A intenção é combater a inflação indevida das notas, mas a medida pode reduzir o número total de colocados, alerta a CCISP. Projeto do novo modelo deverá estar pronto até final de janeiro.

CRUP está de acordo com o novo modelo de acesso ao ensino superior. Foto: Gabriella Garrido

O Governo está a preparar uma proposta de revisão do modelo de acesso ao ensino superior. As linhas gerais têm sido trabalhadas, nos últimos meses, com as entidades do sector, mas a primeira versão do texto legislativo ainda está em fase de elaboração.

Do que já se sabe, a intenção do ministério liderado por Elvira Fortunato é reforçar o peso dos exames, que podem passar a valer 50% da nota de candidatura, em vez dos atuais 35%, revelou, em primeira mão, o Jornal de Notícias.

Contudo, a opção de aumentar o peso da prova nacional em detrimento das notas obtidas pela frequência das disciplinas durante o secundário divide as opiniões das entidades ouvidas pelo JPN.

Maria José Fernandes, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), considera que o principal é assegurar que o número de alunos inscritos no ensino superior continuar a crescer, tal como verificado nos últimos anos.

A dirigente do CCISP recorda que parte do bons resultados obtidos recentemente (e que proporcionaram até um novo recorde de inscrições em 2021, com 441 mil novos estudantes) se deve precisamente, em parte, ao modelo atualmente em vigor, pelo que a proposta feita pelo governo para alterar as regras lhe “suscita algumas dúvidas”.

O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) prefere não se pronunciar nesta fase, “para não perturbar o processo”, mas fonte autorizada para falar sobre o tema referiu ao JPN que “na generalidade, o CRUP concorda com as medidas propostas”.

A única ressalva colocada pelo conselho de reitores ao aumento do peso dos exames na nota de acesso é a criação de condições para uma implementação faseada do novo modelo: é importante “não mudar as regras a meio do jogo”, pelo que as novas normas não são “algo que se possa aplicar já no próximo ano”, referiu fonte do CRUP ao JPN.

João Machado, da Federação Académica de Lisboa (FAL), também concorda com as alterações avançadas pelo executivo: “os exames podem ser uma barreira, mas são uma barreira necessária”, diz ao JPN. Para o dirigente académico, “é preciso um sistema que reconheça o mérito e o trabalho que os estudantes vão fazendo”.

O tema parece assim pôr em confronto duas visões: uma que coloca o foco na definição de critérios de qualidade no acesso, outra que quer sobretudo garantir que o fluxo de alunos continua a aumentar.

Maria José Fernandes lembra que o “indicador [relativo a 2021] dos 50% de jovens [com 20 anos] a estudar no ensino superior é importante, mas há 50% de jovens que continuam de fora”.

Para a professora e dirigente do ensino politécnico, o fundamental é não “regredir naquilo que são os números de colocados no ensino superior”.

Ouvido pelo JPN, o presidente da Federação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico (FNAEESP) reconhece que os exames são importantes como “um fator igualitário entre os candidatos ao ensino superior”.

Contudo, sublinha João Pedro Pereira, “não concordamos que o exame valha mais que uma média interna”, porque “uma prova de três horas ou duas horas não pode valer mais do que três anos no caminho de um estudante”. 

Solução para a inflação das notas e quotas para alunos carenciados

O novo modelo, cuja versão final ainda está em fase de elaboração pelo governo, procura responder à inflação das notas detetada em alguns estabelecimentos de ensino. Mas a estratégia agora anunciada não convence todas as entidades ouvidas pelo JPN.

“Acreditamos que existiam outras formas” de combater a inflação das notas, diz João Pedro Pereira, da FNAEESP, como “anexar” os resultados dos exames nacionais “à média interna da disciplina”, uma ideia que está em linha com o proposto pelo Conselho Nacional de Educação.

Maria José Fernandes diz que “o CCISP está sensível a esta questão” mas que as “medidas propostas vão afetar o sistema como um todo”, quando deviam atacar, em concreto, o problema do empolamento das classificações.

Para a FAL, os dados sobre a inflação de notas no secundário “são preocupantes” e o mais relevante é valorizar a possibilidade, também adiantada pelo governo (adianta o Jornal de Notícias) de criar quotas especiais de acesso para alunos com particulares dificuldades económicas.

Uma ideia antiga e que pode finalmente ver a luz do dia no novo modelo de acesso que a secretaria de estado do Ensino Superior está a desenhar: é preciso que “todos os estudantes, mesmo aqueles que tenham muitas dificuldades de partida, possam ter acesso ao ensino superior, e que haja assim um regime especial para esses estudantes, que não tendo as mesmas condições de partida que os outros, merecem ter as oportunidades de chegada ao ensino superior”, explica João Machado, presidente da FAL.

Até ao final de janeiro, o governo deverá avançar com o desenho final da proposta.

Artigo editado por Paulo Frias