Em termos de saídas profissionais como é que está o mercado para os licenciados da FCUP?

As pessoas quando saem das faculdades têm a ideia que saem para uma profissão. Isso é verdade na medicina, na arquitectura… Na nossa situação, embora existam algumas licenciaturas claramente vocacionadas para o exercício de uma profissão, como a Engenharia Geográfica, a Arquitectura Paisagista e a Engenharia Agrária, a maioria não é assim.
Uma outra área onde tivemos uma afirmação muito grande foi na formação de professores para o ensino secundário, sendo uma área que a faculdade sempre apostou, principalmente nas áreas das ditas ciências exactas, a Matemática, a Química e a Física, embora esse mercado tenha sentido, neste momento, alguma retracção. A meu ver, deveria ser agora, já no próximo ano lectivo, que os alunos deveriam procurar essas áreas, para que, quando por volta de 2010 se prevê que comece a haver falta de professores, eles obterem uma colocação fácil no mercado.

A FCUP é uma faculdade de ciências que também forma engenheiros?

Embora tenhamos uma faculdade excelente [na Universidade do Porto] vocacionada para formar engenheiros, há, no entanto, alguns nichos dentro da engenharia que a Faculdade de Engenharia não desenvolveu e que temos vindo a assegurar [Engenharia das Ciências Agrárias, Engenharia de Redes e Sistemas Informáticos e Engenharia Geográfica]. Há áreas da engenharia que actualmente são passíveis de serem desenvolvidas noutros nichos de ensino e é isso que estamos a aproveitar.
Devido àquela percepção do aluno que pensa que no fim do curso há uma habilitação profissional simultânea à habilitação académica, por vezes, torna difícil explicar a vantagem da matemática ou da física. Daí uma certa tentativa da faculdade leccionar cursos onde a habilitação literária e a habilitação profissional possam ser entendidas como simultâneas.

Existe a ideia de que a maioria dos alunos que optam pelos cursos das faculdades de ciências são aqueles que não tiveram notas para entrar nas áreas da Farmácia, da Medicina ou da Engenharia. Considera que as ciências ficam com os piores estudantes?

A nota mínima de entrada no ensino superior é de dez. Na Faculdade de Ciências quase todos os cursos têm como prova específica obrigatória a prova de matemática. Obviamente que isso tem reflexos na média de acesso, que não se podem comparar nem com a medicina nem com farmácia, por exemplo. Estou a falar sempre em termos globais, porque temos coisas curiosíssimas. Por exemplo, no ano passado tivemos muito poucos alunos de Física, mas todos eles tinham notas excelentes, de dezasseis para cima. Portanto, foram mesmo pessoas que quiseram escolher Física.
Portanto, as médias são muito estranhas, por vezes temos alunos excelentes, mas também temos que reconhecer que essencialmente na parte da Biologia e da Química, em que existe de facto essa sobreposição das disciplinas exigidas para o acesso a esses cursos com os de saúde, muitas vezes apanhamos os alunos que preferiam ter ido para saúde mas que não conseguiram. O caso da matemática é aquele em que só vão os alunos que querem mesmo matemática.

Qual é, então, a grande dificuldade das ciências para atrair alunos?

O grande problema da faculdade é a afirmação de que a licenciatura nestas áreas fundamentais abre uma série de saídas profissionais muito alargada. Aqui dá-se o treino mental para resolver problemas. Não há o mesmo reconhecimento tradicional que uma licenciatura em engenharia ou medicina tem. O grande problema passa, então, pela afirmação. Mas este não é um problema exclusivamente português, é a nível mundial.

Existem cursos que têm um número reduzido de alunos. Qual é a vantagem para a FCUP em manter esses cursos?

Essa questão coloca um dilema interessante, que é saber se se continua a apostar nestas ciências básicas, como a matemática e a física. Para se ter um departamento de física é preciso dispor de um conjunto de pessoas que a pratiquem de forma razoável, independentemente de se ter muito ou poucos alunos. É um problema complexo que transcende muito a dimensão da faculdade, ou seja, saber até que ponto a universidade está disposta a manter estas áreas fundamentais do saber e o que é que está disposta a contribuir para suportá-las.
O número de alunos pode não justificar um departamento, já que isso está muito relacionado com a forma como o ensino superior é financiado, exclusivamente pelo número de alunos. Isso significa que tem que haver uma opção clara da universidade ou do governo. É um custo, mas é um custo estratégico e essas opções têm que ser tomadas, com uma certa racionalização. Por exemplo, não precisamos de 14 departamentos de geologia no país, somos um país pequeno. Mas reafirmo que é importante a aposta na manutenção dessas áreas fundamentais, possivelmente num molde que tem que ser diferente do actual.

Como está a ser feita a preparação para Bolonha?

Os nossos cursos já são de quatro anos, com excepção das engenharias que são ainda de cinco. Portanto, a mudança para três anos não apresenta grandes dificuldades. Já temos desenvolvido algum trabalho sobre Bolonha. O problema principal passa pelo reconhecimento do exterior do que propriamente da formação. Sabemos que um matemático precisa de cinco anos de formação, mas obviamente que admitimos perfeitamente que uma pessoa com estudos de três anos tenha os fundamentos básicos de matemática, não para ser um matemático, mas para ser capaz de arranjar uma colocação na vida activa. Os dois anos finais são cadeiras de especialização. No fundo, em três anos vamos ministrar a formação básica em matemática. No modelo actual de quatro anos, o último ano já é um ano de especialização. Em termos de organização das licenciaturas, de uma forma genérica, não haverá grandes problemas. Agora a questão do financiamento ou não do segundo ciclo pode ter reflexos gravíssimos em termos da população estudantil global da faculdade.

Milene Câmara