“Este é um exercício muito difícil, sintetizar vários dias e anos aqui”, confessa Alberto Martins, deputado do Partido Socialista (PS), no momento em que lhe é dada a palavra para recordar a sua participação enquanto presidente da associação académica de Coimbra na crise estudantil de 1969. Na verdade, a sua presença na reitoria da Universidade do Porto, no serão de 23 de março, esteve relacionada com a celebração do 50.º aniversário da crise de 1962, mas a tertúlia ‘Ser estudante ontem, hoje e amanhã’, moderada por Luís Rebelo, presidente da Federação Académica do Porto (FAP) e com a presença do reitor da UP, José Marques dos Santos, desde logo abriu espaço para a participação de qualquer geração universitária.
A seu lado esteve Eurico Figueiredo, professor catedrático da Universidade do Porto e verdadeiro representante dos estudantes que, em 1962, se insurgiram contra a ditadura de Salazar e se tornaram um prenúncio do que iria acontecer em maio de 1968 e em 1969 .
Em alturas diferentes da mesma década, Alberto Martins e Eurico Figueiredo fizeram parte de gerações estudantis inconformadas mas, para ambos, é muito fácil perceber que havia as razões certas para se protestar. “Salazar não era Mussolini mas era à portuguesa”, diz o professor jubilado do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS).
“62, 69 e 74 são talvez os anos mais importantes da juventude portuguesa”
Para o professor, na época presidente da associação de estudantes da Faculdade de Medicina em Lisboa, nada fazia adivinhar o que ia acontecer a 24 de março de 1962. Em tom de brincadeira, conta como no dia em que completava 23 anos foi acordado pelas pedrinhas que a esposa – namorada na altura – lhe atirava à janela “Ela acordou-me assim e disse-me que a cidade universitária estava ocupada. Que romântico não é?!”, recorda.
O tom foi sempre este e, ao longo de mais de três horas, o professor explicou como em 62 se organizaram para “combater” Marcelo Caetano ou como, em 65, depois de voltar de Coimbra onde foi acabar os estudos, conseguiu escapar à PIDE. “Eles andavam no meu encalço mas eu safei-me! Levaram outro no meu lugar porque foram a um sítio onde pensavam que estava mas era um amigo meu!”, conta. Ainda assim, o professor foi obrigado a exilar-se na Suíça, onde viveu durante 12 anos.
Para o deputado Alberto Martins, a crise que protagonizou em 1969 só aconteceu “porque existiu 62 e 68”. No entanto, o momento em que, como presidente da associação de estudantes da Universidade de Coimbra, pediu a palavra ao presidente da República, Américo Tomás, quando não estava autorizado para o fazer, é o início de outra revolta que durou mais de 100 dias.
“Só sabia que tinha de ir de capa e batina para saberem que era estudante mas, naquela noite, não dormi nada porque era uma questão de honra. Eu tinha de pedir a palavra. Eu era a Academia, a voz da Academia”, diz o deputado. Nesse momento, a palestra com o presidente da República seria imediatamente cancelada, mas Alberto Martins explica que toda essa situação daria o mote para que, “quando a bela equipa da Académica foi à final com o Benfica no Jamor, nós fizéssemos o maior comício antes do 25 de Abril”.
Além dos convidados, as esposas dos mesmos, Berta Fernandes e Maria Correia, também foram convidadas a partilhar as suas experiências na altura.
“Não é comparável o país em que vocês vivem com aquele em que nós vivemos”
Numa semana marcada por mais uma contestação social, foi inevitável a comparação entre os tempos de 60 e os atuais. No entanto, Eurico Figueiredo começa por dizer que é impossível fazer comparações. “A herança que vos deixámos não é uma grande herança, porque os problemas do futuro são mais complexos. Daí querermos ouvir os jovens, que são os protagonistas agora”, confessa Alberto Martins.
Os desafios da nova geração são apontados pelos dois convidados e o professor expressa a sua vontade de voltar a entrar na luta. Ainda assim, ao terminar a tertúlia, mostra-se surpreendido com a presença de tantos estudantes na sala, o que só pode ser sinal de que, afinal, os estudantes de agora ainda estão ativos.
No fim, já a 24 de março, não poderiam faltar os parabéns a Eurico Figueiredo e, ao mesmo tempo, às gerações de 60. No entanto, o reitor da UP ainda fez saber que, tal como Eurico Figueiredo e Alberto Martins, que faz anos a 25 de abril, também ele festeja o seu aniversário numa data simbólica, 31 de janeiro. Neste momento surgiu, por parte da audiência alguém que gritou: “São homens da liberdade!”.