A intenção faz parte do Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação para o quadriénio 2021-2025, que o governo colocou a discussão no site ConsultaLEX.

A medida vai permitir que possam ingressar no ensino superior, através de um contingente especial, os alunos de escolas inseridas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP),  designação que abrange zonas do país com especiais carências económicas e sociais.

Ainda não se sabe em que ano letivo a medida entrará em vigor, mas a União Europeia definiu o final de 2022 como data limite para os estados-membros aprovarem medidas de combate ao racismo e à discriminação social, previstas no seu próprio Plano de ação para 2021-25.

Para Portugal, trata-se do “primeiro plano nacional” que visa tratar esta problemática, refere, em comunicado, o Ministério do Estado e da Presidência (MEP).

O Governo espera que a sua proposta possa funcionar como um “verdadeiro instrumento de transformação coletiva e de reforço da coesão social”.

O Plano tem por base um relatório preliminar elaborado pelo Grupo de Trabalho para a Prevenção e o Combate ao Racismo e à Discriminação, criado, em novembro de 2020, pela Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, tutelada pelo MEP, no âmbito do qual o Governo auscultou cerca de 60 entidades.

O documento continua em consulta pública até 11 de maio.

Falta fazer um diagnóstico efetivo, alerta SOS Racismo

Satisfeito pelo facto de a proposta ter visto a luz do dia, o SOS Racismo gostaria, porém, de ver o executivo preocupar-se em “perceber primeiro os problemas, para depois encontrar as soluções”.

Em declarações ao JPN, a organização antirracista ressalva estar ainda a analisar o documento, mas Nuno Silva, do núcleo do Porto, adianta que existe em Portugal uma lacuna de conhecimento crónica sobre o “racismo estrutural e institucional”.

Assim, a prioridade deveria ser a de elaborar um diagnóstico efetivo da situação no sistema educativo e estabelecimentos de ensino.

“É necessário primeiro recolher dados étnico-raciais para, a partir daí, termos conhecimento da extensão do fenómeno” e poder construir respostas viáveis, acrescenta.

Há desigualdade no acesso ao ensino superior

Pedro Dominguinhos, que falou com o JPN enquanto presidente do Instituto Politécnico de Setúbal (IPS) – dado que o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, a que também preside, só discutirá o problema na próxima semana -, sublinha que “temos em Portugal uma situação de desigualdade no acesso ao ensino superior” que é preciso resolver.

Este problema agrava-se quando consideramos os cursos com média de entrada mais elevada: “aí a diferença aumenta consideravelmente, porque sabemos que a preparação para entrar nos cursos com as médias mais altas exige, em muitos casos, o pagamento de explicações e de outro tipo de apoios”, reflete.

Dominguinhos sublinha que o problema não é só português: a “inclusão é uma temática cada vez mais relevante” ao nível das políticas europeias para o ensino superior.

As experiências francesa e irlandesa, de criação de quotas para populações desfavorecidas, são boas referências em que Portugal se pode inspirar.

A este respeito, Nuno Silva, do SOS Racismo, evoca também o exemplo do Brasil, país onde a implementação do sistema de quotas “democratizou o acesso ao ensino superior”.

Criação de quotas pode ser motivação adicional para alunos TEIP

Ana Rangel, diretora da Escola Secundária de São Pedro da Cova, um estabelecimento TEIP, assiste todos os anos à batalha dos alunos para conseguirem suplantar as dificuldades resultantes das condições socioeconómicas, muito difíceis, em que vivem inúmeras famílias desta freguesia de Gondomar.

“Todos os anos temos alunos que querem prosseguir estudos”, ainda que sem poder financeiro para aceder a explicações. Muitos conseguem alcançar a vaga almejada, mas não necessariamente nas primeiras opções: “entram em instituições do ensino superior que ficam longe de casa e, depois, acabam por não poder ir, porque não têm condições económicas para o fazer”.

Ana Rangel acredita que, caso esta medida venha a ser aprovada, ela servirá como “uma motivação extra” para os alunos e que será natural aumentarem os alunos de escolas TEIP a tentar entrar no ensino superior.

As vantagens são claras, mas é preciso também “calibrar a medida”, alerta o professor Pedro Dominguinhos.

Os TEIP estão espalhados pelo país e são territórios muito diversificados. Eles próprios acolhem pessoas de perfil socioeconómico muito diverso.

Estas questões têm que ser trabalhadas quando a proposta adquirir a força de uma medida legislativa, caso contrário corre-se o risco de estar a dar prioridade a quem não precisa.

Contingentes específicos podem abarcar 20,5% dos candidatos durante primeira fase

A lei de acesso ao ensino superior prevê várias situações de exceção ao concurso geral.

Para além dos concursos especiais (com vagas e regras próprias, aplicadas a diversos tipos de candidatos – a lista é extensa e pode ser consultada aqui) existem os contingentes especiais, que se distinguem dos primeiros por entrarem no âmbito do concurso geral de acesso, estipulando uma percentagem de vagas que serão preenchidas prioritariamente por grupos específicos.

É o caso, por exemplo, dos candidatos militares, que têm direito a 2,5% das vagas colocadas a concurso na primeira fase, mas também dos candidatos oriundos da Madeira (3,5%), Açores (3,5%) e emigrantes (7%). Os candidatos com deficiência são os únicos com direito a uma percentagem na primeira e segunda fases (4% e 2% respetivamente).

Feitas as contas, os candidatos colocados, através de contingente especial, durante a primeira fase do concurso geral de acesso ao ensino superior, poderão somar 20,5% do total de vagas fixadas.

Diversas ações previstas para o ensino superior

No Plano agora apresentado, há diversas ações de discriminação positiva, destinadas a combater “desvantagens que ocorrem no cruzamento da origem racial e étnica com outros fatores de discriminação, entre os quais, o sexo, a religião, a idade, a instrução, a situação económica, a condição social, a orientação sexual, a identidade de género e a nacionalidade.”

Entre as acções previstas especificamente para o Ensino Superior, para além da criação de quotas de acesso, destaca-se a ideia de mobilizar as universidades e politécnicos “para criarem incentivos para estudantes das escolas TEIP no âmbito do Impulso Jovem STEAM (no quadro do Plano de Recuperação e Resiliência)”.

Outro objetivo passa por promover o acesso ao ensino superior de jovens de etnia cigana, “designadamente através do Programa Operacional de Promoção da Educação (Programa OPRE) e do Programa ROMA Educa”.

TEIP permitem combater abandono e insucesso escolar

Os TEIP abrangem, segundo dados do Ministério da Educação, 136 agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas.

Adquirem esse estatuto, os estabelecimentos de ensino básico e secundário integrados num território particularmente carenciado em termos económicos e sociais.

Isto permite a esses estabelecimentos receberem apoios específicos para a implementação de políticas que visem a “prevenção e redução do abandono escolar precoce e do absentismo, a redução da indisciplina e a promoção do sucesso educativo de todos os alunos”.

Entre as medidas específicas que as escolas podem adotar, inclui-se a aposta em metodologias educativas inovadoras e uma gestão curricular flexível.

Artigo editado por Filipa Silva