A propósito do aniversário, e sob a orientação do jornalista Pedro Leal, que foi no início de março "Editor por um dia" no JPN, reunimos nesta emissão de uma hora um conjunto de reportagens sobre o ensino do Jornalismo em Portugal, as condições de trabalho no setor e projetos editoriais emergentes. A isto juntamos um debate no qual participaram os jornalistas Amílcar Correia e Tiago Serra Cunha e a professora da Universidade de Coimbra, Inês Amaral. Para ouvir ou ler na íntegra aqui.

Transcrição completa da emissão

[Som de arquivo]

[Registo áudio – Daniel Vaz]
Com dois ou três cliques, alguns telefonemas e muita vontade de trabalhar. È assim que começa a nascer o JornalismoPortoNet, o jornal online, feito na Universidade do Porto pelos finalistas de Jornalismo e Ciências da Comunicação. O jornal já está online, ainda em fase experimental. 22 de março é o dia da apresentação oficial. 

[Música]

Lara Castro

Completam-se esta sexta-feira, 22 de março, 20 anos desde a criação do JPN- JornalismoPortoNet.

Jaime Silva

O aniversário serviu de motivo para desenharmos uma emissão especial, dedicada àquilo que é feito nesta casa: o jornalismo, do ensino à prática. 

Lara Castro

E é pelo ensino do jornalismo que começamos. 

Jaime Silva

Em Portugal, há 25 cursos de Jornalismo e Ciências da Comunicação, dos quais saem centenas de jovens todos os anos. Há cursos a mais ou jornalismo a menos?

Lara Castro

Nesta reportagem ouvimos estudantes, professores e jornalistas sobre o ensino do jornalismo em Portugal.

[som ambiente de uma cozinha]

Luísa Capucho

Quase tão complexo como uma cozinha é o ambiente de uma redação. Os utensílios são diferentes e é preciso mais do que um livro de receitas ou um papel e uma caneta.

Afinal, que ingredientes são precisos para formar um jornalista?

[Registos áudio]
Curiosidade [Inês Cardoso] + Sentido crítico [David Pontes] + Criatividade [Evelina] + Alguma diversidade [Sandra Marinho] + Instinto jornalístico [Rui Costa] + Perder a vergonha [Pedro Coelho]

Luísa Capucho

Nos últimos 40 anos, os cursos de Jornalismo têm-se espalhado de norte a sul do país. Mas depois de uma greve, a pergunta coloca-se: há cursos a mais para um mercado tão pequeno?

[Registo áudio – Pedro Coelho]
Eventualmente, poderá haver, por uma razão simples: porque, se o mercado não tem resposta para tantos licenciados, então estamos com formação a mais sem capacidade de fazermos desaguar as pessoas todas que são formadas nestes 27 cursos ou 26 no mercado profissional.

Luísa Capucho

Mas cortar cursos não seria a solução. Apesar de ser professor na Universidade Nova de Lisboa, Pedro Coelho, também jornalista da SIC, não se esquece das periferias.

[Registo áudio – Pedro Coelho] Se nós, porventura, pensássemos na possibilidade de acabar com esses politécnicos, onde as médias de entrada até são ligeiramente mais baixas, nós estávamos a abrir um buraco também no jornalismo de proximidade. Parece-me fundamental que haja uma articulação mais óbvia e direta entre o jornalismo de proximidade e os cursos de jornalismo.

[som ambiente de pássaros]

Luísa Capucho

O jornalismo não se faz só nas grandes cidades. 

[som ambiente de cidade/carros]

Luísa Capucho

Evelina Adam, estudante de Ciências da Comunicação em Lisboa, reconhece um certo privilégio por viver na capital.

[Registo áudio – Evelina Adam]
Se calhar aquilo que falta não é Lisboa dar mais oportunidades, é Lisboa ter noção que não é o centro do mundo e que o jornalismo de proximidade é muito necessário. Porque da mesma maneira que eu em Lisboa estou a ouvir a rádio de manhã e ouço o trânsito no Porto… eu não sei o que é a VCI, não sei o que é o nó de Coimbrões, não faço a mínima ideia e isso não me interessa. Eu quero saber o trânsito na minha zona, da mesma maneira que as pessoas que moram em Braga querem saber o trânsito em Braga. Eu quero informação adaptada que faça sentido para mim.

Luísa Capucho

Assim como Evelina Adam, Pedro Cardoso, estudante de Jornalismo na Covilhã, também considera necessária uma descentralização do jornalismo em Portugal. 

[Registo áudio – Pedro Cardoso]
Sinto-me um pouco em desvantagem com quem estuda em Lisboa, quem estuda no Porto, até mesmo em Coimbra, mas especialmente em Lisboa e no Porto, porque estudar em Lisboa e no Porto, no que toca às ciências da comunicação, no que toca ao jornalismo, parece que o nome conta muito, parece que a universidade conta muito e que é mais valorizado do que alguém que estuda na UBI.

[som ambiente de uma aula]

Luísa Capucho

O percurso de um jornalista começa nas salas de aula. E o que lá se passa, estará em sintonia com as exigências do mercado?

Para a professora Sandra Marinho, da Universidade do Minho, as duas realidades não devem estar desligadas.

[Registo áudio – Sandra Marinho]
Não creio nada que o ensino em Portugal esteja formatado para o mercado. Vamos lá ver, nós não podemos estar de costas voltadas, não é? O ensino tem de olhar para o mercado e tem de incorporar o mercado, porque quando falo de mercado estou a pensar nas redações, estou a pensar nos jornalistas, estou a pensar nas empresas.

Luísa Capucho

E a opinião é comum a professores e alunos.

[Registo áudio – Evelina Adam]
Devia haver uma aproximação maior ao mercado de trabalho. E sinto que isso faz muita falta porque, supostamente, a licenciatura devia ser suficiente para eu conseguir entrar no mercado de trabalho facilmente.  

Luísa Capucho

Evelina Adam já passou por uma licenciatura. Agora, é aluna de mestrado em Comunicação, assim como Nuno Diogo Pereira. Para o estudante da Universidade do Minho, a aproximação entre os cursos e o mercado começa, precisamente, dentro das salas de aula.

[Registo áudio – Nuno Diogo Pereira]
Idealmente, os professores deveriam ser todos jornalistas em atividade. Portanto, alguém que de manhã vai dar uma aula e à tarde vai para a redação ou vice-versa, porque isso no fundo permite que também, tal como o professor está próximo da redação, os alunos acabem também por estar, porque o professor sabe melhor quais são os assuntos da atualidade, apesar de todos os professores de jornalismo lerem jornais, mas sabem quais são os assuntos, como os tratar, depara-se diariamente com os desafios que os assuntos da atualidade levantam nas redações.

[som ambiente de teclas de computador]

Luísa Capucho

Nas redações portuguesas, de acordo com um estudo do Sindicato, 80% dos jornalistas têm um curso superior, na sua maioria em Ciências da Comunicação.

David Pontes, diretor do Público, vê nisso algumas desvantagens.

[Registo áudio – David Pontes]
Ao longo dos anos… A profissão antigamente absorvia muito mais pessoas que vinham de outros cursos, e há parte de mim que acha que isso fazia as redações mais ricas e plurais. Ter aqui alguém que fez formação em História, em Direito, em Arquitetura, era interessante ter gente vinda de outros meios.

Luísa Capucho

O jornalista de hoje trabalha com novos meios, novos públicos, e novos paradigmas.

[som ambiente de exterior]

Do banco da sala de aula até à cadeira da redação há um longo caminho a percorrer.

Mas uma coisa é certa: o futuro da profissão está agora nas mãos dos mais novos.

[Separador]

Lara Castro

Tirar um curso é sempre criar uma expectativa, mas o que vem depois desse curso depende, muitas vezes, da cidade onde os jovens se formam.

Jaime Silva

Para alguns o mestrado aparece como opção natural, para outros nem por isso. Os finalistas de Ciências da Comunicação são os protagonistas desta história. Falamos com estudantes do Algarve ao Minho, passando pela Covilhã e por Lisboa.

[som ambiente de aula]

Maria Rego

Todos os anos, em Portugal, os cursos de comunicação abrem mais de 1.300 vagas. Na Universidade do Porto, são cerca de 80 os estudantes que entram no curso.

As expectativas com que chegam são normalmente elevadas.

[Registos de áudio]
Espero ter emprego que me dê realização pessoal e um bom ordenado [aluna 1.º ano #1] Acho que o curso tem boas cadeiras e até está a preparar-nos bem para o futuro [aluno 1.º anos #2] Espero poder fazer coisas diferentes em determinadas áreas como parte de audiovisual e de escrita. [aluna 1.º ano #3] Depois do curso espero conseguir encontrar o meu rumo porque neste momento não sei bem o que quero, mas espero sair com uma ideia e satisfazer as minhas necessidades e desejos. [aluna 1.º ano #4] 

Maria Rego

Depois de três anos, já é possível fazer balanços. Quatro estudantes finalistas de diferentes pontos do país partilham a sua perspetiva. No Algarve, Denise Rodrigues não vê o curso nem de copo meio cheio nem meio vazio.

