A primeira exposição de ilustração de Sara Felgueiras “reflete sobre o impacto da ação humana na biodiversidade” e estará patente na Galeria Padaria Águas Furtadas, no Porto, até finais de junho. O JPN visitou a loja/galeria dedicada ao design e à cerâmica, que este mês tem novidades para apresentar.

Mesmo atrás do Centro Português de Fotografia, na Rua de São Bento da Vitória, encontramos a Galeria Padaria Águas Furtadas. Nesta “Padaria”, não se vende pão. Há, no entanto, “alimento” de outro género:  produtos na área da ilustração e da cerâmica, assim como exposições. Uma das mais recentes corresponde à primeira mostra de Sara Felgueiras, intitulada “Arca de Não é”, que vai estar patente até finais de junho e motivou uma conversa sobre animais em vias de extinção dentro de um “ser vivo” que é a própria galeria.

Pensada a propósito do Dia da Biodiversidade, assinalado a 22 de maio, a mostra da ilustradora e designer gráfica de 25 anos é uma narrativa visual em que se reflete sobre “a forma como nós [os seres humanos] estamos diretamente e indiretamente relacionados” com o término dos seres vivos expostos, explica a autora ao JPN durante a visita que fizemos ao espaço.

Esta “reflexão” é conseguida através de ilustrações de dez animais em diferentes graus de perigo, cinco deles da Península Ibérica e os restantes de outras partes do mundo.

Mas as imagens não são simples ilustrações de animais. Cada uma apresenta uma mancha preta, feita de cartolina, que envolve as espécies e pretende demonstrar o seu “desaparecimento”. A exposição corresponde a uma “sequência”, estando “organizada de forma decrescente”, desde o animal com mais exemplares vivos até ao que tem menos. “As pessoas [ao] levarem com esta macha forte, impactante, cada vez maior, penso que poderão refletir realmente em como estamos a afetar isto e a levar a que os animais estejam a desaparecer”, salienta Sara.

Mas porque foram escolhidas aquelas espécies específicas? Sara explica que quis ter cinco animais ibéricos, porque “estão próximos” dos portugueses, e os restantes foram escolhidos para “apelar” ao público em geral. Para além disso, a “variedade de animais” era algo que a ilustradora desejava, sendo que queria que “fossem não só mamíferos, mas também aves, répteis”, que “estão a desaparecer”.

Embora grande parte das espécies mais ameaçadas no mundo sejam plantas, a ilustradora de 25 anos nota que a afinidade que temos com o mundo animal é outra: “Será que nos sentiríamos impactados pela exposição se fossem simplesmente plantas a desaparecer? Se calhar, não tanto.”

A própria “componente do desaparecimento” está bem visível no “trocadilho” que dá nome à exposição: “Arca de Não é”. Embora os animais ilustrados “ainda [existam], se eles não estiverem nesta arca, por assim dizer, vão deixar de existir”, explica Sara.

“Se não protegermos o planeta, também não nos estamos a proteger a nós”

Depois de saírem da exposição, a ilustradora e designer gráfica quer que os visitantes “consigam compreender como as nossas ações, direta ou indiretamente, afetam os ecossistemas, afetam os habitats e afetam estes animais”. Sara até compara o impacto dos seres humanos com o das abelhas, que têm “um papel fundamental no nosso planeta” e “estão em perigo”, referindo uma frase de Einstein: “Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência”. “Se um animal tão pequenino consegue ter tanto impacto, como é que aquilo que nós construímos e a forma como nós vivemos atualmente não terá impacto nestes animais?”, questiona a jovem.

Desta forma, os visitantes perceberão que “o que fazemos tem consequências” e que “se não protegermos o planeta, também não nos estamos a proteger a nós mesmos”.

