Apesar de o panorama geral das curtas-metragens portuguesas (do cinema em geral) não se mostrar muito animador, verdade seja dita que também há exceções. “Le Boudin”, de Salomé Lamas, é uma delas. A realizadora arrisca-se a mostrar o obscuro mundo e, aparentemente, distante, que é o da integração na Legião Estrangeira Francesa, através do relato, na primeira pessoa, absolutamente trucidante.

As vozes de Nuno Fialho e Elias GeiBler sucedem-se, alternam, mas complementam-se, contam uma mesma história: a de alguém que é alistado na Legião Estrangeira aos 16 anos, sendo que a alternativa seria um reformatório juvenil.

A preto e branco apenas existe Elias, um jovem alemão, enquanto que quando Nuno fala, tudo é negro. Nunca lhe conhecemos a cara. As histórias de mercenário, dos treinos, das torturas ou da dependência do ópio criada durante os inquéritos levantados pela própria unidade militar são quase como debitadas em transe provocado pelo arrependimento.”Só continua a ser mercenário após sair da Legião quem gosta de fazer aquilo”, solta Nuno. O que é fascinante na realização de Salomé Lamas é que o espectador, desde logo, percebe que aquele não é um caso isolado, que é algo recorrente, que não se cinge a um ponto do globo: é internacional, autoritário e obrigatório.

Não tão perspicaz, Edgar Pêra apresentou “Nostra Fides“, uma versão, musicada ao vivo por Vítor Rua e Chris Cutler, da sua longa-metragem “És A Nossa Fé”, rodada durante a final da Taça entre o Leixões e o Sporting, em 2002. Em live remix, Pêra filmou os espectadores da sessão e misturou essas imagens com as do filme. No dia em que o Brasil perdeu 7-1 para a Alemanha, a ideia foi clara: fazer coincidir o público do cinema e o do futebol.

Ao longo do filme – parte dele em 3D à antiga, via negativo – os espectadores são manipulados por algumas sugestões que vão aparecendo no ecrã: “ponha os óculos”, “tire os óculos”, “façam a onda” (mais uma vez o espelho dos públicos). Aliás, tudo neste filme-concerto é manipulação e espetáculo, ou não começasse com um género de performance em que os músicos jogam matraquilhos em palco, enquanto Pêra filma. A parafernália de tecnologias pós-modernistas usadas pelo realizador é excessiva, despropositada e termina em entretenimento ou distração. A competência e experiência dos músicos acaba por resgatar as imagens, adaptando-se à linguagem das mesmas e criando um sentido de unicidade.

Um Antonioni diferente

Inserida no programa paralelo à exposição “Aventura Antonioni” (Galeria Solar), as curtas-metragens do realizador italiano foram exibidas na íntegra entre os dias 8 e 9. Já na quarta-feira, a segunda sessão dá-nos a conhecer um Michelangelo Antonioni diferente com pequenas filmagens turísticas de algumas regiões e festas italianas, realizadas nos anos 90. Em “Roma”, o realizador filma a Capela Sistina de forma minuciosa, mostrando os frescos em detalhe, criando até narrativas entre as pinturas figurativas.

Apesar de promocional, distingue-se pelos planos alongados, por exemplo o belíssimo travelling no corredor, em que o teto é filmado em plano completamente picado. Nesta e noutras curtas do realizador não existe presença do individual e, quando existe, é perfeitamente prescindível, dado que todas as atenções se focam nas paisagens naturais ou fruto da construção humana, quase que divinizando-as.