Batendo o recorde de público das edições passadas, as salas cheias deram espaço aos escritores para debater de tudo um pouco nesta que foi a 15.ª edição do Correntes d’Escritas. Foi discutido o papel da Cultura em Portugal, a necessidade de se investir na literatura e a importância deste e de eventos do género para alavancar e desenvolver o país que, nas palavras de Maria Teresa Horta, “nestes últimos dois anos tem severas razões de queixa do atual Governo. Do seu tão nosso conhecido desprezo pela cultura”.

Em conversa com o JPN, o autor Valter Hugo Mãe exaltou o bem-estar que o Correntes d’Escritas traz a quem escreve e a quem lê: “É um lugar onde se juntam os autores, os leitores, os editores e os jornalistas criando desde logo um bem-estar que eu acho que beneficia muito a forma como depois todo o ano literário funciona”.

Por entre conversas, debates, partilhas e lançamentos de livros, a mesa cinco de sábado, 22 de fevreiro, foi uma das que mais deu que falar. “Cada livro é a antologia corrente da existência” contou com a presença de Carlos Quiroga, Joana Bértholo, Manuel da Silva Ramos, Manuel Jorge Marmelo, Miguel Sousa Tavares, Ondjaki e Rui Zink e foi moderada pelo tradutor Michael Kegler.

“O exercício da literatura torna possíveis coisas que a realidade não permite”

Em jeito de graça, Carlos Quiroga partilhou um novo e inovador produto que descobriu: o “Local de Informações Variáveis Reutilizáveis e Ordenadas (ou L.I.V.R.O)”. De tão simples funcionamento que até uma criança pode utilizar, sem circuitos elétricos ou necessidade de se ligar à corrente.

Joana Bértholo deixou claro que os livros perpetuam a vida. Afinal, “um livro está para a existência como uma flor está para um jardim”. Também para Manuel da Silva Ramos os livros se “interpenetram com a vida” e, através de histórias da sua vida, mostrou como até a vingança pode ser perpetrada num livro.
Para Manuel Jorge Marmelo, “depois de passar pelo filtro da literatura, os acontecimentos já não o são. Passam a ter uma vida independente e a ser verdades às quais a ficção impôs as suas regras”. De qualquer das formas, a escrita permite a transposição para uma realidade paralela “onde o exercício da literatura torna possíveis coisas que a realidade não permite”.

Concordando com o vencedor do “Prémio Literário Casino da Póvoa”, Miguel Sousa Tavares disse que, para si, a história e as personagens são o “coração, sangue e sistema circulatório de um romance”. A função do escritor é meramente a de contador da história, mas as suas palavras não passam de “um instrumento que preenche os silêncios da história e a ligam”.

“Arte poética proponho. E liberdade!”

“Ah, a literatura! A beleza desmedida!”, resume Maria Teresa Horta. “Ah! As palavras no rasto dos versos! Na construção poética, estrofe após estrofe, neste zelo de área e sinfonia, canto e coro, misterioso cuidar de sílabas, de rimas e metáforas”.

Num encontro em que a literatura, e em particular a poesia, foram apontados como fonte essencial de uma democracia, Maria Teresa Horta remata: “Há muito que mudar a linguagem, seduzir a exultação derrubando aquilo que é tido como solitário trabalho e estigma literário, com a farpa, com o aço de um punhal a beber no coração desatino, o vício da criação no seu perdimento armadilhado. Arte poética proponho. E liberdade!”.

Os dias 20, 21 e 22 de Fevereiro foram marcados pelas palavras que tudo disseram de quem tem muito para dizer. Num mundo em que um livro é muitas vezes substituído pela televisão ou pelo computador, a Póvoa de Varzim veio contrariar a corrente e o Correntes d’Escritas mostrou a força que a literatura tem.