[Registo áudio – Denise Rodrigues]
As expectativas corresponderam e, ao mesmo tempo, não corresponderam, porque é claro que, já se vê à partida que a Universidade do Algarve, e também é um estigma que se tem   à partida, que o Algarve não tem tanta oportunidade como uma Lisboa, um Porto.

Maria Rego

Já na capital, Evelina Adam, acredita numa reestruturação do curso.

[Registo áudio – Evelina Adam]
Falta dinamismo, falta praticalidade, falta atualização e falta uma conexão maior com os estudantes, eu diria. Porque os alumni depois têm muita conexão às pessoas que conheceram lá e aos professores, tudo bem, mas eu não tenho que me dar bem com o professor para garantir uma oportunidade boa no futuro.

Maria Rego

Passando pela Covilhã, as perceções de Pedro Cardoso focam-se mais numa aposta na imprensa.

[Registo áudio – Pedro Cardoso]
Para ser sincero, eu acho que em termos de faltar algo, só falta se eu fosse para uma redação de rádio ou de televisão, porque as cadeiras são muito poucas, temos duas cadeiras de rádio e televisão, então acho que é só o que me falta, porque eu sinto-me mais que bem preparado para ir trabalhar para uma redação de um jornal, como o Diário de Notícias, ou como o Expresso.

Maria Rego

Nuno Diogo Pereira, aluno no Minho, mostra-se mais positivo.

[Registo áudio – Nuno Diogo Pereira]
Eu aprendi especialmente a pensar. Que é uma coisa que é a coisa mais importante. Vocês podem dizer… “Ai, mas eu tive mais horas em estúdio de rádio”. Se não vos ensinarem a pensar o jornalismo, então não vale a pena. Acho que isso fez-me sair de lá muito bem preparado.

Maria Rego

Ouvir estudantes de norte a sul do país é perceber que a geografia pode influenciar a formação que cada aluno recebe.

[Registo áudio – Nuno Diogo Pereira]
Como nós estamos também no Minho, e portanto, um bocadinho mais longe do Porto e de Lisboa, acho que nos preparam para aquilo que, se calhar, geograficamente, nós somos mais capazes de fazer. Porque, pronto, podes trabalhar num jornal, no jornal online, no jornal impresso, mais facilmente trabalhas à distância na imprensa do que na rádio e na televisão.

Maria Rego

Mas e para alguém que estuda em Lisboa? Existe esta perceção de vantagem?

[Registo áudio – Evelina Adam]
Eu tenho muita noção do privilégio que tenho, e tenho muita noção do sotaque que tenho, porque trabalhando em rádio, eu percebo que haja uma marginalização dos sotaques do norte, ou mesmo do Algarve e é considerado o sotaque certo, ou a linguagem mais limpa e eu não concordo de todo com isso.

Maria Rego

Nem todos os alunos de Ciências da Comunicação entram com o propósito de exercer jornalismo. Evelina Adam, estudante da Universidade Católica, procurou um mestrado numa área diferente.  

[Registo áudio – Evelina Adam]
Eu senti que precisava de tirar o mestrado para fugir da exatidão que é o jornalismo e perceber melhor como funcionam as indústrias criativas. 

Maria Rego

Há também quem, como Nuno Diogo Pereira, recorra ao mestrado para conseguir estágio curricular.

[Registo áudio – Nuno Diogo Pereira]
Eu fui para o mestrado porque a licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho não tem um estágio curricular. E, portanto, eu concluí a minha licenciatura sem fazer um estágio curricular. E a minha única oportunidade para fazer um estágio curricular era ingressando num mestrado com estágio curricular.As pessoas costumam dizer “o mestrado é a nova licenciatura”, porque a licenciatura vulgarizou-se tanto, que agora é quase como se já esperassem de ti uma licenciatura. Nesse aspeto, eu acho que o mestrado é diferenciador. 

Maria Rego

As competências que se exigem nas redações são cada vez mais diversificadas. David Pontes, diretor do Público, gostava que as universidades apostassem em algumas novas áreas. 

[Registo áudio – David Pontes]
Já nem vale a pena obviamente falar do vídeo e do som, porque isso já é mais ou menos banal, mas o jornalismo de dados, por exemplo, é algo que tem vindo a crescer e eu duvido que as universidades estejam já ligadas a isso e a perceber, até porque a malta não gosta de contas e por isso não quer saber de números para nada, eu pelo menos, e era preciso ter aí algum know how. Depois há áreas de especialização na própria questão das redes sociais em que nós temos que fazer todos nós a aprendizagem aqui dentro. 

Maria Rego

Passar da universidade para o mercado é um processo difícil, ainda mais para quem está nas periferias. É o caso de Denise Rodrigues, estudante do Algarve.

[Registo áudio – Denise Rodrigues]
Nós estamos um bocado lançados, não sabemos bem o que fazer, com quem falar, por isso, temos que ser nós a correr atrás dessas oportunidades enquanto poderiam haver um leque também de professores que nos pudessem ajudar.

Maria Rego

Todos os anos, centenas de alunos saem dos cursos de ciências da comunicação para o mercado. As expectativas são maiores à entrada do que à saída. Mas, as dificuldades que ninguém ignora, não afastam muitos deles de perseguirem o sonho. 

[Separador]

Lara Castro

Pela redação do JPN já passaram centenas de alunos. Os tempos mudaram, mas o receio do que vem a seguir ao curso persiste.

Jaime Silva

Os jovens jornalistas recebem muito abaixo do salário médio da classe que ronda os 1.200 euros, têm dificuldade em conseguir um contrato e perspectivar uma vida pessoal estável. 

[som ambiente de teclas de computador e telefones]

Filipa Ferreira

Leonor Hemsworth acabou a licenciatura em Ciências da Comunicação em 2021. A jovem jornalista começou a trabalhar no Porto Canal e está há quase um ano na CNN Portugal.

Está empregada, mas reconhece a precariedade no jornalismo e vê o futuro como incerto.

[Registo áudio – Leonor Hemsworth]
O que eu sinto é que estaria já numa altura em que quereria, por exemplo, sair de casa dos meus pais, emancipar-me nesse sentido. Ou comprar um carro, comprar uma casa e, eventualmente, pensar também daqui a uns anos em formar família. E eu daqui a sete [anos] não vou conseguir sair de casa, muito provavelmente, e, se sair, vai ser a contar os cêntimos e a fazer muitas contas à vida. Eu amo o que faço, mas, infelizmente, o que eu faço não me vai dar aquilo que eu preciso, hoje em dia, para me emancipar enquanto jovem, que já tenho uma vida um bocadinho mais adulta.

Filipa Ferreira

Apesar dos baixos salários, Leonor considera ter melhores condições que muitos colegas de profissão.

[Registo áudio – Leonor Hemsworth]
Eu nunca estive numa situação, por exemplo, como muitos colegas da profissão estão de recibos verdes, mas tendo em conta que há, sim, infelizmente colegas meus em situações mais precárias, eu diria que nunca estive nessa situação. Estive sempre com contratos de trabalho e acho que isso é ótimo porque acaba por dar mais estabilidade do que os recibos verdes. Em termos salariais, fui subindo também sim, não de uma forma muito significativa, infelizmente, porque, na profissão, tudo o que é subidas demora muito tempo e nunca é muito grande.

Filipa Ferreira

Rui Costa terminou o mesmo curso que Leonor há cinco anos. Na pandemia, foi contratado pelo Polígrafo, onde esteve pouco mais de um ano. Agora, trabalha na TSF.

No que toca ao salário, Rui ainda não sentiu uma progressão significativa.

[Registo áudio – Rui Costa]
Eu quando comecei em julho de 2020, no Polígrafo, entrei para estágio profissional e, nessa altura, eu ganhava, no estágio profissional, 740€ já com os subsídios. E acabei por sair. Por sorte, arranjei rapidamente trabalho na TSF, onde me foram oferecidos 800 euros brutos mais subsídio de alimentação. 800 euros esses que subiram para 830 e é nesse que eu estou, ou seja, 10 euros acima do salário mínimo.

Filipa Ferreira

Rui Costa é um dos mais de 2.400 jornalistas sindicalizados no país.

No dia 14 de março, foi um dos profissionais que aderiu à greve geral convocada pelo Sindicato dos Jornalistas.

[som ambiente da manifestação dos jornalistas]

Luís Filipe Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas, acredita num futuro melhor para os jovens a ingressar na profissão.

