O JornalismoPortoNet (JPN) fez 20 anos e celebrou com uma conferência: “Jovens Jornalista: Das expectativas à realidade”. Na manhã de sexta-feira falou-se da falta de tempo para fazer jornalismo, pouca valorização e crise da profissão. Ainda assim, otimistas, os jovens jornalistas consideram que há motivos para apostar na profissão.

A conferência “Jovens Jornalistas: Das expectativas à realidade” assinalou o vigésimo aniversário do JPN, esta sexta-feira (22). O jornal juntou vários jovens profissionais que passaram pelo JPN: Fernando Costa, do “Público”; João Couraceiro, da Antena 1; Leonor Hemsworth, da CNN Portugal e Sara Gerivaz, do “Jornal de Notícias”. Apesar de ter sido anunciada também a participação de Catarina Reis, da Mensagem de Lisboa, a jornalista não conseguiu estar presente. A moderação da conversa ficou a cargo de Francisco Sena Santos, da Antena 1. 

Francisco Sena Santos foi o primeiro a dirigir a palavra à plateia, cheia de jovens estudantes de jornalismo, deixando uma mensagem de otimismo que viria a marcar a conferência: “Sou otimista, é uma postura na minha vida, sou muito otimista em relação ao vosso futuro”, afirmou. Baseando-se na sua experiência, falou ainda da “competência e dedicação” como fatores-chave para o jornalismo: “Para se ser escolhido é preciso ser competente, dominar as técnicas e ser dedicado em campo. Uma coisa sem a outra não funciona. Ser competente e não ser dedicado, não resulta”, sublinhou. 

(da esquerda para a direita) Paulo Frias, Francisco Sena Santos, Leonor Hemsworth, João Couraceiro, Sara Gerivaz e Fernando Costa. Foto: Lara Castro/JPN Lara Castro/JPN

A falta de tempo nas redações

 “A vida das redações é gerir o momento”, afirmou Francisco Sena Santos. Porém, chegámos a um ponto em que é preciso debater a questão do tempo para fazer jornalismo. E a opinião dos jovens jornalistas foi consensual: há falta de tempo para pensar, investigar e, até, para realizar. 

“Há falta de tempo para pensar naquilo que queremos fazer e como queremos fazer”, disse João Couraceiro, jornalista da Antena 1. Para explicar o seu ponto, o jornalista falou da realidade da rádio – que é a que melhor conhece: “O trabalho é sempre um trabalho muito exigente. É martelar no teclado. É dizer que já tens o lançamento, que já vai cair na pasta, já quase a chegar, já está a ser exportado.” Neste sentido, considera: “não temos noção imediata do lugar que a notícia vai ocupar na história.”

“Quando pensamos em expectativas, às vezes, pensamos sempre em grandes histórias, podemos pensar em grandes destaques, manchetes, em furos jornalísticos, talvez com uma música apressada, um tipo de letra muito urgente, emergente, vermelho, ‘última hora’ ou ‘exclusivo’… Na realidade, as grandes notícias acabam por ser, se calhar, menos interessantes do que as expectativas”, observou.

Os jornalistas querem ser os primeiros a dar a notícia. Ou porque a notificação já está no telemóvel, ou alguém já está em direto. Mesmo em tempos de imediatismo, Leonor Hemsworth, jornalista de televisão, considera que é preciso calma e, sobretudo, proteção. Como “é tudo para agora, é tudo para ontem”, os jornalistas correm riscos, muitas vezes, por não terem tempo de confirmarem todas as informações antes de entrarem, por exemplo, em direto: “A linha é muito ténue entre o que é que devemos fazer e o que é que não devemos fazer, e temos que nos proteger, às vezes, porque no fundo somos nós que damos a cara”, afirma Leonor. 

O sentimento geral destes jornalistas é que a melhor notícia não é dada em primeiro lugar, contrariando o discurso, muito presente no universo dos media, do “imediatismo”.

Durante a conferência, foi ainda possível falar sobre a humanidade que, na opinião dos jornalistas, é essencial para se ser um bom jornalista. “Não nos podemos esquecer que antes de jornalistas, somos pessoas e lidamos com outras pessoas. Nenhuma notícia pode valer mais do que a pessoa que está à nossa frente”, recordou o jornalista Fernando Costa. 

O JPN dedicou o 20.º aniversário também a falar sobre o rumo do jornalismo. Assumidos “otimistas”, os participantes na conversa têm visões semelhantes e acreditam que é preciso continuar a luta. “Mostrar que o jornalismo é essencial para um país democrático”, reforçou Sara Gerivaz, jornalista do “JN”. Aponta que o caminho de consciencialização que a crise do grupo Global Media começou, deve continuar para se perceber os problema que existem no jornalismo e como podem ser combatidos e relembrou, a propósito, a greve geral dos jornalistas do dia 14 de março. 

Aliás, para João Couraceiro, o facto de a Antena 1, durante a greve geral, não ter emitido um único noticiário, foi “revelador da urgência” de afirmar o jornalismo. “Não é tudo fantástico, mas mesmo nos momentos de algum desânimo, há pequenas frinchas que depois se revelam uma janela completamente escancarada e que dão um novo impulso, uma nova vontade de fazer”, acrescentou.

