Vivemos na era da tecnologia, do imediatismo, das fontes inesgotáveis de entretenimento. Contudo, a procura pelo objeto nostálgico e palpável tem vindo a aumentar. É pelo menos essa a perceção dos comerciantes e entusiastas com quem o JPN conversou. Da admiração pelos discos de vinil à estética da fotografia analógica, os consumidores procuram reconectar-se com o passado e recusam a desmaterialização da arte.

As portas abrem pontualmente na Tubitek CDV e há clientes à espera para entrar, à procura da próxima aquisição. Ao cruzarmos a porta automática, somos convidados pelas capas coloridas e pela música ambiente a percorrer o território dos discos de vinil.

A Tubitek nasceu no Porto em 1980 e foi reconhecida, por muitos, como uma das lojas de discos de vinil mais notáveis da cidade. Ainda assim, o espaço fechou em 2000, mas reabriu em 2014, na Praça D. João I, com o nome Tubitek CDV. Atualmente, a marca conta com quatro superfícies comerciais, em Braga, Porto, Leiria e Lisboa.

José Augusto é funcionário da Tubitek CDV, no Porto, desde a sua reabertura, em 2014. Foto: Inês Saldanha/JPN

José Augusto é funcionário da Tubitek CDV, desde a sua reabertura, e confirma que a procura por discos de vinil tem vindo a aumentar ao longo destes últimos anos, na linha do que demonstra o estudo realizado recentemente pela British Phonographic Industry (BPI), que aponta para um crescimento do mercado dos LP de 13,2% no Reino Unido, no decorrer dos primeiros nove meses de 2023.

Ao contrário do que seria expectável, o colaborador acredita que as plataformas streaming podem estar a incentivar as vendas: “Se o streaming existe, até há mais tempo do que esta subida, é sinal que o streaming também ajuda, porque as pessoas estão mais informadas. As pessoas não vêm comprar com dúvidas, vêm comprar com certezas, porque já ouviram e já sabem o que querem”, conta ao JPN.

Relativamente, à faixa etária dos consumidores, José Augusto reconhece que as camadas mais jovens são “uma faixa predominante, mas não exclusiva”: “Normalmente, quem tem muito poder financeiro compra o vinil e faz coleção. Estamos a falar de pessoas com mais idade. Essas mantêm as suas coleções e mantêm as suas opções de compra. Isso estabiliza o negócio do vinil, mas o que faz subir mais, na minha opinião, será sempre a camada jovem que está a descobrir um formato que não conhecia e que agora conhece até equipamentos diversificados para poder usufruir dessa audição e essa camada/geração veio espoletar esse aumento do vinil”, expõe.

Esta afluência de jovens no mercado também se traduz nos géneros e artistas mais vendidos. Embora, o funcionário da Tubitek afirme que existem adolescentes, “entre os 16 e os 18 anos”, à procura de discos das décadas de 70 e 80, também reconhece que “o hip hop veio, de certa forma, aumentar essa escolha e depois existem artistas como Lana Del Rey e Taylor Swift, principalmente essas duas, têm tido uma procura acima da média, por parte dessa camada mais jovem”, considera.

Enquanto amante de vinil, José Augusto acrescenta que embora exista uma “componente de coleção” nos discos de vinil, “o essencial continua a ser o prazer auditivo”. O colaborador da loja de discos nota que, de modo diferente de outros formatos, um disco de vinil exige uma maior concentração: “Temos de estar perto do vinil, temos de o virar. Acaba por exigir uma audição atenta, enquanto nos outros formatos a audição não é tão atenta. Posso estar a fazer algo que não tem nada a ver com aquilo que estou a ouvir. No gira-discos, a mensagem passa muito mais.

Dito de outro modo, ouvir um disco é uma experiência sensorial que cativa os consumidores na procura pelo objeto numa “recusa da desmaterialização da arte”, como afirmam alguns especialistas, mas não só.

Jorge Álvares é um dos sócios fundadores da Grama Pressing. Foto: Inês Saldanha/JPN

Jorge Álvares, um dos sócios fundadores da Grama Pressing, uma fábrica de prensagem de vinil, sediada em Nogueira da Maia, distrito do Porto, reflete sobre este fenómeno: “Um disco é algo analógico e nós estamos numa sociedade digital. Um disco é imperfeito por natureza, mas há uma certa magia nisso.” O entusiasta acredita que ouvir um disco é admirar uma “obra” e que está a ocorrer uma reaprendizagem no consumo de criações artísticas.

Questionado sobre o desenvolvimento da indústria, Jorge Álvares indica que a pandemia teve uma enorme repercussão no mercado: “O crescimento tem sido sustentado desde 2010, também partiu de um ponto muito baixo, o disco era residual, mas em 2020 foi um excelente ano. Embora as pessoas não pudessem sair, elas compravam online. Foi um ano contra-cíclico, as pessoas tinham tempo”, explica.