[Registo áudio – Luís Filipe Simões]
Os jornalistas são hoje, os mais jovens principalmente, muito precários, com salários muito baixos. Quase não têm vínculo, saltam de estágio em estágio, estágios muitas vezes ilegais. E, portanto, é essa também a nossa luta. Sim, os jovens vão ter boas condições de trabalho, porque mostrámos hoje que estamos todos dispostos a lutar por elas.

Filipa Ferreira

Apesar de sentirem que as condições laborais deviam ser outras, também Rui e Leonor deixam uma mensagem de esperança aos colegas mais novos.

[Registo áudio – Rui Costa]
Se gostam mesmo disto, invistam nisto, mas preparem-se para lutar muito. E aproveitem já, antes de entrarem realmente, e lutem já connosco.

[Registo áudio – Leonor Hemsworth]
Trabalhem, experiência, lutem, não desistam, brilhinho nos olhos, se o tiverem, vai correr tudo bem. Abracem-se uns aos outros e sejam colo uns para os outros, porque isso também é preciso, partilhem frustrações. Não podem é desistir, porque não se esqueçam que sem nós, sem os jornalistas, sem a nova geração, não há democracia e a sociedade não funciona.

[Separador]

Lara Castro

Um inquérito promovido pelo Sindicato dos jornalistas concluiu que quase metade dos inquiridos apresenta níveis elevados de esgotamento, 40% não tem filhos, e mais de metade trabalha para lá das 40 horas semanais.

Jaime Silva

Os salários baixos, o desgaste da profissão e a estagnação na carreira são fatores comuns que não preocupam só a nova geração de jornalistas.

[som ambiente de teclas de computador]

Camila Teixeira

João Carlos Malta é jornalista há 20 anos. Está na Renascença desde 2014 e tem bem identificados os fatores de precariedade na profissão.

[Registo áudio – João Carlos Malta]
Eu apontaria mais a falta de horários. A dificuldade, depois, em haver uma progressão na carreira, que tenha um correspondente de acréscimo salarial à medida que os anos passam e que a nossa experiência vai aumentando. E também diria que a falta de mobilidade geral dentro da profissão.

Camila Teixeira

Como João Carlos Malta, também Aline Flor, jornalista no Público desde 2017, reconhece que os salários não permitem estabilidade financeira.

[Registo áudio – Aline Flor]
Nós temos jornalistas que estão no jornal há 20 anos e há 15 anos que não têm um aumento significativo do salário, ou seja, para quem entretanto já tem filhos, família, a vida floresce, nós temos mais custos para suportar e há esta degradação de condições para quem está lá há mais tempo.

Camila Teixeira

Para além dos baixos salários, Simão Freitas, jornalista da Lusa, alerta para o desgaste mental provocado pela profissão.

[Registo áudio – Simão Freitas]
Mesmo que uma pessoa tenha um vínculo, de que forma é que não é precário se trabalhar numa fábrica do clique, se tiver 8, 10, ou 12 horas, a produzir conteúdo para, para sair a toda hora a um ritmo desumano, com muito poucos camaradas à beira. Acho que a questão da precariedade é que também se conjuga muito com as condições de vida, com condições de saúde mental e de prática da profissão, e acho que em quase todos os setores, estamos todos a passar mal e a precisar de, não sei, de refletir, já nem é de refletir, eu acho, a reflexão está feita, é de mudar mesmo.”

Camila Teixeira

Um inquérito recente promovido pelo Sindicato dos Jornalistas concluiu que 48% dos jornalistas portugueses têm níveis elevados de esgotamento e 18% apresentam níveis de exaustão emocional.

Este desgaste fez com que Sara Otto Coelho deixasse a profissão, depois de 8 anos como jornalista no Observador.

[Registo áudio – Sara Otto Coelho]
Houve algum fator de atrito, mas foi um cansaço acumulado de não ter horários, não ter sábados, não ter fins de semana, não poder controlar o meu próprio horário, porque a qualquer momento o meu telemóvel tocava.

Camila Teixeira

O mesmo estudo revelou que um terço dos inquiridos sente um desequilíbrio entre a vida pessoal e profissional.

50% trabalha mais de 40 horas por semana e quase metade trabalha mais de dez horas semanais noturnas.

[som ambiente de teclas de computador]

Também quem está nas direções se apercebe dos problemas existentes. É o caso de David Pontes, diretor do jornal Público.

[Registo áudio – David Pontes]
Desde que se acentuou a crise, os recursos financeiros dos órgãos são normalmente muito curtos e muito deficitários, e admito que quem sofre nisso e quem é sacrificado nisso são os jornalistas e nesse aspecto não tem melhorado porque os mídias também não têm melhorado em termos de sustentabilidade financeira, antes pelo contrário.

Camila Teixeira

Os problemas apontados por David Pontes fizeram com que Inês Cardoso, diretora do Jornal de Notícias, visse as redações a ficarem cada vez mais pequenas.

[Registo áudio – Inês Cardoso]
O Jornal de Notícias, na altura em que eu comecei, vendia mais de 120 mil jornais ao domingo, As redações eram muito maiores. Portanto, basta dizer que eu entrei no Jornal de Notícias em 1998 e nós éramos 36 jornalistas. Hoje é menos de  um terço esse número que temos lá e havia uma grande estabilidade em relação às carreiras e em relação ao cumprimento do contrato do acordo coletivo de trabalho.

[som ambiente da manifestação dos jornalistas]

Camila Teixeira

Inês Cardoso esteve presente no protesto de 14 de março, organizado pelo Sindicato dos Jornalistas. Luís Filipe Simões, presidente da organização, espera por um maior investimento na área.

[Registo áudio – Luís Filipe Simões]
Sem investimento, pode ser tarde demais para defendermos o jornalismo. Tem que haver um sério investimento, tem que haver investimento público. As pessoas têm que mobilizar e perceberem que têm que defender o jornalismo. Nós temos que cumprir um código deontológico que nos exige tempo, confirmação. E falta tempo aos jornalistas. E assim torna-se muito difícil fazer um jornalismo de qualidade que cumpra o dever de ser um pilar da democracia.

Camila Teixeira

Ainda assim, Inês Cardoso acredita num futuro melhor para o jornalismo.

[Registo áudio – Inês Cardoso]
Eu sou uma crente na importância e na sobrevivência do jornalismo. É uma profissão que nos dá mundo. Dá-nos uma grande capacidade de discussão. O espírito crítico sobre o mundo é um dos fatores que nos leva a acreditar que o jornalismo será sempre essencial. E, por isso, acredito que, apesar de muitas turbulências, acabe por sobreviver a informação.

Camila Teixeira

Pela sua parte, Sara Otto Coelho, agora a trabalhar no Coliseu do Porto, ainda acalenta a ideia de voltar ao jornalismo.

[Registo áudio – Sara Otto Coelho]
Não digo que estou arrependida porque acho que tomei a decisão certa para a minha vida. Mas tenho muitas saudades e espero um dia, com condições melhores, poder voltar.

Camila Teixeira

Apesar das dificuldades, o amor pela profissão é, a mais das vezes, o que move um jornalista. 

[Separador]

[Som de arquivo – André Morais]
Havia pouquíssimos materiais e para tu os poderes utilizar ias para a fila. Havia três ou quatro pessoas que precisavam e tu entraves na fila. Havia um telefone, mais nada, não estamos a falar de hoje que qualquer pessoa tem um telemóvel e planos tarifários que permitem ligar para toda a gente à hora que quiseres. Não havia redes sociais, não havia Facebook, não podias comunicar assim com as pessoas.

[Separador]

Lara Castro

Em 20 anos muito mudou nas redações. No Porto algumas desapareceram- como as do Comércio do Porto e d’O Primeiro de Janeiro.

Jaime Silva

No digital, surgiu o Porto24 que sobreviveu durante meia dúzia de anos. 

Lara Castro

A nível nacional proliferaram os canais informativos que modificaram a forma como se fazem e consomem notícias. 

Jaime Silva

Com a chegada dos smartphones ao mercado em 2009, a informação passou a andar no bolso e a ser sobretudo para os ecrãs.

Lara Castro

A rapidez, o imediatismo e a instantaneidade passaram a caracterizar o mundo das notícias,  mas há cada vez mais órgãos a desafiar a tendência. 

Jaime Silva

É sobre alguns deles que falamos na próxima reportagem dedicada a meios recentes com modelos de financiamento alternativos e que privilegiam o chamado jornalismo lento. 

