Filósofo político, Alexander Wendt, explica a sua teoria de que um Estado mundial é inevitável e esclarece como será atingida essa meta.

No processo de construção de um Estado mundial que tipo de papel desempenhariam as Nações Unidas (ONU)?

A ONU seria o ponto central deste processo, o que levaria a um fortalecer da organização e mais tarde levaria a que a própria ONU se transformasse num Estado mundial. Mas não acredito que a ONU, pelo menos num futuro próximo, possa desempenhar um papel muito activo. Penso que cabe aos Estados individuais tomar decisões neste sentido.

A União Europeia é hoje muito criticada por estar distante dos cidadãos. Num cenário ainda mais abrangente de um Estado mundial, como é que podia ser feita essa ligação entre Estado e cidadão?

Essa é uma questão importante e uma das maiores objecções a um Estado mundial é a de que essa distância seria ainda maior do que no contexto europeu. Penso que esse seria o preço a pagar, mas parece-me que mesmo no contexto interno já existe alguma distância, por isso penso que é apenas uma questão de níveis. Os meios de comunicação terão um papel fundamental aqui, abordando os vários níveis de responsabilidade dentro da ONU, procurando reduzir o défice democrático dentro da organização, tal como na União Europeia.

As formas mais extremas de liberalismo recusam qualquer intervenção por parte do Estado no comércio. Faria sentido uma organização como a OMC ou o Banco Mundial num Estado mundial?

Isso está ligado a uma questão maior, que é a de saber se um Estado mundial seria ou não um Estado capitalista. A minha perspectiva é que provavelmente seria. Não teria de ser a forma liberal extrema, o modelo anglo-saxónico. Poderia ser um modelo mais continental.

Com uma maior componente social?

Sim, especialmente se estamos a juntar países como a China e países do Terceiro Mundo onde esta ideologia não é tão permeável e as considerações sociais são mais importantes. Mas eu não vejo uma alternativa ao capitalismo como modo de organizar a produção, por isso teria de ser um tipo de Estado capitalista.

E acha que seria uma mudança pacífica mesmo em países que hoje não são capitalistas?

Penso que por todo o mundo estamos a ver um aprofundamento das relações capitalistas de produção, por isso a mudança seria pacífica.

Com a guerra no Iraque, por exemplo, os movimentos anti-globalização tornaram-se mais visíveis. Na sua opinião esses movimentos seriam neutralizados?

Penso que esses movimentos vão aumentar em resposta à integração que eu descrevi. Mas ao mesmo tempo não é clara a alternativa. Preservar a soberania nacional? Isso não parece muito boa ideia. Não sei qual seria uma alternativa ao capitalismo. Talvez um “capitalismo verde”, eco-amigável.

No seu artigo diz que um Estado hegeliano (onde existe um reconhecimento mútuo da igualdade de todos os indivíduos) levaria à criação de um Estado weberiano (onde uma autoridade superior, o Estado, garante a segurança dos indivíduos através do monopólio do uso da força). Podia explicar como é que isto aconteceria?

Penso que um Estado weberiano bem sucedido é o que nós temos, a nível interno. A lógica do meu argumento é a de que a procura pela igualdade também vai precisar de uma garantia na qual toda a gente confie, e isso iria significar algum tipo de centralização, ou seja, um Estado weberiano.

Então porque é que o reconhecimento de igualdade, que seria pré-existente (num Estado hegeliano), necessitaria de uma autoridade para aprofundar esse reconhecimento?

Ah, estou a ver… De certa maneira, essa é a questão anarquista [risos]. Penso que o anarquismo é muito interessante e li muito sobre a filosofia anarquista enquanto estudava, mas já foi há muito tempo. Penso que há aí uma questão importante. Acredito que, de um ponto de vista realista, as pessoas nunca chegarão a um acordo sobre o reconhecimento mútuo de direitos a não ser que haja uma garantia como pano de fundo.

Sendo essa garantia o Estado?

Sim.

Poderia um império transformar-se num Estado mundial?

Poderia. Precisaria de reformas internas, democratização e equalização de reconhecimentos. Se Roma tivesse conquistado o mundo seria fácil de imaginar um Estado mundial.

Para terminar coloco-lhe uma questão que está no seu próprio artigo. Pode um Estado mundial ser despótico?

Num sentido técnico um Estado despótico não pode ser um Estado, não é legítimo. Mas, certamente que se Hitler tivesse conquistado o mundo teria sido criada uma estrutura despótica, mas não seria estável a longo prazo.

Tiago Dias