O vinil continua a fascinar os aficionados de música e a cativar as novas gerações. Para além da natureza nostálgica, os discos de vinil oferecem uma experiência singular e envolvente que transcende a realidade digital.

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Os discos de vinil ou LP (long play) surgiram na década de 40, mais precisamente em 1948. A Columbia Records e a Victor RCA, que eram as principais editoras americanas da época, procuraram trabalhar este formato com o intuito de obterem uma melhor qualidade de som e uma maior capacidade de gravação, recorrendo a um material plástico à base de vinil que deu origem ao nome deste objeto.

Há setenta e cinco anos, os discos de vinil entraram no cenário musical (ver caixa) e, em plena era digital onde as plataformas streaming são o foco do mercado, a procura por este objeto continua a crescer.

Um relatório divulgado pela Associação Americana da Indústria de Gravação (RIAA), em 2022, revelou que o vinil teve um crescimento de 17% face a 2021. Foram vendidos 41 milhões de discos de vinil, o que representa qualquer coisa como 14,81 mil milhões de euros em lucros. Em outubro deste ano, a British Phonographic Industry (BPI) registou um crescimento de 13,2% no mercado britânico.

Paula Guerra, professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e investigadora no Instituto de Sociologia da mesma Universidade (IS-UP), descreveu ao JPN as razões que acredita serem responsáveis por esta resistência do vinil: “Há uma tendência por parte das pessoas em buscar o objeto, numa recusa da desmaterialização da música. O objeto é um fator de identificação simbólica, identitária e as pessoas procuram isso”.

Há uma tendência por parte das pessoas em buscar o objeto, numa recusa da desmaterialização da música.

Num contexto “massificado” no panorama musical atual, a procura pela “distinção da massa” é relevante para justificar a coexistência do vinil com as plataformas digitais, assim como o “culto” que gira à volta deste formato: “As pessoas que são fãs de heavy metal tentam por tudo terem o seu vinil. Ou as pessoas ligadas ao campo hardcore e outros subgéneros musicais. Essas pessoas têm aquela ideia de ter o vinil. Isso nunca desapareceu”, salienta a especialista.

Paula Guerra é professora universitária do Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e investigadora no Instituto de Sociologia da mesma Universidade (IS-UP). Foto: Paula Guerra

Outra causa associada à persistência do vinil no mercado são as lojas de discos de vinil, caracterizadas como espaços de socialização. No seu artigo House of Golden Records: Portugal’s Independent Record Stores (1998–2020) publicado em dezembro de 2022, a investigadora analisa a relevância das lojas de discos independentes em Portugal, e afirma que “apesar de vivermos numa era de desmaterialização profunda da música e do consumo musical, as lojas de discos continuam a ser espaços centrais de assimilação, disseminação, consumo e até, em alguns casos, de produção artístico-musical”.

Embora seja possível descrever o disco de vinil como elemento de afirmação de identidade e pertença, é também de realçar a capacidade que este objeto tem em despertar um dos sentimentos mais influentes na lei da oferta e da procura: a nostalgia. Paula Guerra afirma que a nostalgia “vende” e sublinha o conceito de “retromania” de Simon Reynolds: “a cultura popular anda em círculos”.

“Os anos 80 vendem muito, o grunge vende muito, os Beatles vendem imenso, há um culto imenso em torno dos Beatles, dos Rolling Stones, um culto imenso em torno da música negra, portanto, tudo isto anda em círculos”, explica Paula Guerra. 

O retro vende hoje. Há movéis retro, eletrodomésticos, as máquinas fotográficas analógicas, os filmes a 8 milímetros, tudo isso vende. E, inclusivamente, de forma diferenciadora, numa resistência a um capitalismo massivo. Quem está a comprar tem a sensação dee estar a ser único e especial, mas não é. O alternativo hoje é uma forma de vender”, justifica a académica.

O alternativo hoje é uma forma de vender.

Como outras fontes referem na reportagem do JPN sobre a procura crescente pelo vintage, a influência das redes sociais nesta tendência dos consumidores para os objetos analógicos é notória. Paula Guerra constata que “há um antes e depois da internet”. “É obvio que hoje o mercado é determinado pela internet e pelo que se passa nas redes sociais, nomeadamente o Instagram e o Tik Tok”, reconhece.

A professora da Universidade do Porto considera que as redes sociais e os algoritmos são umanova forma de curadoria, que competem com as formas tradicionais, como as lojas de discos e revistas especializadas”.

Esta dinâmica entre o universo digital e o mundo real acaba por despertar novas carências por parte de quem compra e consume música. O disco de vinil representa um teletransporte para o passado e alberga uma experiência distinta das plataformas streaming: “É a beleza estética da capa, naturalmente, mas também a própria experiência e a demanda por atenção. É preciso retirar o disco de sua capa, ouvir o disco, ouvir os pequenos ruídos que o gira-discos faz quando toca o disco, virá-lo e colocá-lo de volta”, analisa Paula Guerra.

A carência pelo objeto físico pode ser uma resposta do ser humano à era tecnológica, “uma consequência do vazio do digital”. Paula Guerra afirma que “o passado nunca esteve tão presente nas nossas vidas. Isso promove leituras românticas do passado, que é visto como uma era dourada onde havia uma autenticidade real”.

Sendo o vinil a resposta a “essa visão romântica do passado”, uma consequência da era do imediatismo ou uma forma de afirmação social, a verdade é que este objeto continua a ser alvo de muita atenção e admiração por parte de quem vende e de quem compra.

Editado por Filipa Silva

Artigo realizado no âmbito da cadeira de TEJ Online – 2.º ano