A questão salarial é um problema, o cansaço e a perceção de haver pouca valorização por parte da “opinião pública” do trabalho do jornalista foram outros problemas apontados. E Fernando Costa, jornalista do “Público”, foi mais longe e referiu a “resistência à verdade” por parte de alguns leitores, que as redações têm sentido, e que considera ser uma consequência de vivermos na era da “pós-verdade” e de haver liberdade para cada um escolher a sua própria verdade. “Às vezes, vai ser frustrante fazerem coisas e mostrarem a verdade às pessoas e as pessoas não acreditarem”, exemplificou aos jovens estudantes.

E qual é o horizonte do jornalismo, perguntou o moderador. “Não sei para onde é que ele vai, sei onde está. Se não formos otimistas, também não somos jornalistas”, respondeu Fernando Costa. Além disso, para o moderador, Francisco Sena Santos, há uma coisa que é certa: “Há um deus que protege os repórteres dedicados”, recordando as palavras do jornalista do 25 de Abril, Adelino Gomes, para terminar a conversa. 

JPN como “base” e “escola”

No início do painel, que durou pouco mais de uma hora e meia, num clima intimista, foram recordados os momentos mais marcantes da curta carreira jornalística destes profissionais, bem como a passagem pelo JPN. Para estes profissionais, depois do estágio no JPN, a realidade não foi muito diferente da expectativa. 

“Foi a porta de entrada para a rádio”, resumiu João Couraceiro, jornalista da Antena 1. Contou que descobriu a paixão da rádio nas aulas, mas foi no JPN que o sonho de trabalhar na rádio tornou-se mais claro. O JPN foi um “primeiro teste importantíssimo”, referiu.

Sara Gerivaz foi colaboradora, estagiária e, mais tarde, editora no JPN, em 2016. Atualmente a trabalhar no “JN”, acredita que o JPN foi “a base de tudo”. “Quando me convidaram para ser editora do JPN, a minha resposta imediata foi sim”, recordou, acrescentando uma questão que considera fundamental na profissão: a disponibilidade. “Esta questão de estarmos disponíveis, de arriscarmos, de muitas vezes dizermos que sim e só depois pensarmos um bocadinho na consequência disso” é importante, disse aos presentes. 

Afirma, no entanto, que sentiu “nervosismo” por ter aceite, na altura, a proposta de ser editora: “tinha acabado de tirar o curso e passar de repente a editora era assim um peso que ia carregar nos ombros. Foi uma aprendizagem muito grande.” “O JPN é, de facto, uma redação”, rematou.

“Nesta conversa vão ficando desfiadas características que são essenciais para o jornalista. O espírito de equipa. O viver em família”, resumiu Francisco Sena Santos, desta forma, os principais pontos apontados sobre a experiência dos jovens jornalistas.

Fernando Costa também seguiu os mesmos passos que Sara. Foi também editor no JPN e há um ano que trabalha na redação do jornal Público. Costuma dizer que não foi das pessoas que tirou jornalismo por “uma causa nobre” – aliás, “só queria escrever sobre música” – mas trabalhar no jornalismo fê-lo ganhar paixão: “por procurar histórias, por olhar à minha volta com atenção, por saber que posso interferir de alguma forma no que acho que está errado”. “Para tudo isso, comecei a estudar no JPN”, afirmou. 

Falou ainda da experiência “todo o terreno” que esta redação ajudou-o a criar. Neste sentido, já noutra redação, disse que não sente que caiu “de paraquedas” no Público, onde já cobriu temas tão diversos quanto “um gato ucraniano que era influencer”, “os incêndios de Leiria” ou um “ao minuto da guerra do Médio Oriente”.  

Já para Leonor Hemsworth, jornalista da CNN Portugal, o JPN foi “uma escola”, em que houve o primeiro contacto com as fontes: “Se um dia a produtora da TVI faltar, tenho que saber chegar até aos entrevistados. Isso foi o que mais me marcou no JPN, porque, efetivamente, somos nós que fazemos tudo”, sublinhou.

A “formar futuros jornalistas desde 2004”, a partir do curso de Ciências da Comunicação na Universidade do Porto, estima-se que o número de estudantes que passaram por esta “casa” – palavra várias vezes usada pelos conferenciastas -, já ultrapassou as cinco centenas.

Esta foi a primeira de três conferências organizadas para este ano. A propósito dos 20 anos, e durante a tarde de sexta-feira (22), foi também para o “ar” no site do JPN uma emissão radiofónica especial sobre o ensino do Jornalismo em Portugal, as condições de trabalho no setor e projetos editoriais emergentes, com uma série de reportagens e um debate alargado com os jornalistas Amílcar Correia e Tiago Serra Cunha e a docente e investigadora Inês Amaral.

Veja na íntegra a conferência no instagram do JornalismoPortoNet:

 

 
 
 
 
 
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Editado por Filipa Silva