O grupo Anonymous não se apresenta como católico e muito menos tem tentado depor o monarca britânico. Esta associação, à primeira vista sem sentido, prende-se com o adereço comum a todos os manifestantes: as suas máscaras de sorriso enigmático. Esta máscara é utilizada pelo personagem revolucionário “V”, do filme “V for Vendetta”, e foi inspirada numa figura polémica da história inglesa, Guy Fawkes.

“Guy Fawkes é o católico extremista que tentou fazer explodir ambas as Câmaras do Parlamento inglês no dia 5 de novembro de 1605”, explica Fátima Vieira, docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Numa época de guerras religiosas entre católicos e protestantes, Guy Fawkes, adepto dos primeiros, tentou “converter” o trono inglês. Fátima Vieira afirma, perentoriamente, que “se tivesse sido bem sucedido”, Fawkes iria “mudar o curso da história britânica”, colocando a católica Isabel, filha de Jaime I, no trono inglês.

Contudo, o conspirador não foi bem sucedido. Reza a lenda que o católico foi encontrado “sentado em cima dos barris de pólvora que se propunha fazer explodir”, recorda Fátima Vieira. Fawkes teve depois um castigo à medida da época em que vivia: foi torturado e teve o seu corpo esquartejado, para “dar o exemplo do que acontece a quem atenta contra a vida do rei”.

A associação entre o grupo Anonymous e Guy Fawkes, apesar das respetivas diferenças ideológicas, é clara. O grupo também pretende, como Guy Fawkes pretendia, mudar o rumo da sociedade em que vive. Na opinião de Fátima Vieira, “a máscara da personagem ‘V’ usada nestes contextos evoca o direito à revolta” e, no caso dos Anonymous, o direito à destruição, através do lançamento de vírus informáticos. A docente da FLUP lamenta que um homem “que atentou contra a vida de inocentes seja hoje visto como um herói e um modelo a seguir”.

Não é só agora que Fawkes é tratado como um celebridade. O seu plano falhado é,
anualmente, recordado em Inglaterra, sendo que no dia 5 de novembro, chamado de Bonfire Day, são acesas grandes fogueiras por todo o país, onde é queimado um boneco de madeira representando o conspirador. Em Londres, um corpo de guardas revista, simbolicamente, os subterrâneos do Parlamento Inglês para se assegurar que “nenhum novo Guy Fawkes lá está para o fazer explodir”.