Não se pode dizer que tenha sido um concerto surpreendente, mas foi sem dúvida uma actuação competente (e com um alinhamento bem estudado) aquela que os Depeche Mode deram ontem, quarta-feira, à noite, no Pavilhão Atlântico, em Lisboa.

A banda dispõe de um “palmarés” de grandes êxitos só comparável ao de uns U2 ou R.E.M., apesar do seu caminho estético ter sido algo sinuoso: começaram, em 1980, integrados na vaga dos “Novos Românticos” (como os Spandau Ballet e Duran Duran), foram trilhando o caminho da pop de sintetizadores, e a partir de meados de 80 foram tornando-se progessivamente mais rock, com o ponto alto dessa postura a chegar com “Songs of Faith and Devotion”, em 93.

Grande parte dos temas interpretados foram precisamente os “hits” do período 1986-93, mas o recente (e muito estimável) “Playing the Angel” (em que a banda se mostra estabilizada numa abordagem entre a electrónica e o pop-rock) não foi esquecido.

“A Pain That I’m Used To” e “John The Revelator”, do mais recente disco, abriram a prestação, num palco com cenário futurista, em cinzento metalizado, com uma bola gigante com luzes embutidas e semi-círculos a servir de suporte aos teclados, como nos comandos de uma nave espacial de ficção científica. Por trás da banda, seis telas dispostas de forma fragmentada mostravam animações e imagens do concerto em tempo real.

Se ao princípio Dave Gahan ensaiou uma teatralidade à Nick Cave, com “A Question Of Time” deixou cair o casaco, fazendo voltar um pouco do espírito de líder puramente rock’n’roll que encarnava em meados de 90 (então com elevado consumo de drogas): o vocalista esteve sempre em movimento, numa constante luta com o tripé do microfone. Em palco, a banda vive quase por completo da sua performance, já que é o único elemento livre para agitar as massas: Fletcher não larga o sintetizador e os dois músicos de suporte – bateria e teclados – não estão lá para assumir protagonismo. Apenas Gore dá uma ajuda, quando troca as teclas pela guitarra.

Depois de “Policy Of Truth”, “Precious” (primeiro “single” de “Playing the Angel”) e “Walking In My Shoes”, “Damaged People” e “Home” trouxeram Martin Gore para o papel de vocalista, num momento mais intimista.

As versões apresentadas foram muito fiéis aos originais, apesar de “I Feel You”, numa versão demasiado alongada e com o som da guitarra muito baixo, ter perdido muita da sua força. A partir daí, iniciou-se uma sequência de enorme crescendo emotivo (Gahan ficou em tronco nu), que culminou com os refrões de “Personal Jesus” e “Enjoy The Silence” a serem entoados em coro. O público do Atlântico, com lotação esgotada, estava mais do que rendido.

O primeiro “encore” foi um longo recuo até ao princípio dos anos 80, com o puro pop de sintetizadores de “Just Can’t Get Enough” e “Everything Counts” a ser recebido com estrondo: os adeptos do rock parecem ter definitivamente feito as pazes com aquela que por vezes é referida como “a década que o gosto preferiria esquecer”.

“Goodnight Lovers” (terna canção de embalar e único tema apresentado de “Exciter”, de 2001) juntou Gahan e Gore em dueto, no braço do palco, em jeito de despedida sentida. No final, a alma e o cérebro dos Depeche Mode deram um longo abraço: longe parece estar a ameaça do vocalista de deixar a banda, em 2003, por não haver espaço para as suas composições. Segue-se agora o desafio de uma digressão de estádios, este Verão, que passa por Alvalade a 28 de Julho.

João Pedro Barros
Fotos: Vanda Ribeiro