[Registos de áudio]
Nós pensamos na mensagem como um trabalho feito na comunidade. [Catarina Carvalho] Devemos ter uma consequência. Nós não queremos ser apenas observadores. [Tiago Sigorelho] Tenho a sensação de quando se fala de independente que é se dizer contrário àquilo que é conhecido. Tradicional, mainstream. Não é verdade. [Bernardo Afonso] Nunca cabia na cabeça das pessoas que pudesse ser um projeto independente. Nós não podíamos, nem sabíamos como vender. [Ana Isabel Pereira] As pessoas precisam de saber que há mais a dizer fora desse círculo viciado. [Ana Rita Rodrigues]

[som ambiente de teclas]

Carlota Nery

Para aqueles que não encontram espaço nos meios convencionais, o plano pode passar por criar o que ainda não existe. Fumaça, Mensagem de Lisboa, Gerador, A Sementeira são alguns desses projetos. Tiago Sigorelho é presidente do Gerador. Uma plataforma independente nascida em 2014 que se dedica ao jornalismo, cultura e educação.

[Registo áudio – Tiago Sigorelho]
Os três pilares funcionam em conjunto. Nós conseguimos ser sexys utilizando temas que não são sexys. Por isso, este tem sido o trabalho que temos feito ultimamente, um trabalho mais focado nesta dinâmica do jornalismo, por isso, muito menos artigos e cada artigo muito mais profundo, e julgamos que podemos ser mais consequentes para a sociedade assim.

Carlota Nery

Com o objetivo de fazer jornalismo lento, o Gerador é uma associação cultural sem fins lucrativos. Também o Fumaça procura desassossegar os seus ouvintes com podcasts. Bernardo Afonso, um dos fundadores, conta como surgiu a ideia. 

[Registo áudio – Bernardo Afonso]
Nós, na verdade, quando começámos o Fumaça, não tínhamos a intenção de criar um órgão de comunicação social. Nós gostávamos muito de ouvir podcasts e, em 2016, pensámos, porque não? O Fumaça é um podcast de jornalismo de investigação. Fazemos um tipo de jornalismo mais lento, onde demoramos muito tempo a fazer os nossos trabalhos. Os tópicos que nós investigamos são sempre tópicos relacionados com direitos humanos, pessoas oprimidas de alguma maneira, em que tentamos assumir o ângulo de quem sofre algum tipo de opressão e denunciar esses mecanismos de opressão.

Carlota Nery

As séries podem demorar até três anos a ser feitas. Ao lado do Fumaça surge um outro meio de comunicação com uma causa: a cidade de Lisboa. Catarina Carvalho, diretora da Mensagem de Lisboa, relembra como tudo começou. 

[Registo áudio – Catarina Carvalho]
Começámos em fevereiro de 2021, nem plena pandemia, com uma ideia de um grupo de jornalistas liderado por mim e pelo Ferreira Fernandes, e essa ideia encontrou eco num grupo de investidores de Lisboa, que é o Grupo Valor do Tempo, que nos apoiou nessa ideia de fazer um jornalismo construtivo, próximo e de soluções.

Carlota Nery

Jornalismo local feito na capital do país. Numa redação de nove jornalistas, as dinâmicas de trabalho variam. 

[Registo áudio – Catarina Carvalho]
Nós trabalhamos muito à distância porque as pessoas estão muito na rua, não é? É raro o dia em que as pessoas estejam todas fechadas numa redação, a maior parte pessoas está na rua a falar com pessoas.

Carlota Nery

Tal como na Mensagem de Lisboa, também no Gerador, a redação é pequena e os ritmos de trabalho são diferentes. 

[Registo áudio – Tiago Sigorelho]
Nós temos uma redação tímida, nós somos neste momento a full time quatro jornalistas. A Maioria das pessoas tem até 35 anos, muitas dessas têm as suas preocupações naturais e isso também ajuda-nos a desenvolver internamente e procurar outro tipo de temas. 

Carlota Nery

Liberdade, Transparência e Horizontalidade são os pilares destes órgãos de comunicação. Também no Fumaça, numa redação de 9 jornalistas, o trabalho faz-se sobre uma premissa. 

[Registo áudio – Bernardo Afonso]
A nossa redação tem um princípio básico, que é:  ninguém manda em ninguém. Essa é logo a primeira. Nem há hierarquias, absolutamente nenhuma. E isto não é uma utopia. Se me dissessem que numa redação de 100 pessoas era possível ser assim, hum… Se calhar teria que haver aqui outros mecanismos.

Carlota Nery

Criar um meio de comunicação também exige financiamento. O Fumaça depende de bolsas e de contribuições dos leitores. Todas as contas são públicas e podem ser vistas no site. 

[Registo áudio – Bernardo Afonso]
Só conseguiríamos fazer isso durante um período largo, que ainda está a durar, recebendo o financiamento de bolsas, diversos tipos de bolsas, de apoio ao jornalismo, bolsas a fundo perdido para aumentarmos a redação, para financiar sistemicamente a longo prazo a redação e o Fumaça. Estamos sempre com a corda na garganta, num certo sentido, porque já tivemos várias vezes a pensar, não há dinheiro para o próximo mês, e agora?

Carlota Nery

Metade dos gastos da redação são pagos por contribuições feitas pelos leitores. Já no Gerador é a cultura que sustenta o jornalismo

[Registo áudio – Tiago Sigorelho]
Se nós pensarmos nos três pilares do vereador, informação, cultura e educação, a cultura e a educação têm gerado, se quiser, lucro. Por isso, as atividades. As atividades que nós temos feito são suficientes para nós termos mais dinheiro do que aquele que gastamos. Por isso, o nosso modelo de negócio tem muito a ver com estas duas áreas serem financiadoras desta terceira. Nós não conseguimos ficar um cêntimo que seja no jornalismo, é só despesa. 

Carlota Nery

Para além de organizarem eventos e festivais, no Gerador os leitores podem tornar-se sócios e contribuir financeiramente. A Mensagem de Lisboa tem o apoio do Valor do Tempo, mas não só. 

[Registo áudio – Catarina Carvalho]
Temos duas bolsas da União Europeia que também conseguimos. Procuramos financiamento de várias ordens. Há um ponto importante, que é. Nós não temos, não achamos que as empresas sejam maléficas. E, portanto, nós não excluímos apoios empresariais. Nós não excluímos publicidade.

Carlota Nery

Criar um meio de comunicação não é fácil.

[Registos de áudio]
Às vezes é difícil para nós. [Bernardo Afonso] É difícil, claro que é difícil. [Catarina Carvalho]  Na verdade, o risco foi grande. [Tiago Sigorelho]

Carlota Nery

Os riscos são grandes e no Porto24 foram fatais. Ana Isabel Pereira, fundadora do projeto já extinto, fala sobre o jornal que tinha como foco o Grande Porto.

[Registo áudio – Ana Isabel Pereira]
Os fundadores do Porto 24 fui eu e foram dois colegas do meu ano, também de CC. Eu julgo que a primeira vez que nós falamos terá sido em 2008. Nós éramos, simultaneamente, administradores, empresários, empreendedores, mas não podíamos vender o que estávamos a fazer, porque éramos também os jornalistas do projeto. Nunca cabia na cabeça das pessoas que pudesse ser um projeto independente. Nós não podíamos, nem sabíamos como vender.

Carlota Nery

Numa altura em que os meios alternativos eram escassos, o Porto24, que começou online e passou pelo papel, não conseguiu sobreviver.

[Registo áudio – Ana Isabel Pereira]
Há coisas que eu vejo aparecer hoje, que era o que nós queríamos fazer na altura. Então, sim, nesse sentido, acho que foi um pouco antes do tempo, e também nos faltou claramente uma parte comercial, ou seja, alguém ligado ao projeto que tivesse esse foco.

Carlota Nery

O Porto24 não resultou, mas há novos meios a nascer no Porto. Ana Rita Rodrigues é um dos cinco fundadores d’A Sementeira.

[Registo áudio – Ana Rita Rodrigues]
Isto nasceu no âmbito de uma iniciativa que se chama The Circle, que foi pensado por uma revista chamada Are We Europe. E durante essas duas semanas o objetivo era pensar o jornalismo, pensar o que é que faltava fazer, sobretudo cá no Porto.

Carlota Nery

Com a vontade de trazer para a cidade algo novo, o projeto foi lançado em Março deste ano. 

[Registo áudio – Ana Rita Rodrigues]
Talvez por isso é que demorámos um ano e tivemos de caminhar um ano até finalmente lançarmos o coletivo, porque cada um de nós tem outros trabalhos, além da sementeira, claro que a longo prazo adoraria que pudéssemos ser sustentáveis e adoraria que fosse esta a nossa principal ocupação. Neste momento é impossível.

Carlota Nery

Não só criar um meio de comunicação , como mantê-lo é difícil. Ainda assim, em Portugal são cada vez mais os novos projetos editoriais com modelos de funcionamento e financiamento alternativos. 

[Separador]

Lara Castro

Já aqui falamos de formação, emprego, precariedade, e novos projetos editoriais. 

