Em entrevista com o JPN, o reitor António Sousa Pereira discutiu o Plano Estratégico 2030, que pretende colocar a Universidade do Porto entre as 100 melhores da Europa. A construção do novo pólo em Matosinhos já tem financiamento garantido, mas prazos apertados podem empurrar projeto para fora dos terrenos da Galp.
Como vai ser o Ensino Superior (ES) do futuro? Em que direção se pretende que caminhe a Universidade do Porto (UP) nos próximos anos? Foi fazendo este exercício prospetivo que a reitoria da UP aprovou recentemente o Plano Estratégico 2030 , um documento onde se explicitam os objetivos de longo prazo da instituição e a propósito do qual o JPN entrevistou António Sousa Pereira, empossado em junho para um segundo mandato à frente da reitoria da UP.
O desígnio é colocar a universidade, até final da década, entre as 100 maiores instituições de ES da Europa e 1.ª em Portugal (este último título, aliás, já lhe pertence, segundo alguns rankings). Para o reitor, “falta muito pouco” para se atingir esse patamar e a construção do novo pólo da UP pode dar o impulso necessário.
O projeto foi pensado para os antigos terrenos da Galp, em Matosinhos, como parte do Innovation District, que a autarquia ali pretende implementar. Ao JPN, o reitor assegura que o financiamento já está assegurado: a “Comissão Europeia fez a aprovação final [da verba] no passado mês de dezembro”, pelo que os 27 milhões de euros de investimento já estão “atribuídos”.
Para já, o processo está nas mãos da Agência Portuguesa de Ambiente (APA), que procede à avaliação do grau de contaminação dos terrenos onde antes funcionou a refinaria. O reitor deixa claro, porém, que “se por qualquer razão a APA se atrasar muito” a emitir o parecer, o plano inicial pode ter que ser alterado.
Sobre os lotes atribuídos à UP, Sousa Pereira não tem dúvidas: “Sabemos, por análises nossas, que têm um grau de contaminação muito pequeno, muito superficial, que é facilmente resolúvel com a retirada da camada superficial da terra”.
O compromisso assumido com a Comissão Europeia impõe a construção no concelho de Matosinhos, não especificamente nos terrenos da Galp. Deste modo, se necessário for, a UP vai “arranjar outra localização” para o projeto, até porque o Fundo de Transição Justa tem que ser gasto (“dê para onde der”) até “dezembro de 2026”.
Residências universitárias: “vão ter que surgir” novos projetos, mas tudo depende do perfil de estudantes que vai ingressar na faculdade nos próximos anos
Outro dos objetivos do Plano Estratégico 2030 (PE2030) passa por aumentar em 50% as camas disponíveis para estudantes. Neste momento, a Universidade do Porto tem quatro novas residências em construção. A mais adiantada é a da Carvalhosa, que a reitoria espera inaugurar “antes do verão”. “Parece-me exequível que no próximo ano letivo já estejam lá estudantes”, diz Sousa Pereira.
Quanto às restantes construções (no Monte Pedral, nos terrenos da FADEUP e nas instalações do CDUP, na Rua da Boa Hora) terão que estar prontas até 2025, pois envolvem verbas do Plano de Recuperação e Resiliência. “Nisso não há volta dar”, diz, taxativo, o reitor. São cerca de 600 camas que passam a estar disponíveis para os estudantes da universidade e que se juntam às cerca de 1200 atualmente disponíveis.
Isto significa, diz António Sousa Pereira que “vão ter que surgir” outros projetos depois de 2025, mas a sua natureza depende também “do perfil de estudantes que vamos ter”, tendo em conta a diminuição da natalidade verificada nos últimos anos. “Houve um pico de nascimentos em Portugal que terá andado no final dos anos 90 pelos 120 mil partos por ano. Daí para cá tem vindo sempre a descer e este ano foram 80 mil. Isto vai acabar por ter reflexos na procura do Ensino Superior”, explica o reitor.
Uma das preocupações da UP, expressa também no PE2030, é assim a “captação de novos públicos”, em particular de alunos mais velhos. ”Temos que criar algo que em Portugal não é muito habitual e que é o hábito das pessoas voltarem à universidade ao longo da sua vida. Isto é um perfil diferente de estudante. Quem está a trabalhar e se inscreve num curso na universidade, porventura em horário pós-laboral ou ao fim-de-semana, não precisa de alojamento. Portanto, temos que ir avaliando e vamos vendo as oportunidades que vão surgindo”.
A captação destes novos públicos pode passar, explica o professor catedrático de medicina, pela criação de “vias alternativas, profissionalizantes”. Em avaliação está a possibilidade dos alunos que fazem um TESP [cursos técnicos superiores profissionais, ministrados nos politécnicos] poderem continuar estudos no ensino universitário.