Não obstante os efeitos positivos resultantes do ano pandémico, o sócio fundador da Grama Pressing recorda que “2022 foi um ano muito duro, para a indústria”: “Os discos demoravam mais tempo a serem efeitos, não era só o fator da procura e da oferta, era o tempo que demoravam a chegar as matérias-primas. Atualmente, o mercado está mais regulado.

O entusiasta de vinil aponta que “um dos fatores mais importantes é o aumento da venda de gira-discos a nível mundial, porque esse é que é o indicador de que há gente a entrar no mercado. A compra do aparelho é que é o verdadeiro sintoma de que as pessoas estão interessadas no vinil”, afirma.

Existem aparelhos que custam o preço de um disco, alguma coisa está errada.

Porém assume existir um aproveitamento por parte da indústria na comercialização dos gira-discos: “Isso é que é explorar um bocado a nostalgia de forma inconsciente. Esses aparelhos não estão adaptados para ouvir bem os discos, são objetos de pura nostalgia. Existem aparelhos que custam o preço de um disco, alguma coisa está errada”, conclui.

A estética do analógico sobrepõe-se à qualidade da tecnologia

Nuno Rodrigues desistiu da sua carreira em engenharia informática para se dedicar à sua paixão pela fotografia. Foto: Inês Saldanha/JPN

No domínio dos objetos vintage, não são apenas os discos de vinil que ganham protagonismo. Na Rua do Heroísmo, no Porto, o JPN visitou o Sítio do Cano Amarelo, uma loja de equipamento fotográfico. A montra composta por máquinas fotográficas de várias cores e feitios revela-nos a diversidade que se encontra no interior.

Quem nos recebe é o proprietário do espaço, Nuno Rodrigues, que afirma ser um entusiasta e revela que, em 2017, desistiu do seu emprego em engenharia informática para se dedicar a tempo inteiro à sua paixão, a fotografia.

Sobre a ocorrência de uma aumento na procura, Nuno Rodrigues afirma que relativamente ao equipamento analógico o acréscimo já perdura há cinco anos e que, atualmente, denota um incremento por equipamento digital de primeira geração: “O digital está a tornar-se vintage. Máquinas fracas, baratas, eu vendo-as numa questão de horas. Digitais pequeninas, com menos megapixéis do que um telemóvel, com uma qualidade sofrível.”

O digital está a tornar-se vintage.

O proprietário esclarece que este aumento se deve à “subida dos custos do filme após a pandemia” e salienta que existe uma inclinação por parte dos consumidores para a estética específica que estes equipamentos proporcionam. A isto junta, na sua leitura, a necessidade de os consumidores terem “um objeto dedicado apenas a fotografar”.

Durante a entrevista, uma cliente entra na loja e mostra-se determinada a adquirir uma máquina. Mais do que o desempenho da máquina, interessa-lhe a aparência. A estética do objeto. Nuno Rodrigues explica-nos que estas compras ocorrem regularmente e que procura “perceber o perfil do utilizador para lhe dar mais aconselhamento” de modo a gerir as expectativas dos consumidores e garantir uma aquisição consciente.

O fundador do Cano Amarelo salienta que a resolução deixou de ser o critério mais importante no momento da compra e que, ao contrário da lógica da substituição de que a tecnologia padece, “a arte é cumulativa”. “Num mundo cada vez mais superficial, está a gerar-se uma contra-tendência”, conclui.

As redes sociais também são apontadas, por Nuno Rodrigues, como uma das grandes influências do mercado: “Aparecem-me muitas vezes clientes a dizerem que querem uma máquina que faça isto e mostram-me as fotos de alguém que estão a seguir. Eu noto isto, quando, por exemplo, marcas que vendíamos três vezes por ano, de repente, numa semana, tenho seis pedidos, por causa de um post. Os influencers têm um pode enorme”, constata.

A incompatibilidade do vintage com a massificação do digital

Esta influência por parte das redes sociais também tem impacto nas lojas de roupa vintage e em segunda mão.

Carolina Mendonça e Lígia Sousa fundaram a Mão Esquerda Vintage em 2014, no Porto. Foto: Inês Saldanha/JPN

Na Rua da Alegria, no Porto, encontramos a Mão Esquerda Vintage, um lugar que nos teletransporta para diversas épocas através de tecidos, materiais, cortes e padrões. Quem nos recebe é Carolina Mendonça, uma das fundadoras e proprietárias da loja.