Tópicos que decidimos colocar em debate, cruzando a opinião de um jovem jornalista, um jornalista veterano e uma professora universitária de jornalismo. Um debate que vai ser conduzido por Jaime Silva. 

Jaime Silva

Exatamente, Lara. São nossos convidados Inês Amaral, professora de Jornalismo na Universidade de Coimbra, é doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho. Tiago Serra Cunha, licenciado em Ciências da Comunicação, aqui na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, é jornalista do Expresso há dois anos. E por fim, Amílcar Correia, jornalista do Público, tem mais de 30 anos de experiência e foi criador do P3. Agradeço a todos a vossa presença neste debate. Amílcar, começo por si, como disse na sua apresentação, é jornalista há muitos anos. Começou numa altura em que as redações tinham muita gente que não era formada em jornalismo. Na sua opinião, é essencial ter uma licenciatura em Jornalismo para se ser jornalista?

Amílcar Correia

Ajuda. É importante, mas não é a única condição. Posso até dar um exemplo muito concreto. Há uma jornalista no Público que é uma das melhores profissionais na área do jornalismo de justiça. E ela é de facto uma das melhores profissionais porque fez um curso de Direito e depois fez uma formação interessante em Jornalismo que complementou esse conhecimento jurídico. Portanto, é o ideal, é recomendável, mas não é obrigatório.

Jaime Silva

E passando aqui para a Inês Amaral, ouvimos vários alunos nas reportagens que ouvimos ao longo desta emissão a queixarem-se de que os cursos de jornalismo são muito teóricos, embora haja variações, dependendo das instituições. Concorda com esta visão e acha que os cursos têm que sofrer alguma alteração? E se sim, em que sentido?

Inês Amaral

Bom, não posso falar pelos cursos todos, mas acho que os cursos têm que conciliar duas coisas em três anos, o que é muito difícil. Conciliar o “saber saber” e o “saber fazer”. E estarem adequados ao mercado de trabalho e, portanto, isso implica que os cursos sejam revistos sistematicamente, o que não é fácil, também olhando para aquilo que é o contexto da avaliação dos cursos, das próprias instituições. Mas os cursos têm, naturalmente, que permitir que se aprenda, de facto, não só o saber teórico, mas o saber prático e, portanto, as aulas de simulação de redação são urgentes, porque não é suposto que cheguem ao mercado de trabalho para aprender. Ou seja, o espaço para errar, o espaço de laboratório, deve ser a faculdade, necessariamente.

Jaime Silva

Passando aqui para o Tiago, no teu caso, a tua licenciatura foi tirada aqui, na Faculdade de Letras. Se tivesses que apontar alguma falha ao curso, qual apontarias? E, por outro lado, o que é que o mercado te disse sobre a tua licenciatura?

Tiago Serra Cunha

Olá, antes mais, obrigado pelo convite. Bem, ao ouvir o que a professora Inês, especialmente, estava a dizer, concordo e aplica-se isso a esta licenciatura. Acho que é uma licenciatura que é muito prática, que nos dá bastantes ferramentas, através, por exemplo, não só do que nós aprendemos nas aulas e que os professores acabam por nos ensinar, mas também dos projetos como o JPN e como outros projetos que nos inserimos ao longo da licenciatura. Acho que é ter essa experiência mais prática, podemos pôr um bocadinho as mãos na massa antes de chegar a uma redação e, obviamente, mencionar aqui também a parte positiva do estágio curricular. Acho que o facto de termos o estágio diretamente na licenciatura faz muito para que depois, quando vamos para uma experiência de trabalho propriamente dita fora de um estágio, tenhamos já uma experiência muito maior e um conhecimento muito mais aprofundado daquilo que é estar numa redação do que é o trabalho jornalístico propriamente dito. Posto isto, acho que, mesmo o curso são três anos, têm que ser três anos, mas eu costumo dizer que no meu mundo ideal este curso teria quatro anos, ou seja, dois anos de tronco comum, que é o que já acontece, e dois anos da vertente em jornalismo, porque apesar dos professores fazerem aquilo que podem para nos dar aulas mais práticas e nos passar esses conhecimentos, acho que é mesmo assim insuficiente. Enfim, dentro do que é possível é bom, mas se fosse possível, num mundo um bocadinho mais utópico, acho que seria bom precisamente para nós conseguirmos ter mais, eu lembro-me, por exemplo, termos aulas intercaladas entre rádio e televisão e sinto que acabei por não conseguir aprofundar a 100% conhecimentos mais práticos que no último ano, no terceiro, não é já na vertente em jornalismo, temos conhecimentos muito mais especificados e muito mais práticos nesse sentido e senti um bocadinho essa falta que depois obviamente é compensada e colmatada com um estágio no JPN ou com um estágio curricular num órgão de comunicação externo, mas sinto que faz falta um bocadinho aprofundar isso antes. Acho que era assim se calhar a principal, não digo ponto negativo, mas ponto que eu pessoalmente se conseguisse mudar alguma coisa acrescentaria.

Jaime Silva

Passando aqui da licenciatura para o mestrado, muitos dos testemunhos que fomos ouvindo foram no sentido de que o mestrado nesta área é um plano B para aqueles que não conseguem entrar imediatamente no mercado de trabalho ou até para se diferenciarem daqueles que têm licenciatura. Tu tiveste esse interregno até te tornares um jornalista profissional. Chegaste a considerar a hipótese de tirar mestrado?

Tiago Serra Cunha

Sim, lá está, eu tive cerca de dois anos, também acabei o curso na altura da pandemia, não foi nada a melhor altura para terminar uma licenciatura, em especial em jornalismo, mas qualquer outra nessa altura foi tudo muito complicado, mas sim, tive cerca de dois anos até trabalhar na área, precisamente aqui, como editor no JPN, mas cheguei a ponderar fazer mestrado. Não concordo a 100% com isso que algumas pessoas dizem que é só um plano B. Acho que se as pessoas quiserem aprofundar os conhecimentos, ter mais experiência, ter mais conhecimentos que não conseguimos ter na licenciatura… Eu pessoalmente não, considerei algumas vezes, mas acabei por não fazer, senti que naquele momento não era o mais certo, penso que se vier a fazer um mestrado será numa área que seja complementar. Acho que isso também é muito positivo, porque como o Amílcar dizia, há pessoas que têm uma formação noutra área e às vezes um mestrado também nos poderia dar essas valências, por exemplo, uma pessoa que queira focar-se mais em temas europeus pode fazer um mestrado relacionado com estudos europeus, enfim, não estou aqui a lembrar-me de todos os mestrados que existem, ou uma questão mais económica, etc., que dê precisamente essas valências para alguém que se queira focar numa determinada área. Não acho que seja um plano B, mas percebo porque é que muitas pessoas o fazem, como foi, não o fazem aliás, como foi o meu caso.

Jaime Silva

Amílcar, passando para si novamente. Na primeira reportagem deste especial, ouvimos um estudante de mestrado que considera que os professores de jornalismo deveriam ser jornalistas no ativo. Concorda com esta opinião e, por outro lado, as redações não ganham em aproximar-se do meio académico?

Amílcar Correia

Em relação à primeira questão, acho que há cada vez mais interesse em que os docentes tenham um conhecimento aproximado e atualizado daquilo que se passa nas redações. Houve pena de se criar uma discrepância muito grande entre aquilo que é a formação numa universidade, e as necessidades e exigências de uma redação. Da minha experiência pessoal de orientador de estágios ao longo de mais de uma década, parece-me que esse esforço tem vindo a agravar-se. Mas seria interessante que, do lado da Academia, existisse esse esforço de atualização, para não cairmos na historiografia do jornalismo, escrito ou digital, para perceber que hoje o ato de trabalhar numa redação não se resume a escrever, fotografar, editar e publicar, vai muito para além disso. Jornalismo é também fazer redes sociais, é saber o que é que é o SEO, o que é que é uma notificação, esse universo todo das newsletters e dos podcasts, existem uma série de formatos que vão para além das técnicas de redação, que continuam, na minha opinião, a ser o alvo principal do ensino jornalístico. É óbvio que, em relação à segunda questão, era interessante ter uma relação mais biunívoca entre as redações e o mundo académico, as duas partes têm a ganhar com isso, mas as relações também, como é óbvio, as relações não podem ser espaços fechados ao exterior, à comunidade, e era interessante que existissem hábitos de colaboração mais estreita entre as duas partes.

Jaime Silva

Passando aqui para a Inês Amaral, para ouvir o lado da academia, coloco-lhe a mesma questão: quão necessária é a experiência jornalística para ensinar Jornalismo e, por outro lado, se considera que devia haver mais comunicação entre a academia e os órgãos de comunicação social?