Financiamento do ensino superior: escalonamento de propinas “amplifica injustiças”
O financiamento é outros dos temas determinantes para o futuro do ES. O objetivo da UP, definido no PE2030, é atingir 55% do total do orçamento em receitas próprias. Sousa Pereira está convencido que, tendo em vista esse objetivo, “a prestação de serviços tem que aumentar”. “Uma universidade como a da UP, com as competências que tem, pode certamente fazer muito em prestação de serviços em consultoria ao mais variado tipo de públicos”.
Em 2021, as propinas tiveram um peso de 15% no financiamento global da universidade (36 milhões em 233 milhões, revela o PE2030). Num relatório recente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico considerou o financiamento obtido através das propinas abaixo do necessário, na globalidade do ES português. A equipa de peritos propôs um escalonamento das propinas para aumentar as receitas obtidas por esta via.
O reitor recusa essa solução, afirmando que ela “amplifica injustiças”. “A equidade social faz-se criando impostos justos e mecanismos para ajudar quem precisa”, explica, defendendo uma aposta em serviços de ação social “justos e eficazes”. “É por aí o caminho, não é por criar propinas diferenciadas”, afirma Sousa Pereira.
Alianças europeias são determinantes para o crescimento da UP
Comparando com outras instituições estrangeiras de referência, refere o reitor, “constatamos que temos níveis de organização e de produção que não nos envergonham”. Para atingir um patamar mais elevado, falta à UP tornar-se mais “visível” e “nesse aspeto, as parcerias europeias podem ser muito importantes”.
Entre os projetos em rede de carácter internacional que a universidade desenvolve, destaca-se a Aliança Transnacional (AT), um projeto financiado pelo programa europeu Erasmus+. No caso da UP, a Aliança envolve instituições dos “quatro cantos da Europa”: desde Paris-Saclay, a Tomso, na Noruega, ou Novi Sad, na Sérvia.
Futuramente, é possível imaginar que o programa Erasmus+ possa evoluir para um sistema de mobilidade simplificado, em que os alunos podem circular entre as universidades pertencentes a cada consórcio. Vão ter “a possibilidade de começar um ano aqui no Porto, fazer um ano em Paris e acabar em Munique”.
O reitor da UP refere que o objetivo é que, no futuro, “50% dos estudantes entrem em programas de mobilidade dentro da Aliança”.
Uma universidade sem muros, baseada em “formações multidisciplinares”
Para além das barreiras que persistem entre universidades oriundas de diferentes geografias na Europa, o futuro da UP passa por fazer desaparecer divisões que possam existir dentro da própria instituição. Neste sentido, o PE2030 prevê que se adote a visão de uma “universidade sem muros”. A ideia já vem sendo trabalhada há alguns anos e existem exemplos de “formações multidisciplinares, que envolvem várias faculdades na sua lecionação”, refere Sousa Pereira.
A meta da equipa reitoral é generalizar a sua existência. O estudante deverá ter a “possibilidade de frequentar disciplinas” fora da sua faculdade de forma a ter “uma formação o mais completa possível”. “Estamos convencidos”, acrescenta Sousa Pereira, “que dessa forma formaremos pessoas com uma visão muito mais holística do mundo e pessoas muito mais preparadas para os desafios do futuro”.
Até porque “o mundo está a mudar e muda a uma velocidade muito mais rápida do que era habitual”, acrescenta o reitor. “Há 40 anos atrás vivemos uma tendência de superespecialização. Hoje estamos a fazer o movimento inverso”, a “dar formações o mais abrangentes possível”. A polivalência tornou-se um princípio fundamental que resulta do facto das profissões do futuro envolverem “múltiplas capacidades e múltiplas competências”.
Universidades continuam à espera que novo modelo de acesso ao ES seja apresentado
Está em curso a discussão de novo modelo de acesso ao ES. Para já, o que existe “é um conjunto de propostas que têm vindo a ser discutidas”. Ou seja, falta o governo apresentar um plano concreto. Contudo, Sousa Pereira não tem dúvidas: “não pode ser continuar tudo na mesma”.
Para o reitor da UP, uma mudança do modelo “mexe com tradições que estão instaladas. Mexe com hábitos enraizados. Mexe porventura com alguns negócios que se estabeleceram na área do ensino. Percebemos que é uma questão delicada”.
O problema da inflação das notas, referido pelo executivo e por outras instituições do setor é “óbvio”, pelo que compete aos políticos “dar os sinais certos” na nova lei que venha a ser aprovada.
Um projeto para concretizar nas próximas décadas
O tempo da UP do futuro tem que ser medido no longo prazo. Vai “ser desenvolvido a 20, 25 anos“, diz o reitor a propósito do novo pólo da UP, a construir em Matosinhos. “Não é para ser implementado por mim e duvido que seja pelo meu sucessor, mesmo que ele faça dois mandatos”.
Para já, o PE2030 permite pré-visualizar uma universidade a funcionar em rede com outras congéneres europeias, uma instituição de porta aberta para estudantes de diferentes gerações e cada vez mais apta a garantir a sua independência financeira.