Na noite de domingo a Casa da Música foi transformada num poço de escuridão, a partir do momento em que a cantora norte-americana Diamanda Galás pisou o palco da sala principal do edifício portuense.

A performance que Diamanda Galás apresentou na Casa da Música, de nome “La Serpenta Canta”, recupera clássicos do “blues” e do “jazz”, levados a um extremo de tristeza, onde a agressividade controlada da voz de Diamanda revoluciona completamente músicas que se tornaram essenciais dentro da história destes dois géneros.

Sozinha ao piano, perante uma sala completamente cheia, a diva maldita abriu o concerto com “My world is empty without you”, um original das The Supremes que faria Diana Ross tremer se o ouvisse cantado desta maneira.

Diamanda possui uma voz impressionante, que usa de um modo muito fora do comum, surpreendendo o público. Doutras vezes, a surpresa era motivada pelos gritos arrepiantes que a cantora lançava a meio de canções calmas.

Um dos pontos altos do concerto foi, não uma música de cantores de “blues”, mas uma canção da própria Diamanda Galás, “Baby’s insane” (gravada em álbum pela primeira vez em 1994 em “This Sporting Life, o álbum que Diamanda gravou com John Paul Jones, dos Led Zeppelin). Foi a única vez em que o piano assumiu uma pose de salão de velho oeste, chegando mesmo a ser alegre, contrastando com a letra (“Baby’s insane/ Baby’s on a trip to the morgue again/ Hide all the knives/ ‘Cause baby’s insane”).

A versão de “I put a spell on you”, um original de Screamin’ Jay Hawkins, que Diamanda tinha gravado de maneira muito diferente em 1992 no álbum “The Singer” também gerou ânimo na sala. A meio da música, a cantora lança uma gargalhada ao melhor nível de qualquer bruxa de cinema.

Mas o ponto mais alto do concerto chegou já no fim, no último dos três “encores”: “See that my grave is kept clean”, uma música tradicional de “blues”, de Blind Lemon Jefferson.

Um dos versos da canção tornou-se naquela que é a frase-chave do concerto de domingo: “Have you ever heard that coffin sound?” (“Alguma vez ouviram o som do caixão?”). Depois deste verso, Diamanda abre os braços e, de seguida, bate com as mãos no tampo do piano, seguindo-se: “Did you know that the poor boy neath the ground” (“Sabiam que está um pobre rapaz debaixo do chão”). Quase se podia sentir uma pessoa enterrada viva.

Tiago Dias
Fotos: DR