Criada há cerca de um ano, a nova "editora de vinis" junta artistas de house numa casa só. Com a venda das 100 cópias do seu disco de estreia "CDFT001", lançado no ano passado, a editora "começou da melhor maneira". O JPN visitou o estúdio da Cedofeita Records e conversou com quatro dos fundadores.

Uma nova editora independente quer ganhar protagonismo no cenário da música eletrónica do Porto. Chama-se Cedofeita Records, foi criada no ano passado e aposta na house music e na exclusividade do produto que oferece. Seis músicos estão na origem do projeto: Sérgio Gomes, Bruno Neto, Bernardo Alves, Pedro Rompante, Álvaro Martins (aamaa) e Francisco Pereira (Shrumate), tendo estes dois últimos saído entretanto. O arranque, dizem, não podia ter sido “melhor”, mas há mais nos “pratos” destes disc-jockeys (DJ).

A ideia para a Cedofeita Records começou a germinar em 2020, mas acabou por ser a pandemia – ou a ausência de atividade a que ela obrigou – a incentivar o grupo a avançar com a criação da editora.

Bernardo Alves, Bruno Neto, Sérgio Gomes e Pedro Rompante (da esquerda para direita). Foto: João Veloso

Enquanto os restantes já eram amigos “há muito tempo”, como nos conta Sérgio Gomes – ou DJ Serginho, como é conhecido na praça -, Pedro Rompante foi o “último a chegar ao estúdio”. Antes disso, o músico de 34 anos andava entre Porto e Lisboa, onde tinha um estúdio com o músico Switch Dance. Contudo, “nesta maluqueira de morar em duas cidades” e por questões de “tempo”, decidiu voltar ao Porto e “estabelecer[-se]”.

Pedro montou provisoriamente um estúdio em casa e até decidiu criar uma editora própria – a M.A.D – mas chegou à conclusão que “não é bom fazer isto sozinho”. Então, quando visitou o estúdio “bem fixe [e] grande” da (futura) Cedofeita Records e conheceu os seus restantes membros, pensou, sem qualquer hesitação: “Pronto, é aqui. É para aqui que eu venho”.

Bernardo Alves já tem este estúdio há oito ou nove anos e mantinha-o “sozinho, desde o início”. Entretanto, o músico de 33 anos achou melhor “partilhar [o estúdio] com alguém”, até para “dividir despesas” associadas ao espaço e ao material, que Serginho diz ser “muito caro.” Para além de poderem “partilhar os equipamentos”, como indica Bruno, e ideias, Sérgio Gomes, DJ de 45 anos, admite que os músicos juntaram-se para “divulgar a música e as pessoas e os projetos”, sendo a “finalidade” da editora “mostrar” o trabalho dos seus membros.

Uma editora independente e local com “autenticidade”

Tendo a editora musical francesa Yoyaku como “inspiração no método de ser independente”, Pedro Rompante compara a Cedofeita Records aos “núcleos [musicais] pela Europa fora” que apostam num particular “nicho de mercado”, com um “estúdio mais pequeno” e uma equipa de músicos que “se junta no estúdio e que pode dar feedback” do trabalho alheio. O objetivo, claro, não é imitar estas editoras, é antes, diz Sérgio Gomes, cada um “fazer a sua cena, com a sua ideia”.

Entre as várias vantagens de estar numa editora independente, Pedro salienta a autonomia e a liberdade: “Sai o disco quando tiver de sair, sai o disco quando nós acharmos que está bem, com as quantidades que nós queremos, para onde nós queremos”, explica o músico de 34 anos. Assim, nenhum dos artistas entra no “engole e cospe fora” das distribuidoras e não está “dependente de contratos de distribuição manhosos” que obrigam a “prensar uma quantidade maior de discos do que aquilo que realmente [necessitam]” e a vender discos, pois, se não o fizerem, “eles [as distribuidoras] voltam para trás”, obrigando-os a “pagar outra vez os discos, o transporte e tudo mais”.

Entretanto, o artista de 34 anos salienta que o facto de a Cedofeita Records ser uma editora independente e local é mais “apelativo para quem consome música” e quer “descobrir o que é que se passa no Porto”, acabando, igualmente, por contribuir para a “autenticidade” da editora. “Acabamos por ter uma coisa única e exclusiva, que acho que é isso que as pessoas procuram, em vez de tentarmos replicar alguma coisa”, afirma ao JPN Pedro Rompante.

Acabamos por ter uma coisa única e exclusiva, que acho que é isso que as pessoas procuram, em vez de tentarmos replicar alguma coisa.

E não houve melhor forma de transmitir “aquela ideia de ter alguma coisa única e de não estar a imitar” do que com um “nome forte” e “local”, segundo Bruno Neto. Sérgio Gomes acrescenta que colocar o nome da rua onde a editora se situa é algo  com história “na música de dança” e eletrónica, dando o exemplo das editoras como a Rue de Plaisance, Henry Street e Glasgow Underground.

Para além disso, a Cedofeita Records destaca-se por ser uma “editora de vinis”, como diz Serginho, algo visível no estúdio, onde se concentram dezenas de exemplares, colocados em prateleiras.

Mas porque decidiram apostar no vinil ao invés do formato digital? Bernardo Alves explica: a venda de discos “em formato físico” é também a “única” forma de a editora “ganhar algum dinheiro”, pois, em formato digital, têm de se “vender milhares e milhares de cópias” para ter rentabilidade. Para além disso, o artista de 33 anos admite que a venda de discos em vinil, que voltaram “um bocado a estar na moda”, para além de ser “um check a fazer na nossa própria lista pessoal”, é uma maneira de tornar o produto mais exclusivo. “Marcar a diferença e ser exclusivo” era algo que “queríamos”, diz.