Inês Amaral

Seguramente, e concordo inteiramente com o Amílcar, e sublinho aqui um ponto, até o apontei, não é suposto a academia promover aquilo que são os interesses dos empresários. O que é suposto, de facto, é conseguirmos conciliar, o que não é fácil, e o Tiago falou há pouco dos três anos, e da questão dos três anos incluírem o estágio – eu tenho muita dificuldade em entender esse modelo. Eu venho de um curso de cinco anos, com estágio, e de facto é muito difícil, e foi muito difícil. Tivemos Bolonha e tivemos de concentrar tudo. Esta questão que o Amílcar colocava da necessidade das parcerias, ela é evidente e é urgente. Mas também há esta academia que não tem interesse nenhum, ou que tem pouco interesse em ouvir, porque está escudada numa perspetiva que é uma perspectiva que, eu diria, do castelo.
Nós não podemos estar sistematicamente a fazer duas coisas que fazemos na academia: uma delas é perspectivar eternamente o futuro. Eu lembro-me quando eu própria caí nessa falácia, quando criei uma cadeira de televisão interativa, e depois ela nunca mais chegava. Portanto, enfim, isto já tem quase 20 anos. Portanto, isto acontece. Mas também não podemos fazer outra coisa que é apenas olhar para o passado.
A academia tem urgentemente que olhar para o presente.Sem olhar para o presente, não se formam pessoas, ou melhor, não se dotam as pessoas de competências, para que elas próprias, possam ter a capacidade de se formar, de se auto-formar, e de chegarem às redações, sem estarem única e exclusivamente fechadas naquilo que pode ser o castelo da academia, e portanto a ideia de ensinar a escrever para a rádio, para a televisão, para a imprensa, para a multimédia, tudo separado. Isto já não funciona.

Jaime Silva

Vocês tocaram algumas vezes já na questão do mercado. Passemos para a questão do mercado. Para isso, pergunto ao Tiago, fala-nos da tua entrada no mercado de trabalho, que é relativamente recente. És jornalista no Expresso há sensivelmente dois anos. As perguntas são muito simples. Tens contrato? Consideras que tens um salário digno? Tens condições para trabalhar como jornalista?

Tiago Serra Cunha

Tenho um contrato. Considero que tenho um salário digno, embora pudesse sempre ser melhor, mas isso já é uma discussão que é muito mais abrangente. Neste momento, considero que tenho condições para trabalhar como jornalista, mas põe-se sempre a um ponto que, num futuro, não digo próximo, mas a médio prazo, não sei muito bem como é que vai ser, se as coisas continuarem como estão até agora. Acho que esta é uma discussão que já vai muito para além daquilo que estamos a falar aqui. Há muitos outros pormenores que também já se falou muito no Congresso de Jornalistas, noutras ocasiões, e que vale sempre a pena voltar a trazer. É preciso aumentar salários, é preciso melhorar as condições de acesso à profissão, principalmente para que os jovens consigam manter-se nessa profissão. O Amílcar está aqui, não me deixa mentir, é muito difícil às vezes manter jornalistas mais jovens nas redações, e são esses os jornalistas que acabam por fazer esta renovação que as redações precisam. Obviamente precisam das pessoas que já lá estão há muito tempo, mas é preciso novas vozes, novas pessoas a trabalhar na área, e muitas vezes acabam por sair, fazer outras coisas, porque não têm condições de continuar. Lá está, eu felizmente sinto que neste momento ainda consigo fazê-lo, e sinto que o jornal onde eu trabalho me paga com dignidade, como se costuma dizer, mas só o facto de estar aqui a dizer o jornal onde eu trabalho paga-me com dignidade é quase um bocado utópico, não é? Porque é que não haveria de ser assim? Mas isso é, enfim, claro, como eu digo, é uma questão que é muito mais abrangente do que isto. Em relação às condições de entrada,
vai ter um bocadinho também com o que eu já estava a dizer, tem sido muito difícil às vezes manter profissionais que têm qualidade e que acabam por ficar limitados ao estágio curricular ou a um estágio profissional, quanto muito, e depois, para além disso, não há forma de os manter. Houve casos assim na minha redação, em outras redações, é cada vez mais frequente. Eu sinto que, apesar de tudo isto, mais uma vez, é um bocado quase parvo, entre aspas, dizer, eu sinto que tive sorte porque sou jovem, dois anos depois de terminar a licenciatura trabalhei aqui, depois, entretanto, passei logo para o Expresso, só que já dizia A Garota Não num discurso que fez nos Globos de Ouro “a sorte a mim deu muito trabalho”, não é? Ou seja, não é propriamente sorte, é uma maneira de dizer, mas sinto que estou lá pelas minhas capacidades, sinto que estou lá também porque a vaga que ficou disponível, entre aspas, naquele momento, pedia aquilo que eu gosto e sei fazer, mas sei que é cada vez mais raro isso acontecer, ou então é preciso dar mil e uma voltas para conseguir manter um profissional jovem nesta profissão, tanto do lado pessoal, ou seja, da própria pessoa que acaba por não se conseguir manter, às vezes, a ter de trabalhar numa cidade fora daquela onde vive, em Lisboa, pagar rendas astronómicas, etc, etc, ou do lado dos órgãos de comunicação que não têm forma de os manter lá, e acho que é preciso mudar alguma coisa, é preciso rever tudo isto, porque, sem se fazer, é preciso mudar alguma coisa, é preciso rever tudo isto, e fazer isso, acho que torna-se difícil, e nós, jovens profissionais, ficamos, ok, nós neste momento, se calhar, até conseguimos, mas e depois, o que é que nós vamos fazer? 

Jaime Silva

E pegando nessa deixa dos jovens, sei que estiveste na concentração do Porto, no dia da greve geral dos jornalistas, contigo estavam vários jovens, achas que este é um sinal de que os jovens jornalistas atingiram um limite e pedem uma mudança?

Tiago Serra Cunha

Eu acho que sim, mas eu acho que isto é jovens, não jovens, todos os jornalistas, acho que já estão, acho que já estão, a ficar, porque nós vemos casos em redações, e tenho colegas que trabalham há décadas no mesmo órgão de comunicação, e que já não têm um aumento também há décadas, ou seja, isto é completamente transversal, não podemos olhar mesmo só para o caso dos jovens jornalistas, neste caso, mas focando nisso, que é aquilo que eu acho que tenho mais propriedade para falar, acho que sim, acho que estamos cada vez mais alerta para esta situação, queremos os nossos direitos e os nossos salários, e as nossas questões pensadas, resolvidas, dentro da medida do possível, queremos poder ter uma voz em negociar essas questões, e queremos, pelo menos falo por mim e pelos meus pares, aquilo que nós vamos discutindo no dia-a-dia, queremos que nós e as pessoas que nos rodeiam tenham condições para exercer esta profissão, que é aquilo que nós realmente queremos fazer, e que às vezes vemos muitas pessoas impedidas de o fazer, ou sem saber como é que o vão poder fazer passado um tempo, precisamente por não verem essas condições a mudar.

Jaime Silva

Amílcar, pegando aqui na sua longa experiência como jornalista, pergunto-lhe, ouvimos falar, muitas vezes, destes problemas ligados à precariedade e baixos salários, dizendo que eles sempre existiram. É verdade que eles sempre existiram? E, por outro lado, porque é que esse problema persiste? Porque é que tem que ser assim?

Amílcar Correia

Não posso dizer que eles sempre existiram, porque há sempre flutuações de mercado, não é? Por exemplo, eu quando entrei na profissão, com a abertura do Público, o facto de surgir um novo diário a contratar na concorrência fez com que todos os salários aumentassem nessa altura, não é? Portanto, há oscilações. Há cerca, talvez, de 15 anos que os salários estão estagnados, pessoas que têm 20 anos de profissão e que têm salários extremamente baixos, e isso coincide com a entrada no quadro das empresas de jovens jornalistas com salários muito baixos, já num contexto de crise acelerada das edições impressas, da publicidade, por aí fora. É inegável que há uma crise, é inegável que há uma crise de receitas, é inegável que a maior parte das empresas não tem grandes condições para pagar salários mais altos. Isso não se resolve por decreto. É preciso olhar bem para as receitas e para o modelo de negócio e tentar encontrar formas inteligentes de o solucionar, mas não há nenhuma varinha mágica. Não há mesmo nenhuma varinha mágica e neste momento acho que a indústria está num beco sem saída do qual não sabe como se escapar, porque as receitas das edições impressas estão a descer, quer de vendas em banca, quer de publicidade. No caso das edições digitais, só existe mercado digital neste momento para três jornais, Público, Observador e Expresso. Tudo o resto é absolutamente residual. A publicidade transfere-se para motores de busca e para redes sociais. Portanto, sobra pouco para tornar sustentável os jornais clássicos. Isso não quer dizer que não possam surgir produtos de nicho, produtos que consigam corresponder a outras expectativas dos leitores. Isso tem acontecido um bocadinho com alguns novos media em França e sobretudo também com alguns websites nos Estados Unidos, que são estruturas mais pequenas, outros produtos editoriais, que procuram singrar e que correspondem a uma espécie de desconstrução dos media tradicionais.