Mas proteger a Terra inteira não é uma tarefa simples. Segundo Sara, “há muita coisa a fazer que nós, individualmente, não conseguimos corrigir do dia para a noite e mesmo grandes organizações também não o conseguem fazer”. Isto levou a ilustradora a incluir uma “componente ativa”, que corresponde à doação de lucros das vendas das ilustrações à Associação Natureza Portugal (ANP), diz. Assim, da venda das ilustrações originais revertem 10 euros para a associação referida, enquanto que, ao se vender as suas reproduções, serão doados 5 euros. Para a autora da exposição, isto é importante porque “as pessoas podem sair daqui a saber que puderam contribuir de alguma forma para a manutenção da biodiversidade”.

Mas porquê a ANP? Segundo Sara, a escolha desta associação foi “por uma questão de credibilidade”, sendo “uma associação que é representante em Portugal da WWF”, um destino que considera “credível e seguro” e que as pessoas reconhecem. Para além disso, uma associação portuguesa “seria mais interessante” para a exposição pelo facto de esta incluir animais da Península Ibérica, sendo, assim, possível “ajudar os animais que estão mais em dificuldade próximos de nós”.

A artista por detrás da “Arca de Não é”

Com um grande interesse pela biodiversidade, animais e sustentabilidade, Sara Felgueiras começou a desenvolver o gosto por estas temáticas na escola primária, altura em que houve uma “grande campanha para as pessoas começarem a reciclar”. Foi aí que percebeu que “as nossas ações têm consequências” e que “temos de fazer o nosso melhor para proteger o planeta”. Com o passar dos anos, esse interesse foi crescendo cada vez mais e “agora, como ilustradora”, Sara inclui-o nos seus trabalhos, porque é “uma parte de [si]”.

Antiga estudante de Ciências da Comunicação: Jornalismo, Assessoria, Multimédia [curso de que o JPN faz parte], Sara “foi descobrindo” a sua paixão pelo design, acabando por seguir um Mestrado em Design de Comunicação, na Escola Superior de Artes e Design (ESAD). Embora no ensino secundário tenha ido para Ciências e Tecnologias, a jovem de 25 anos sempre teve uma “afinidade com artes” e, no 12.º ano, começou a fazer desenhos e a utilizar aplicações como o Photoshop, tendo sido a partir daí que começou a “mudar o [seu] rumo”.

Sara Felgueiras João Veloso

Depois do secundário, a “ideia inicial” era entrar na licenciatura em Design, mas, como não tinha “média para entrar” nesse curso, acabou por optar por Ciências da Comunicação (CC), que era “o mais próximo” que encontrou. Assim, no ramo de Multimédia, em CC, pôde “desenvolver um bocadinho melhor as [suas] competências” e “pôr em prática esses conhecimentos [em aplicações de design, como Illustrator] de uma forma mais educativa”. Posteriormente, conseguiu ingressar no Mestrado em Design de Comunicação, que lhe permitiu alcançar “credibilidade para trabalhar nesta área”.

Para além de trabalhar como freelancer, Sara é colaboradora na Galeria Padaria Águas Furtadas (em regime part-time) desde novembro de 2021, local que já conhecia e onde algumas das suas ilustrações já estavam à venda. A Galeria Padaria foi a “oportunidade perfeita” para concretizar o desejo de aliar um trabalho mais estável à componente de freelancing e, ao mesmo tempo, estar num meio que gosta, recheado “de artistas que conhece.”

Apesar de, “para já, ainda estar a descobrir o meio”, Sara tem vários desejos para o futuro: queria que “surgissem mais trabalhos de cliente da área da ilustração”, sendo que só tem feito de design gráfico, e gostaria de trabalhar com “marcas aliadas à sustentabilidade”. Para além disso, a ilustradora já está a pensar em criar mais exposições, porque “gostou da experiência” da “Arca de Não é” e acredita que “se adequa ao rumo” que agora quer tomar.

Galeria Padaria: a loja/galeria que é também um “ser vivo”

Para além de ser a casa da mostra “Arca de Não É”, a Galeria Padaria Águas Furtadas apresenta outras exposições de variados autores, coleções de cerâmicas, entre outras. Assim, com o desenvolvimento de “produção própria e conceito próprio de produto com várias formas”, este espaço tornou-se num “ser vivo”, como Rute Arnóbio, gestora e diretora criativa da empresa.

