas que nunca o largou.

Caminhou muitas vezes por trilhos sinuosos, ao lado do seu problema com a toxicodependência: acusou doping num jogo contra o Bari. No mesmo ano de 1991 foi preso por porte de cocaína em Buenos Aires. Foi suspenso por 15 meses pela FIFA. Depressivo, engordou e não conseguiu recuperar o seu futebol de outros tempos.

Despediu-se, sem glória, dos Campeonatos do Mundo nos EUA, em 1994, onde acabou expulso por acusar positivo num controlo anti-doping. Da FIFA recebeu mais 15 meses de suspensão. As chuteiras acabariam penduradas em 1997, ao serviço do Boca Juniors.

Onda de choque ao redor do mundo

A morte de Diego Armando Maradona chocou os amantes do futebol e provocou várias reações pelo mundo fora, desde antigos clubes a antigos adversários. Ninguém ficou indiferente a esta enorme perda:

A seleção da Argentina, que Maradona representou inúmeras vezes, também deixou uma mensagem emotiva.

Boca Juniors, clube do coração do pequeno mago, fez sentir o seu luto com um vídeo marcante.

O Nápoles, clube onde Maradona imortalizou o seu nome, despediu-se de forma sentida.

O River Plate, o maior rival do Boca Juniors, deixou uma imagem carregada de simbolismo que termina com o símbolo do infinito no lugar da data de morte, elevando desta forma Diego Armando Maradona à imortalidade.

Pelé, outro dos nomes que vai ficar nos livros da história do futebol, também dedicou uma mensagem a “um grande amigo” e deixou um desejo:

O pé esquerdo fabuloso a açucarar todos os passes, a visão periférica incomparável e o talento inato maravilhavam o mundo do futebol. Encadeava adversários na mesma finta e corria como um louco, estivesse ainda nas calles de Villa Fiorito, na sua Bombonera ou em Camp Nou. Só parava com o golo e os abraços daqueles que levava às costas. Um barrilete cósmico que varreu para sempre a face do futebol. Obrigado por todas as jogadas surreais e verdadeiramente apaixonantes, foi um prazer!

Artigo editado por Filipa Silva