“Ver o artwork” e “ler o texto que vinha dentro” do disco é algo que é apenas possível com o vinil, referindo Bernardo que, no digital, “é só mais um ficheiro”.

As próprias capas dos discos da Cedofeita Records destacam-se pela sua simplicidade, com um “artwork” que parece que “o músico teve em casa a carimbar antes de poder deixar na loja”, refere Bruno. O artista de 37 anos explica que os membros da editora, “como DJs”, “não procuram a capa bonita” que, normalmente, “atrai mais as pessoas normais”, acabando por privilegiar a estética “stamped”: “para nós, DJ, e para consumidores DJ, faz valorizar mais essas peças”

Sucesso na estreia: “começou da melhor maneira”

Setembro de 2021: foi nesta data que a editora se estreou publicamente, com o lançamento do seu primeiro disco intitulado “CDFT001”. Considerado “único” por Pedro, o EP (Extended Play) apresenta quatro músicas (feitas por todos os membros da editora), estando metade no lado A e a outra no B. O disco de estreia destaca-se pela sua música eletrónica “eclética dentro do estilo house, como descreve Bernardo, mas cada um dos artistas “tem o seu estilo”, uma variedade que Bruno afirma “ajudar a diversificar o disco”.

O processo para ter o produto final foi “complicado”, segundo Bernardo Alves. Os artistas “já [tinham] as músicas basicamente [prontas]” e, então, tiveram de ouvir “as músicas uns dos outros” e decidir quais seriam as “finais”. Posteriormente, foi levada a cabo a mistura, que foi feita por Pedro Rompante no estúdio, e a masterização do disco, que ficou a cargo de uma empresa do Reino Unido.

Entretanto, a prensagem do vinil foi feita em Madrid e, finalmente, os artistas decidiram qual seria a imagem da capa (antes de o disco começar a ser vendido), algo que foi “complicado”, diz Bernardo, visto serem “várias pessoas e todos com ideias diferentes”. Uma “complicação que ajudou a ter um produto melhor”, completou Bruno Neto.

Essa complicação ajudou a ter um produto melhor.

Inicialmente, a equipa da Cedofeita Records estava com “receio” das vendas, mas não tinham razão para isso: com apenas 100 cópias, a edição limitada do EP foi vendida na sua totalidade, algo que “ninguém estava a contar” e que foi uma “boa surpresa”, diz Sérgio.

Pedro acrescenta que ser independente e sustentável foi sempre o objetivo, mas os membros estavam a pensar ter isso “ao quarto ou quinto disco”, em vez de logo na estreia. De certa forma, este sucesso inicial serviu como uma “aprovação” do trabalho produzido e deu “ânimo” à editora: “dá-nos esta bagagem e esta certeza de que vamos vender”, afirma Serginho.

Após o lançamento do disco de estreia, os músicos tiveram o seu primeiro showcase a 15 de outubro de 2021, no clube Plano B, no Porto. Posteriormente, a editora atuou no bar Musa das Virtudes, no final desse mesmo ano (11 de dezembro), e mais recentemente, na abertura da loja The Feeting Room, também no Porto.

Embora, para Bernardo, cada showcase tenha sido só “mais uma festa”, Serginho admite que as atuações foram mais do que isso: uma “concretização de teres a editora” e uma forma de se estabelecerem no mercado.

Assim, a editora “começou da melhor maneira”, na ótica de Sérgio (e de toda a equipa).

O agora e o futuro da Cedofeita Records

Atualmente, os artistas da editora portuense estão a trabalhar no segundo disco, que, de acordo com Sérgio, já “está pronto”, faltando apenas decidir alguns detalhes finais. A data de lançamento ainda não é concreta, mas a probabilidade é que saia depois do verão. Entretanto, o terceiro disco está “apontado e feito” e, se “correr muito bem”, pode já ser lançado ainda no final deste ano. Mas “não estamos a contar com isso”, diz Serginho.

Pedro Rompante explica que a incerteza face aos lançamentos está relacionada com o facto de estarem “dependentes das pressing plants”, referindo que, devido à pandemia e ao conflito na Ucrânia, a produção de discos em vinil tem estado atrasada e isso mexe com o calendário de lançamentos.

Apesar disto, Sérgio acredita que estes próximos projetos vão “vender mais” do que o primeiro disco, e, graças a isto e também ao facto de as lojas “quererem comprar mais”, a editora está a pensar em aumentar o número de cópias dos discos vindouros. Aliás, a “maior dificuldade” por que a editora passou foi o lançamento e, como este foi bem-sucedido, Serginho crê que já não vão “ter grande dificuldade” nos próximos lançamentos.

Para além dos discos, a agenda dos artistas da Cedofeita Records estará repleta de atuações em clubes, como o Plano B, e, possivelmente, outra vez na The Feeting Room; porém, os membros da editora portuense pretendem, agora, “sair do estúdio”, como diz Pedro Rompante, e começar a fazer eventos próprios.

Desta forma, o futuro anuncia-se risonho, mas Sérginho admite ao JPN que o sucesso inicial não vai ser fácil de replicar: “mais brilhante do que foi o começo é difícil”. Mas, por enquanto, o DJ assegura que a equipa está satisfeita: “conseguimos vender discos e temos algo nosso, para tratar com algum cuidado”, concluiu.

Artigo editado por Filipa Silva