Nos últimos dias tem sido posta em causa a questão da Comunicação Social e Democracia. Qual é a sua opinião acerca do assunto?

Eu acho mesmo que a democracia está em perigo, porque não há democracia livre, ou totalmente livre. O que se está a passar com o grupo Controlinveste – ser vendido a um grupo angolano – vai pôr muitos postos de trabalho em perigo. Temo por ser um grupo grande com muitos jornais. Depois, o grupo Belmiro de Azevedo sempre teve aquele jornal a dar prejuízo, sempre! Portanto não me parece que a situação do Público hoje seja muito diferente daquela que era há três ou quatro anos. Despedir agora jornalistas e, provavelmente, admitir estagiários que são muito mais facilmente manipulados…”se não fazes a porta é ali, a gente dá três assobios e aparecem 500 a querer um lugarzinho”. É que é mesmo assim! E temendo pela liberdade de imprensa, forçosamente se teme pela democracia.

Na passada sexta-feira, no debate sobre o futuro da Comunicação Social em Portugal, o jornalista Pedro Cruz disse que o jornalismo passou de uma missão para uma profissão e, atualmente, é uma empresa. Concorda?

O Pedro Cruz foi meu estagiário e concordo em absoluto! O jornalismo era – eu que não sou católico, não tenho religião – um sacerdócio. Quando comecei a trabalhar tive um ano e meio a trabalhar sem folgas. O Pedro Cruz tem toda a razão. Depois passou a ser profissão, e hoje…

É controlado?

É. É controlado.

Tendo em conta esta linha de pensamento, saiu o manifesto do jornalismo, onde diz que “o jornalismo não é apenas mais um serviço entre os muitos que o mercado nos oferece”. De que maneira é que o jornalismo se pode evidenciar?

Não fazer aquilo que se faz. Que, de uma maneira geral, é um jornalismo de agenda. “O senhor ministro vai ali?” Vai pessoal atrás. Eu sou todo a favor da gente nova. Fui, durante 17 anos, editor, e sempre tive o melhor relacionamento com gente nova. Pedro Cruz é um exemplo, Miguel Carvalho, da Visão, é outro. Hoje temos muitos jornalistas que não são jornalistas, são pés de gravador, não é bem a mesma coisa. Não tenho nada contra a gente jovem, porque têm valor, mas falta-nos memória nos jornais. Correram com gente com mais de 40/50 anos. Eu acho que devíamos fazer o jornalismo de que eu gosto, o de proximidade. É dar voz àqueles que não têm voz.

“Hoje temos muitos jornalistas que não são jornalistas, são pés de gravador”

Com os cortes nas redações do Público, por exemplo, o jornalismo de investigação tem sido cada vez mais abalado?

Claro, porque repare: se eu tiver uma informação para dar a um jornalista, não vou dar um estagiário porque não o conheço. É o que eu lhe dizia há bocado. Quando se começava a ganhar respeito, o jornalista assinava. Hoje, qualquer estagiário assina. É preciso que sejam credíveis. Jornalismo de investigação é um bocado treta, sinceramente. Se alguém sabe alguma coisa importante e conhece um jornalista e confia nele, dá-lhe informações.

Outro dos pontos que passa pela crise é o facto dos jornalistas não serem um grupo de opinião: não têm uma consciência coletiva e, por isso, não têm voz. Concorda?

Em absoluto, em absoluto. E isto porque os donos das empresas souberam fomentar a divisão. Os jornalistas deixaram-se ir. Eu estive em sítios, como, por exemplo, n’O Jogo, onde havia greve com apenas uma jornalista a fazer greve. Uma, numa redação enorme! Nos anos 70 e 80, nós parávamos os jornais! Havia, de facto, um sentido de união enorme. Não havia direita nem esquerda: havia jornalistas. Quando se tratavam dos nossos direitos. Hoje isso não é possível, porque a gente nova quer agarrar o lugar à força toda e, portanto, sujeita-se a tudo. Estamos cada vez mais enfraquecidos como classe. Hoje não há união.

Acha que há bom jornalismo em Portugal?

Há bom e há mau. Sempre houve bons e maus jornalistas. Eu conheci excelentes jornalistas que escreviam pessimamente! E conheci gente que escrevia espetacularmente bem e eram péssimos jornalistas. Mas hoje as pessoas tendem a fazer uma coisa que é terrível e que é tão mau como a censura: a autocensura. A pessoa censura-se a si própria! Porque tem medo de dizer. O que eles vão dizer, que consequências têm, quem tem influência. A qualidade do jornalista é relativa.

Considera o ciberjornalismo uma ameaça?

Desde que as pessoas se habituaram a ir à net ver notícias, que apareceram os blogues… O jornalismo, como nós o concebemos, com que eu nasci e cresci, começa a estar ultrapassado.

Então acha que o jornalismo impresso vai acabar?

Em muitos casos, vai mesmo. No nosso país, vai ser muito mau. Há muita gente que não vai procurar as notícias à net, não tem computador. Assim ficam sem nada, porque o jornalismo televisivo manipula muito. Eu vejo quase todas as noites o jornal do [Mário] Crespo e, por 50 fulanos de direita que lá leva, leva um que é quase da esquerda. Não é um da esquerda, é um quase da esquerda! Portanto nós não estamos a dar às pessoas uma informação correta.

É correto intitular o jornalista do séc. XXI como polivalente?

Sim, e com isso corre-se o risco de haver cada vez menos postos de trabalhos. Mas se eu tiver um jornalista que edita, que faz o vídeo, que corta, que recebe os press-releases, eu penso: este fulano está a trabalhar em quê? Em que jornalismo? As coisas devem ser separadas.

O que aconselha aos estudantes de jornalismo? De que forma é que os jovens podem potencializar e dinamizar os meios de comunicação?

Acho que podem muito pouco, porque já entram tolhidos. Já sabem que, como dizem na terra do meu pai, “se fizerem fora do penico”, estão tramados. E por isso, não fazem. Não me parece que um jovem jornalista que entre num jornal e que esteja constantemente à espera que o chefe diga “faz isto, faz aquilo” venha dinamizar seja o que for. Os jovens têm muito pouca participação na feitura de um jornal, hoje em dia. Se me pergunta o que aconselho aos jovens é que, se gostam mesmo do jornalismo, tentem, mas as possibilidades de singrar são muito poucas.