Eles riram-se e eles debateram. O encontro entre o candidato apoiado pelo PSD e pelo CDS-PP às eleições presidenciais, Cavaco Silva, e o candidato do PCP, Jerónimo de Sousa, foi bastante mais animado do que seria de esperar dada a seriedade habitual dos dois políticos.

Por entre pequenos comentários e frases populares, os dois candidatos à Presidência da República debateram questões práticas e actuais como a introdução de portagens nas auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT), o aumento do investimento nas forças policiais, a legalização da prostituição ou as privatizações previstas para 2006.

O começo do quinto debate presidencial foi feito como todos os outros, com os candidatos a apontarem aquelas que pensam ser as principais problemáticas do país e da economia.

Enquanto Cavaco Silva apontava o crescimento económico como a maior necessidade para Portugal, não especificando se esse crescimento poderia vir a ser feito às custas dos direitos fundamentais dos trabalhadores, Jerónimo de Sousa atacava: “O que é que tem a ver a situação da economia com o ataque à contratação colectiva?”.

O candidato apoiado pelos sociais-democratas afirmou, por seu lado, que “quando uma economia não cresce pelo menos 2% ao ano cresce o desemprego”.

Ao referirem-se as questões laborais, particularmente em termos de flexibilização dos despedimentos, Cavaco Silva explicou que o problema “não está nas dificuldades em despedir”, mas sim na necessidade de uma concertação social. Jerónimo de Sousa voltou a atacar ao dizer que “quando se fala de flexibilização, normalmente quer-se dizer desregulamentação”.

“O que é que resta para privatizar?”

Passando dos trabalhadores para as empresas, o tema focado foram as privatizações contra as quais o candidato Manuel Alegre e o bloquista Francisco Louçã na noite anterior se tinham manifestado.

Cavaco Silva assumiu uma pose mais cuidadosa face às privatizações das empresas da electricidade e das águas, já que “existem muitas menos empresas para privatizar” do que em 1986 e aconselhou o Governo a avançar “mais calmamente”.

Na resposta, o candidato comunista considerou ser necessário saber se as empresas a privatizar “são sectores fundamentais para a nossa economia”. E deu os exemplos da Brisa, Cimpor e Portucel como sendo empresas públicas muito lucrativas. Jerónimo de Sousa concluiu com uma pergunta: “O que é que resta para privatizar?”

“Olhe que não, olhe que não”

Novamente abordados quanto às questões do TGV e da Ota, por hoje ter sido apresentado o projecto de construção do comboio de alta velocidade, ambos os candidatos se mostraram favoráveis à necessidade de Portugal não ficar para trás em termos de “grandes infra-estruturas”.

Cavaco afirmou que espera que o investimento no TGV “dê espaço a investimento no conhecimento” para que seja melhor rentabilizado, não deixando que o Governo se fique pelo “choque tecnológico”, em termos de inovação.

Logo de seguida, contrariando as opiniões do candidato apoiado pelo PSD e pelo PP, Jerónimo de Sousa citou um filósofo: “Nestas coisas a Natureza atribuiu ao ser humano um dom único, que é através do discurso esconder o pensamento”.

Cavaco sentiu-se no dever de responder, alegando que o seu adversário o teria acusado de dizer umas coisas e fazer outras. O antigo primeiro-ministro afirmou “olhe que não, olhe que não”, lembrando Álvaro Cunhal no debate histórico contra Mário Soares, o que provocou em Jerónimo de Sousa uma gargalhada.

Os dois candidatos entraram novamente em divergência no que toca aos direitos profissionais das forças policiais, depois de questionados em relação às recentes discussões sobre a falta de investimento na polícia.

Jerónimo acusou Cavaco de ter sido o responsável pela perda de direitos profissionais dos polícias no seu primeiro mandato enquanto primeiro-ministro e lembrou “uma nódoa” que foi a manifestação dos agentes policiais no Terreiro do Paço em que houve confrontos entre polícias que se manifestavam e polícias que iam impedir a manifestação.

“O senhor Jerónimo de Sousa não resistiu agora a ir buscar ao baú de velharias a palavra nódoa”, respondeu Cavaco. O candidato comunista prontamente interrompeu o antigo primeiro-ministro para dizer: “isso diz o pintor!”.

O debate terminou com um dos poucos assuntos em que ambos os candidatos convergiram, a legalização da prostituição. Quer Cavaco Silva quer Jerónimo de Sousa se mostraram contra a legalização da profissão, o primeiro por não “aceitar que a prostituição possa ser encarada como uma profissão normal”, o segundo por considerar que abre portas à violência sobre as mulheres que a praticam.

Tiago Dias