No que diz respeito ao impacto das plataformas digitais, Carolina Mendonça revela que é bastante visível o domínio que os influencers têm: “Temos clientes que têm algum destaque e, embora não apostemos muito nisso, muitas vezes fazem menção à nossa loja e se, por acaso, vão a um programa de televisão mais conhecido, no dia seguinte ou na hora seguinte estão a pedir-nos as peças que essa pessoa tem.”

A proprietária esclarece que não se revê nesta massificação e argumenta que, de certa forma, esta interferência é incompatível com o conceito de mercado vintage, pois este compreende a existência de peças únicas, da “caça ao tesouro”.

Carolina Mendonça admite que, embora também denote um aumento da procura, o fator mais significativo, para si, é a desconstrução dos “mitos da roupa usada” por parte dos consumidores: “Temos clientes de todas as idades e penso que os mitos da roupa usada estão a esbater-se. Isso [comprar roupa nova] sempre foi cultural. As pessoas estreavam roupa para irem à missa, ao padrinho, para a Páscoa, havia sempre quase uma ritualização das peças”, admite.

Além de uma quebra no preconceito face às lojas de roupa em segunda mão, a fundadora da loja também reconhece que existe um consumo mais consciente por parte das gerações mais novas: “Não só ao nível ambiental e de reutilização de peças, mas também em relação à qualidade, porque percebem que há materiais que já só existem se procurarem um tipo de comércio como este, porque na fast fashion, apesar de todas as campanhas que agora têm de reutilização e procura de novos tecidos, na verdade, a qualidade tem sido muito descurada”.

No que diz respeito ao fator nostálgico, a proprietária acredita que “há uma ideia inicial que nos é incutida de nostalgia” e que isso se relaciona diretamente com as tendências na moda: “No ano passado, a Yves Saint Laurent fez um desfile só com peças em couro e casacos. Muitas pessoas que seguem tendências e que até trabalham em moda vieram procurar os casacos de couro. Isso depois é o jogo da sociedade”, analisa.

O livro: objeto cíclico e eterno

A “Moreira da Costa” é a livraria mais antiga da cidade do Porto, inaugurada em 1902. Foto: Inês Saldanha/JPN

No âmbito livreiro, o JPN visitou a livraria Moreira da Costa que, tendo sido inaugurada em 1902, é o alfarrabista mais antigo da cidade do Porto.

Para os amantes de letras, o espaço representa um paraíso de histórias ansiosas por serem descobertas, não apenas nos livros, mas também na memória de Miguel Carneiro, um dos atuais proprietários da livraria.

Fascinado por obras literárias, Miguel tornou-se, oficialmente, alfarrabista com 18 anos, sendo que aos “seis anos já juntava os livros pelo símbolo do editor”, sem sequer saber ler, e aos 13 “já vinha para cá nas férias grandes limpar os livros que estavam na cave”.

No que diz respeito ao crescimento da procura, o livreiro afirma que “há um aumento da compra por livros em segunda mão, principalmente, na Feira do Livro no Porto e grande parte desse aumento é devido aos jovens”.

O aficionado por literatura reconhece, tal como o proprietário do Cano Amarelo, Nuno Rodrigues, que este acréscimo mantém-se há cinco anos: “Há cerca de cinco anos, as gerações mais novas começaram a procurar ler mais e gostam cada vez mais de ler”, considera.

O alfarrabista diz ainda que este fenómeno se deve à falta de poder de compra pelas camadas mais juvenis, e acrescenta que a pandemia teve um grande impacto no mercado: “As pessoas tiveram muito tempo em casa e acabaram por ter mais tempo para a leitura, que tinham perdido. Para se ler um livro é preciso ter tempo e estar concentrado”, justifica.

Quando questionado sobre os e-books e as consequências provocadas pela entrada dos livros digitais no mercado, Miguel Carneiro assume que “é outra experiência”: “A pessoa quando compra um livro acaba por ter uma história para além daquele livro, onde o comprou, como e porquê. Ler um livro em diferentes alturas da vida transmite-nos ideias completamente distintas. Com outra experiência e maturidade um livro pode acabar por ser mais apelativo, a pessoa acaba por compreender melhor e sentir-se mais dentro da história. Cada um de nós é o realizador do livro. É uma experiência muito pessoal”, argumenta.

O livro é cíclico e o gosto pelo livro vai ser eterno.

O alfarrabista acredita também que a nostalgia impulsiona este mercado, seja pelo facto de as pessoas quererem reler livros de outras fases das suas vidas, seja pelas recomendações das gerações mais velhas.

O proprietário da Moreira da Costa defende que existe um fenómeno geracional “que existiu sempre e vai continuar a acontecer no futuro” e que influencia muito este mercado. Miguel Carneiro acredita que “o livro é cíclico e o gosto pelo livro vai ser eterno”.

Editado por Filipa Silva

Artigo realizado no âmbito da cadeira de TEJ Online – 2.º ano