Contudo, não era esse o objetivo inicial da Galeria Padaria. Primeiramente, o espaço era suposto ser o “escritório da casa-mãe Águas Furtadas”, uma “empresa dedicada ao design e ao artesanato contemporâneo português”, que, segundo a diretora criativa de 41 anos, nasceu há 17 anos, nas águas-furtadas de uma casa no Cais das Pedras.

Tendo passado pela Rua de Miguel Bombarda e pela Rua do Almada, onde se localiza uma “concept store” da Águas Furtadas em espaço partilhado, a Galeria Padaria foi o “último projeto”, tendo surgido de “uma necessidade de termos um espaço para a criação dos nossos produtos e conceitos”, diz ao JPN Rute.

E, assim, em abril de 2019 a loja/galeria abriu portas. Contudo, quando a equipa se dirigiu para a Rua de São Bento da Vitória, a diretora criativa da empresa admite que “não tinham sequer um conceito muito definido nem ideia que a localização iria ter tanto público e tanto público interessado” no que fazem. Porém, “à medida que percebemos que o público tinha mais interesse, começamos a desenvolver cada vez mais produtos próprios”, na área da ilustração e da cerâmica.

Antes de se tornar na Galeria Padaria Águas Furtadas, o espaço era uma padaria da conhecida rede Padouro e, como forma de “respeitar a história” do sítio em si, Rute decidiu manter “Padaria” no nome. Além disso, a gestora explica que esta palavra vai de encontro à missão do projeto: “Se pensarmos bem, a padaria é um sítio onde, todos os dias, temos pão fresco, que é isso que nós tentamos [fazer] – ter coisas novas e estamos sempre a criar projetos novos – e também, ao mesmo tempo, é um sítio familiar, que também é isso que gostamos que as pessoas que nos visitem sintam, que se sintam confortáveis.”

Para além de apresentar exposições, a Galeria Padaria, um “projeto privado” que não beneficia de fundos nem “apoios”, vende produtos e trabalhos artísticos, algo necessário para que “[exista] como espaço físico” e para sustentar as cinco pessoas na equipa, diz ao JPN Rute.

Embora pretenda valorizar a arte portuguesa, a Galeria Padaria dá também o palco a artistas de outras nacionalidades (muito deles “vieram viver ou estudar para o Porto”). De acordo com Rute, ter apenas trabalhos de artistas portugueses seria “um conceito muito fácil de vender e muito na moda”, mas admite que a Galeria Padaria não é “uma caixa” nem aceita “etiquetas”.

Muitos dos artistas “que vêm doutros sítios”, tanto dentro como fora de Portugal, desde a América do Sul até ao Reino Unido, foram o resultado das open-calls da Galeria Padaria, um projeto (que começou durante a pandemia e ainda continua) “em que fazemos chamadas públicas [através do Instagram] sobre certos temas”, todos os meses. Embora isto tenha começado no “mundo virtual”,  onde os artistas “tiveram muita visualização, mas tudo digital”, atualmente, num “conceito pós-pandemia”, com diz Rute, mal as portas da loja/galeria reabriram-se, a Galeria Padaria passou a ser “uma plataforma” onde os artistas têm não só uma “existência virtual ou digital, mas também uma existência física”.

Defensora de que a arte “deve ser cada vez mais democratizada”, a equipa da Galeria Padaria tenta ter uma “perspetiva democrática” relativamente aos preços, refere ao JPN a gestora de 41 anos, vendendo uma variedade de produtos e coleções (limitadas e ilimitadas) com preços “acessíveis”.

E o que podemos esperar do futuro da Galeria Padaria? Rute Arnóbio indica em primeira mão ao JPN que o Centro Comercial Bombarda (CCB) convidou a loja/galeria para “abrir um projeto novo de galeria dentro do espaço”, voltando-se “um bocado ao início” da Águas Furtadas, ou seja, à Rua de Miguel Bombarda. Assim, já no próximo sábado (4), será inaugurada uma nova loja pop-up no CCB chamada “Cor Própria”, que, todos os meses, terá um conceito e produtos diferentes.

Artigo editado por Filipa Silva