Realizado em 1942, o filme que separou polícias e ladrões e juntou pequenos e graúdos, em frente ao televisor, foi (e continua a ser) um retrato fiel da geração do “pé descalço”. Entre a Foz e a Ribeira, Carlitos, Teresinha e Eduardinho deram uns mergulhos no rio, brincaram ao pião, tiveram os primeiros jogos de conquistas e arrufos.

Mas o filme que pintou o Porto a preto e branco, quase perdeu a menina dos caracóis. Fernanda Matos, a Teresinha que encantou os portugueses, recorda um verão muito quente em que pediu à mãe para desistir. O dever falou mais alto e a protagonista teve mesmo de continuar. “E ainda bem”, admite Fernanda Matos, ao JPN.

Hoje não se arrepende e sente-se muito grata pela oportunidade de mostrar aos netos a avó pequenina.”É uma herança”, diz. Tal como Aniki não perdeu Fernanda, há quem faça por “congelar as memórias” da cidade onde correram os miúdos de Aniki Bóbó. Bárbara Veiga, realizadora do documentário “Viagem até casa”, conheceu Aniki Bóbó numa infância bastante distante da representada no filme.

Aniki vai à escola

O filme que procurou representar as aulas de há 70 anos na “Escola dos Rapazes” vai agora fazer parte da lição para raparigas e rapazes. No ano letivo 2012/2013, Aniki fez parte do projeto piloto do Plano Nacional de Cinema para o 5.º ano, um aspeto que António Preto considera fulcral para a formação dos alunos e sobretudo para a afirmação do cinema português.

“A minha avó, muitas vezes, conta-me histórias da sua infância, e isso faz parte das minhas memórias, são memórias que eu acabo por receber, de alguma forma”, conta a realizadora ao JPN. Vencedora do Grande Prémio da 8.ª Mostra Internacional de Filmes de Escolas de Cinema (MIFEC), Bárbara Veiga ficou surpreendida com a ausência de barreiras na interpretação da mensagem, com a diversidade de línguas que conseguiu falar através de 25 minutos de som e imagem.

Se “Viagem até casa” foi bem recebido pela crítica, a mesma sorte não teve Manoel de Oliveira há 71 anos atrás. António Preto, especialista na obra do realizador, explica que “o filme foi mal recebido porque retratava a vida de um conjunto de crianças da Ribeira, no Porto, sendo que essas crianças tinham um comportamento adulto que era transgressivo e que punha em causa a autoridade policial”, o que tirou o realizador detrás das câmaras durante 14 anos.

Mas, recentemente, são já muitos os que têm homenageado a obra do cineasta, recordando com especial carinho este conto de meninos pobres que tinham atitudes de crescidos e viviam num Porto que muitos conheceram. Passadas sete décadas de história, Aniki Bóbó já não é mais Aniki Bebé. Aniki Bóbó é um filme em que a história fez História.