Jaime Silva

Inês, pegando aqui numa série de problemas que o Amílcar acabou de falar, estes efeitos negativos têm contribuído para agudizar um sentimento de falta de esperança nos alunos de Jornalismo?

Inês Amaral

Seguramente. Este ano talvez tenha sido o primeiro em 21 anos que dou aulas, talvez este tenha sido o primeiro de há muito tempo de uma sensação de falta de esperança. É evidente que há uma crise óbvia, não é? Esta crise não chegou agora.
É óbvio que há um problema imenso, que é como é que se faz dinheiro nesta fase, como é que se faz dinheiro com estes modelos, que modelos são estes, temos que repensar os modelos e tem que haver uma reflexão profunda.
Há um aspecto também muito interessante que é: aparentemente a população começou a achar já há alguns anos, que o jornalismo faz parte do sistema, seja lá o sistema o que for. Não faz o Trump que é bilionário, estranho, mas os jornalistas são o sistema. Ora, dentro desta perspectiva de toda a gente dentro de um saco, é curioso que aquilo que alimenta as redes sociais é precisamente o jornalismo, é aquilo que sai nos média profissionais e é a partir dessa informação que as redes vão discutindo imensas coisas e até começam a desinformar. Portanto, não estão dispostos a pagar por produtos de informação e por um serviço, porque estamos a falar de um serviço, mas estão dispostos a desinformar, a piratear, por exemplo, que é uma coisa muito comum e curiosamente ninguém está disposto a abdicar do jornalismo. Aquilo que eu acho que nós precisamos rapidamente fazer enquanto sociedade é uma reflexão e é de facto pensar o óbvio: não há democracia sem jornalismo, ponto. Mas de facto na sala de aula é possível trazermos outra esperança, é possível pormos as pessoas a pensar e a refletir, não é formatá-las, não é doutriná-las.

Jaime Silva

Agora vamos passar para três perguntas que são comuns aos três, eu pedia que fossem o mais sintéticos possível, porque já ultrapassámos o nosso tempo e a Inês tem a primeira intervenção, depois passamos para o Tiago e por fim o Amílcar. A primeira pergunta tem a ver com o facto de no âmbito desta emissão especial termos ouvido fundadores de outros projetos de jornalismo, que aliás foi algo que o Amílcar já tocou aqui, projetos alternativos como o Fumaça, o Gerador, a Mensagem de Lisboa, que apresentam modelos de financiamento e de funcionamento, mais uma vez, alternativos. Como é que olham para esses projetos e se eles vêm ocupar um espaço vago na paisagem mediática portuguesa?

Inês Amaral

Na minha opinião, sim, seguramente, eu acho que há espaço para projetos diferentes, já não são os chamados projetos experimentais, porque o caso do Fumaça, Gerador, Divergente, a Mensagem de Lisboa, enfim, outros, mostram efetivamente que não são experimentais, são formatos que resultam e portanto há de facto espaço. E há pessoas que procuram esse conteúdo e é interessante perceber que as pessoas estão dispostas a pagar esse conteúdo.

Tiago Serra Cunha

Concordo inteiramente, não querendo estar aqui a repetir, acho que são projetos que são essenciais porque trazem outras perspetivas e permitem fazer uma coisa que no jornalismo dito tradicional não se consegue fazer muito bem, que é jornalismo um bocadinho mais lento, um bocadinho mais pensado, não que não se pense obviamente e que não haja espaço para isso nos órgãos tradicionais, mas como a Inês dizia, nós estamos muitas vezes presos pela ordem do dia, às breaking news, a tudo aquilo que está a acontecer e estes órgãos acabam por trazer um bocadinho mais esse outro lado que nos permite pensar nestas questões e ouvir sobre elas ou ler sobre elas de uma forma mais, eu não quero dizer lenta, porque pronto, é o que se costuma usar para estas coisas, é o jornalismo lento, não é? Mas acho que é mesmo por aí, tanto do lado de quem o consome como do lado de quem o produz. Permite aqui coisas diferentes e que devem obviamente ocupar um espaço, e que ocupam um espaço muito importante, deve ser apoiado e coexistir, não substituindo nunca os médias tradicionais, eu acho, mas coexistir de uma forma harmoniosa, porque acho que cumprem propósitos diferentes e são cada vez mais relevantes por isso.

Amílcar Correia

Nada a acrescentar àquilo que a Inês e o Tiago disseram, caso contrário seria redundante, a única coisa que eu posso dizer é o seguinte: há uma cadeira nos cursos de Jornalismo nos Estados Unidos que se chama Entrepreneurial Journalism, que nós poderíamos traduzir para o jornalismo empreendedor, ou empreendedorismo, que se pode aplicar nestes casos, qualquer um destes projetos faz sentido, eles são alternativos, como disseram, eles acrescentam e não são tão difíceis de montar quanto isso, não é preciso um grande acionista, como no caso do Público ou como no caso do Expresso, e pode ser um bom case study dentro de um curso, dentro de uma turma, pensar como é que alguém consegue gerar o seu próprio emprego, criando um projeto de jornalismo que ainda não exista.

Jaime Silva 

Passando aqui para outra questão, segundo o Reuters Digital News Report, 39% dos jovens dos 18 aos 24 anos utilizam como principal fonte de notícias as redes sociais. Apenas um terço dos jovens inquiridos neste estudo confia nas notícias. Partindo deste dado, como acham que os meios de comunicação tradicionais podem trabalhar para chegar a estas novas gerações? E começamos mais uma vez por si, Inês.

Inês Amaral

Bom, em primeiro lugar, antes dos meios de comunicação, tem que a escola funcionar melhor. Nós temos um referencial de educação para os média, tem que funcionar muito melhor, ou seja, eu, por exemplo, dou formação a docentes na área de literacia mediática. Mas não são 25 horas que vão capacitar as pessoas para ensinar o que é literacia mediática quando elas próprias não sabem, não é? E literacia mediática é um chapéu para muitas outras literacias. A questão de aceder através das redes sociais também traz essa fadiga, e traz essa descrença, por um aspeto óbvio, é que o que encontram são aquilo que vários autores chamam de accidental news, não é? Ou seja, coisas que, entre aspas, lhes aparecem no feed.
E, portanto, não procuraram, alguém partilhou, são informações que têm 10 anos, são informações que não são informações nenhumas, porque não conseguem destrinçar o que é informação profissional do que são os logros que poluem a internet. E, portanto, há, em primeiro lugar, essa questão. A outra é que os meios de comunicação podem, de alguma forma, começar a falar de outra maneira e chegar aos públicos de outra maneira. Esta questão que o Amílcar colocou da inovação é, de facto, muito importante. E nós temos de trazer isso para a sala de aula.

Jaime Silva

Tiago, qual é o ponto de vista de um jovem para chegar aos jovens?

Tiago Serra Cunha

É assim, acrescentando aquilo que a Inês disse, essa questão, e que vocês também referiram, essa questão de que as pessoas hoje em dia estão cada vez mais presentes nas redes sociais. O que eu acho que os órgãos de comunicação social têm de fazer, e que já têm começado a fazer, uns há mais tempo que outros, é certo, alguns ainda estão a dar os primeiros passos nisso, é estar, efetivamente, presentes nessas plataformas com conteúdo, e quando eu digo aqui conteúdo, falo de tudo o que inclui um jornal, uma televisão, reportagens, notícias, explicadores, etc., que seja, efetivamente, informativo, ao mesmo tempo atrativo, para que essas accidental news, como a Inês referia, não sejam tudo aquilo que ocupam o feed das pessoas.

O Público tem feito um excelente trabalho nisso, acho que posso dizer que nós, no Expresso, temos tentado fazer o possível também por isso, poderia dar outros exemplos, mas já que estamos aqui, eu e o Amílcar, posso dar esses exemplos mais concretos. Acho mesmo que é importante fazer esse trabalho, e quando se fala em jovens, acho mesmo que não é só os jovens. É, muito, mas não nos podemos esquecer do pai, da mãe, da avó, que estão cada vez mais ligados ao Facebook ou ao TikTok, que são muito mais suscetíveis às notícias que nós consideramos falsas, ou que, enfim, não é? Aquelas hoaxes que passam nas redes sociais, seja qual for a idade, seja qual for a camada, acho que é importante essa presença para, precisamente, fazer chegar às pessoas aquilo que é informação correta, concreta, rigorosa, pelo menos dentro do possível. Acho que passa muito por aí. Podia dizer muitas mais coisas, mas acho que este trabalho é mesmo, mesmo muito importante, e está um bocadinho atrasado ainda nos órgãos portugueses, mas já se está a fazer muito e melhor.

