A Alfândega do Porto recebeu a sexta edição da Cannadouro, no último fim de semana. O evento que divulga a cultura canábica em Portugal junta consumidores e empresários que lutam pela legalização da canábis para fins recreativos e medicinais.

A Cannadouro – Feira Internacional de Cânhamo em Portugal voltou ao Centro de Congressos da Alfândega do Porto, no fim de semana de 18 e 19 de novembro, para cumprir a sexta edição. Os diversos tipos de utilização da canábis estiveram em foco na exposição que reuniu 70 expositores e cerca de 400 profissionais do setor, de acordo com números da organização. Visitantes foram cerca de 4 mil.

Os números deixam satisfeito João Carvalho, diretor do evento: “A Cannadouro tem assistido a um crescendo, seja na quantidade de empresas, seja no número de sponsors, seja no número de visitantes”, sublinhou ao JPN.

Esta foi “uma edição especial” e com um “misto de emoções”, devido à morte do cofundador da Cannadouro, Alberto Pires, há cerca de dois meses. O diretor afirma que há um forte “sentimento de perda” nesta edição, mas que a luta pela legalização continua sempre, uma vez que “o proibicionismo só tem trazido danos”.

De acordo com o responsável, “a war on drugs [nome pelo qual ficou conhecida a campanha proibicionista seguida nos Estados Unidos sobre o tráfico e consumo de droga, desde a década de 70] é uma guerra perdida em absoluto” e alguma coisa tem de mudar. “Neste momento, ao nível mundial, é gasto mais dinheiro em lógicas repressivas do que na prevenção de riscos. A ilegalidade é que traz maus produtos e não permite que as camadas jovens se informem”, acrescenta.

Apesar de o estigma ter vindo a diminuir com o passar dos anos, João Carvalho declara que ainda há um forte preconceito para com os utilizadores de canábis em Portugal. “A Cannadouro existe para informar acerca dos benefícios e malefícios da canábis. A canábis não é inócua. Tudo o que fazemos na vida deixa-nos consequências. Mas o preconceito que existe em Portugal está a cair por terra cada vez mais e acreditamos que a legalização da canábis recreativa estará para breve”, acrescentou o responsável.

Sem qualquer apoio institucional, a Cannadouro depende dos seus promotores e também do “apoio de empresas e dos sponsors”, diz João Carvalho.

Uma canábis, mas com diferentes finalidades

São muito variadas as entidades que marcaram presença no espaço de exposição da Cannadouro. Além de empresas que exploram comercialmente diferentes usos da canábis e do cânhamo, foi possível encontrar na Alfândega também associações. É o caso da Mães pela Canábis, uma associação criada por Paula Mota, de 50 anos, na sequência de uma doença rara da filha, Margarida, que sofre de epilepsia refratária.

“Comecei a tratar a Margarida com a canábis em 2017 e comecei a ver resultados nas crises cognitivas, motoras e daí comecei a contar a história da Margarida. Ao dar a conhecer a história dela, outras mães começaram a procurar-me. Perguntavam-me o que é que eu fazia, como é que eu conseguia, onde é que eu arranjava e quem é que me ajudava”, contou ao JPN a criadora do movimento, que procura juntar mães que buscam estas opções de terapias alternativas.

Para além de ajudar pacientes, a associação também tem como objetivo informar e educar as pessoas, uma vez que “ainda existe muito o estigma”. Paula Mota afirma que há “muitos pais que ainda escondem aos médicos que estão a fazer esta terapia e que fizeram o desmame dos medicamentos” por medo do julgamento ou das consequências. Quanto às diferenças entre o uso recreativo e medicinal, a criadora do movimento refere que tem “um pouco de dificuldade em separar o recreativo do medicinal no caso dos adultos” e que por isso acha que “a canábis é só uma e a lei deve ser só uma também”.

José Santos, de 54 anos, é responsável pela área comercial da Enecta, empresa responsável pela criação de produtos terapêuticos com CBD e defende a legalização da canábis também para uso recreativo, visto que, “iria trazer melhor qualidade dos produtos” e “trazer alguma segurança para os consumidores”.

A Tabu CBD é uma marca que comercializa diversos produtos com canábis e tem como objetivo principal quebrar tabus relacionados com o uso da substância. Afonso Machado, de 24 anos, é cofundador da marca e acredita que a “indústria está a crescer” e que eventos como a Cannadouro estão a “contribuir para uma sociedade mais evoluída”.

Afonso Machado sublinha ao JPN a importância de acabar com o estigma, visto que muitas vezes o problema é só a falta de informação. “Quando comecei a minha loja de canábis, os meus pais e os meus avós não sabiam. Hoje em dia, eles próprios são consumidores e contribui imenso para a saúde deles”, conta o cofundador da Tabu.

Uma legalização “inevitável”?

Várias gerações visitaram a Cannadouro, muitos para disfrutarem do ambiente e das ofertas no local, outros para descobrirem um pouco mais sobre o tema. Sérgio Castro, de 23 anos, visitou pela primeira vez o evento que considera ser importante, “porque às vezes as pessoas têm uma imagem errada sobre o que é o consumo da canábis”. Muitas questões são levantadas sobre o uso canábico em Portugal e, segundo Sérgio, este é um espaço onde as pessoas podem “realmente ver e ter um conhecimento direto e com pessoas devidamente informadas sobre o que traz de positivo”.

No entanto, o visitante acredita que, o preconceito que existe para com a utilização da canábis, muitas vezes é culpa dos consumidores. “Uma pessoa pode consumir canábis e ter uma forma correta de estar em público, sem incomodar os outros, como também temos pessoas que não sabem estar. Não está diretamente relacionado com a canábis, mas sim com a pessoa que usa”, rematou.  Apesar de tudo, defende e acredita na legalização e vê isso como algo de inevitável “nos próximos cinco anos”, arrisca.

O Cannadouro registou a presença de 70 expositores na edição deste ano. Para além do espaço comercial, a Alfândega do Porto cedeu o espaço a conferências e palestras sobre os diferentes usos da canábis, de modo a informar e a desmistificar algumas ideias. Os próximos objetivos da organização passam por aumentar ainda mais a dimensão da festa e a adesão do público. Mesmo com novos projetos em mente e ideias para futuras edições o lema mantem-se o mesmo: “sempre no rumo à legalidade da canábis”.

Artigo editado por Filipa Silva

Reportagem realizada no âmbito da cadeira de AIJ TV – 3.º ano