Terminou na passada sexta-feira (28), a maratona de design promovida pelo “The Circle”, que pretende promover jornalismo colaborativo pela Europa. A iniciativa deixa, agora, no Porto, o rebento de um novo projeto e algumas ferramentas para o desenvolver.

Ao longo de dez dias, a redação do JPN recebeu uma equipa de 8 jornalistas que, em conjunto com a equipa do “The Circle”, trataram de identificar lacunas no panorama da comunicação portuense. Findado o processo, perceberam que há que investir no jornalismo e representação locais.

“O que estamos a criar é um novo hub de colaboração no Porto para colmatar as falhas que existem na região em termos de jornalismo e de criação de conteúdos”, avança ao JPN Francisca Valentim, jornalista no Gerador que, após participar na iniciativa, vai ser uma das caras do projeto. Acima de tudo, salienta que os objetivos recaem no “serviço público” e não em “competir com o que já existe”.

Por agora, estão traçados os contornos gerais do modelo de negócio – que resultará num espaço físico e digital. Ao longo dos próximos três meses, a equipa vai continuar a trabalhar nos detalhes, sob a mentoria de Zahra Salah Uddin, editora na organização Hostwriter e membro do “The Circle”. Além disso, contam com o financiamento de 10 mil euros, cedido pela iniciativa, para permitir o arranque.

Ao longo de dez dias, participantes e organizadores trabalharam para encontrar lacunas e traçar uma estratégia de ação. Foto: Are We Europe

Durante os primeiros tempos, vão testar a ideia com o público: conhecer a comunidade, perceber quais os formatos mais adequados, quais as necessidades a ser atendidas e aprimorar o rumo a seguir. Depois disso, pretendem dar-se a conhecer à comunidade jornalística portuense e iniciar a produção de conteúdos –  focados num jornalismo lento, de investigação, que “dê voz” a assuntos de interesse local mas com abertura para estabelecer pontos comuns além-fronteiras.

Com vista a facultar recursos à comunidade, a equipa vai também fazer um mapeamento regional. Definindo que entidades operam nas várias vertentes, desde órgãos de comunicação até à oferta cultural, querem “agregar tudo num só site, numa só empresa”.

“Vamos ter um mapa online com tudo o que existe a nível de media e de criação de conteúdo, espaços de coworking onde as pessoas possam ir, espaços onde as pessoas possam gravar, por exemplo, podcasts ou pedir material técnico para fazer algumas reportagens”, avança Francisca Valentim.

Numa fase mais avançada, querem criar sede física com “material técnico” que permita à equipa desenvolver conteúdos e trabalhos de investigação, mantendo portas abertas a outros jornalistas. “Queremos colaborar com tudo o que já existe no Porto” e até de outras cidades, completa.

Quando questionada sobre os desafios que o projeto espera enfrentar, Francisca Valentim admite a possibilidade de surgir algum “preconceito” inicial, mas acredita que as pessoas vão acabar por perceber a intenção de ajudar a “resolver problemas locais”.

Mais que isso, salienta a dificuldade em encontrar apoios financeiros – seja por fundos ou da comunidade. Nesse sentido, realça o “poder de compra baixo” dos portugueses e a preocupação “com as próprias despesas”, que diminui a chance de poder contar com contribuições para um jornalismo independente.

O jornalismo portuense tem espaço para crescer e o “The Circle” quer ajudar

De acordo com Francisca Valentim, o projeto foi concebido sob o entendimento comum de que “em Portugal, se calhar habituamo-nos a um jornalismo muito focado nas questões nacionais“, abrindo, por isso, espaço para “falhas” nos tópicos locais.

Também Teresa O’Connell, da organização da iniciativa e membro da revista promotora Are We Europe, diz ter encontrado, no Porto, uma noção “diferente da ideia, definição e daquilo que é aceite como jornalismo no mundo de língua inglesa”.

Teresa O’Connell, da revista Are We Europe (à esquerda) e Francisca Valentim, jornalista no Gerador e ex-aluna do curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto (à direita). Foto: Miguel Marques Ribeiro/JPN

“Creio que, por ser uma cidade que não é uma capital, no sul da Europa, e não pertencente a um dos países da Europa central mais ricos, espera-se que as indústrias criativa e de jornalismo não sejam tão desenvolvidas. Mas é exatamente a quem queremos chegar e, com esperança, ajudar a, lentamente, mudar”, diz ao JPN.

Nesse sentido, destaca a “experiência brilhante” que teve com os participantes, que “se mostraram bastante prontos a redefinir ligeiramente o que é jornalismo em Portugal – que não tem de ser tão rígido e regido por ideais tradicionais”.

“Talvez haja espaço para um tipo diferente de jornalismo e, por aquilo que vejo, para novos projetos”, afirma, salientado que, ao contrário de países como a Alemanha, onde mora e onde a indústria “está muito saturada”, “aqui há espaço para algo de novo”.

“Como jornalistas e profissionais de comunicação temos a responsabilidade de sair da zona de conforto e incluir mais vozes“, remata. Do Porto, o “The Circle” segue para outras localizações da Europa, com passagem prevista em Vilnius, na Lituânia, Mostar, na Bósnia, Lyon, em França e Nápoles, na Itália.