Jaime Silva

Amílcar, a sua opinião em relação a isto, muito rápido, por favor.

Amílcar Correia

Tentarei. A literacia mediática é absolutamente essencial para ajudar as pessoas a navegarem num mundo cada vez mais complexo, neste turbilhão de produção de conteúdos. Destrinçar o verdadeiro do falso é uma questão que nos é colocada, aos humanos, há 5 mil anos, portanto, não é uma coisa nova. Só que neste momento a manipulação é absolutamente astuta e muito difícil de desmontar, e é necessário fazê-lo. Sob pena de, lembrando-nos da Covid-19, ou até das guerras em curso, sermos perfeitamente enganados e manipulados de forma absolutamente aviltante.
Em relação aos jovens, eu fico muito contente por ouvir este discurso agora sobre os jovens. Eu tentei fazer o P3 em edição, em papel, em 2007. Na altura, deixaram-me fazer isso para me entreter e para não chatear ninguém. Mas a verdade é que, entre lançar o P3 de segunda a sexta, a 20 cêntimos, em 2007, e lançar um jornal gratuito de desporto, a opção foi lançar um jornal gratuito de desporto do qual já ninguém se lembra. Aguentei até 2011 e em 2011 lancei o P3. O P3, como disse há pouco, tinha ligações com a Universidade do Porto, com o INESC, com o JPN e os princípios acho que se mantêm os mesmos, que é: não infantilizar, nada de paternalismos, tem que ser conteúdo feito do target para o target, libertando os jovens jornalistas que chegam à redação de uma formatação que lhes é sempre imposta. O que lhes é pedido é que eles se comportem como se tivessem 40 anos e correspondessem às expectativas de alguém que já está há 20 anos na redação. É necessário que seja esse grupo etário a definir o que é que os seus pares, os seus colegas querem consumir.
No caso das redes, há um discurso diabólico sobre as redes, em alguns casos com razão, em outros casos são discursos perfeitamente gerontocráticos. É possível controlar o feed, é possível ter um feed decente e higiénico, haja literacia para isso. As redes podem-nos dar informação muito útil sobre o que está a passar na Palestina. Esse é um bom exemplo. As redes não são assim tão diabólicas quanto isso. Agora, a presença nas redes exige que haja um domínio da linguagem de cada uma delas. As redações não têm equipas em números suficientes, nem conhecimento suficiente para se posicionarem nas redes. As redes são cada vez maiores. É preciso tomar opções. Vou para o Reddit ou não vou para o Reddit? Aposto no TikTok ou aposto no Twitter? Mas é inegável que os jornais têm que lá estar e têm que ter uma presença de acordo com as expectativas de jovens que têm direito a ter uma informação interessante e feita na perspetiva deles.

Jaime Silva

Uma última pergunta. Tem a ver com o panorama atual. Há razões para acreditar que possa haver um futuro risonho para o jornalismo, começando por Sines?

Inês Amaral

Espero que sim. A ideia do futuro risonho é, por acaso, uma coisa que eu costumo escrever nas fitas dos alunos e das alunas. Eu acho que o futuro risonho pode acontecer no jornalismo, como pode acontecer no mundo, no país, assim as pessoas o entendam, não é? Mas para isso é preciso, de facto, falar para diferentes pessoas, promover a literacia. E há, sobretudo, uma questão que eu acho que fará depender uma resposta se o futuro pode ser risonho ou não. Porque esta ideia de que… Ah, mas como é que vocês querem continuar se não vendem? Mas quando é que venderam? Mas quando é que o jornalismo andou a dar lucro?

Jaime Silva

Obrigado, Inês. Tiago?

Tiago Serra Cunha

Concordo inteiramente com o que a Inês disse, não quero soar redundante. Espero que, precisamente, com essa força, o futuro, não sei se terá risonho, mas pelo menos seja um bocadinho mais risonho e que algumas dessas questões se consigam resolver precisamente através dessas formas. Queria aproveitar este momento, lá está, para não repetir, para dar uma nota muito rápida, como o jovem aqui deste trio, só para dizer, precisamente porque sei que a maior parte das pessoas que nos estão a ouvir, estarão a ouvir, serão efetivamente jovens, estudantes, futuros jornalistas, espero eu, e a pegar numa coisa que também já tinha sido dita aqui neste debate, a questão da esperança. Acho mesmo que, apesar de todo o discurso que às vezes é um bocadinho derrotista e negativo à volta de tudo o que se passa nesta profissão, acho mesmo que os próprios jovens que efetivamente o querem, que queiram tentar… Então trazer essa força, é disso que o jornalismo também precisa. É essa força de vontade, de fazer algo diferente. Não é aquele discurso utópico de que vamos mudar o mundo, eu acho que também não é por aí que podemos pensar, mas se é isso que efetivamente vocês, jovens, querem, façam-no, tragam essa força, que é isso que o jornalismo precisa.
Precisa de vozes que queiram fazer efetivamente a diferença e que queiram levar esta profissão a algum lado, porque, enfim, a situação não é incrível, mas acho mesmo que não podemos ter só o discurso derrotista. Porque, lá está, estas gerações estão-se a formar e pensam sempre “mas eu estou-me a formar para quê?” Não pensem só assim, tragam essa força de vontade, porque acho que é realmente preciso.

Amílcar Correia

Ok, vamos lá fechar então. A nota cética. A nota cética é a seguinte. Há transformações que podem prejudicar o jornalismo a muito curto prazo. A inteligência artificial tem as suas vantagens, mas também tem as suas desvantagens. Uma delas é acabar com o link, e acabando com o link acaba com o tráfego. A outra é a hipótese de as redes sociais começarem a cobrar por partilhas, por posts, por tweets, como os Estados Unidos já tentaram fazê-lo. Isso é mau. Há uma outra questão que a mim mais me preocupa, que é algum recuo das condições da salubridade democrática em alguns países. E esse recuo da salubridade democrática implica também algum recuo das condições para se fazer jornalismo. Mas olhando para o último exemplo dos Estados Unidos durante a presidência de Trump, foi também o momento em que o New York Times aumentou as suas assinaturas e em que o jornalismo mais se robusteceu e recrudesceu. Portanto, a minha mensagem, mais do que esperança é de resistência, é de luta. Mas para isso é preciso que essa luta seja feita por pessoas que não estão no jornalismo à procura do glamour e da apresentação de notícias num canal de informação contínua, mas que queiram sobretudo fazer jornalismo, gostem de ler, gostem de escrever, gostem de pensar, gostem de refletir, gostem de intervir. E o espaço público precisa disso. Precisa de pessoas que não sejam anódinas, que não façam trabalho em vão. Não se trata de mudar o mundo. Cada um luta por aquilo que ama. Se lutarmos pelos outros é apenas uma consequência disso. Mas é de lutarem por si próprios e se acreditam nesta profissão e se detêm por gostarem de contar histórias, que o façam da forma mais honrada possível.

Jaime Silva

E é com essa mensagem de resistência que acabamos o debate. Muito obrigado por estarem connosco.

[Separador]

Lara Castro

As reportagens desta emissão foram realizadas por Beatriz Amorim, Beatriz Magalhães, Camila Teixeira, Carlota Nery, Filipa Ferreira, Jaime Silva, Lara Castro, Luísa Capucho e Maria Rego sob orientação de Filipa Silva e Inês Pinto Pereira. 

Jaime Silva

Algumas das entrevistas que ouviram ao longo da emissão vão ser disponibilizadas em formato alargado no podcast 20 anos JPN que será lançado na próxima semana.

Lara Castro

Esta emissão especial foi criada sob orientação do jornalista Pedro Leal, um dos professores que estiveram na base do nascimento do JPN em 2004. 

Jaime Silva

Da equipa fundadora do projeto fizeram ainda parte os professores Eugénio dos Santos, Helena Lima, Fernando Zamith, Manuel Neto da Silva, Sandra Sá Couto, Hélder Bastos, Dinis Sottomayor, Frederico Martins Mendes, Isabel Reis, Sérgio Nunes, Bruno Giesteira, Cristina Fonseca, Emília Costa, o técnico multimédia Pedro Candeias e os técnicos de audiovisual Ricardo Fortunato e Liliana Rocha Dias. 

Lara Castro

O meu nome é Lara Castro

Jaime Silva

Eu sou o Jaime Silva

Lara Castro

E depois de conduzirmos até aqui esta emissão, dedicada à palavra primordial do JPN, o jornalismo, resta-nos desejar que o projeto continue a crescer e a formar bons jornalistas.

Jaime Silva

20 anos, do JPN, 2 décadas das quais temos orgulho de fazer parte. 

Jaime e Lara

Parabéns JPN!