Eram dez horas da manhã, quando, neste sábado, deu-se início à primeira mesa do último dia do Correntes d’Escritas 2014. O tema, “Coração de correntes desabitado: a poesia”. Discutiu-se qual a importância sensitiva na criação poética e, para isso, estiveram presentes nomes fortes da literatura, como Elgga Moreira, Inês Fonseca Santos, Manuel Rui, Pedro Teixeira Neves, Uberto Stabile, Vergílio Alberto Vieira e José Mário Silva, como moderador.

Ao meio-dia foram lançados dois livros na sala Eça de Queirós, como foi habitual ao longo de todo o evento. “A Misericórdia Dos Mercados”, da histórica editora Assírio & Alvim, foi apresentado como um livro de poesia que retrata o tempo presente e a alienação social a partir da economia e dos mercados. Foi também apresentado o livro “Os passos em volta dos tempos de Eduardo Lourenço”, de Carlos Câmara Leme, da Verbo Editora, que retrata um intensivo estudo sobre a obra do escritor e pensador, onde são abordadas temáticas como o conceito de tempo e o seu inerente enigma.

“O lápis é um instrumento de auto-ajuda”

Pouco tempo depois deu-se início à mesa seguinte, “Não são minhas as correntes que escrevo é outro que as escreve em mim”. Contou com a presença de Andrés Neuman, Inês Pedrosa, José Rentes de Carvalho, Manuel Rivas, Onésimo Teotónio Almeida, com moderação de Ana Sousa Dias. A sessão foi marcada pelo sublinhar da força constante da intertextualidade na escrita como elemento sempre presente na sua criação. Inês Pedrosa, romancista e atual diretora da Casa Fernando Pessoa, sublinhou o excelente trabalho da organização da presente edição do Correntes d’Escritas.

Não terminou sem uma pequena homenagem a Maria Teresa Horta, descrevendo-a como sendo “alguém que rasgou o hábito de obediência em que se envolvia a língua portuguesa. E já merecia homenagem dos homens portugueses. Antes dela, poucos enalteceram a beleza masculina da mesma forma”, disse. Para a escritora, a escrita é “anestésica e clarificadora”, onde tudo o que é prolixo lhe confere um método exponencial no ato criador, e remata, afirmando: “São os outros que me escrevem, não sou eu”, referindo ainda que “a literatura faz florir os túmulos”.

Um sentimento unânime

O Correntes d’Escritas 2014 trouxe à Póvoa de Varzim escritores de expressão ibérica de cada canto do mundo. Num encontro em que se discutiu de tudo um pouco, uma ideia foi unânime: é necessário apoiar a Cultura. Nas palavras de Luís Diamantino, “é importante que se veja a Cultura como um investimento de presente, mas, acima de tudo, de futuro”.

Manuel Rivas, poeta e romancista espanhol começou logo a sua intervenção reiterando que “o lápis é um instrumento de auto-ajuda”, fazendo adivinhar todo o hino à literatura que posteriormente comprovou no seu discurso. O autor vê na vida da literatura “um outro que há em nós. Um fugitivo”. Embalou o seu discurso com dois poemas que captaram a atenção do público, e concluiu o seu pensamento retratando o escritor como “emigrante, que se move entre o visível e o invisível”.

Outro destaque foi para a intervenção de Onésimo Teotónio Almeida, escritor açoriano e professor catedrático na Brown University, EUA. O escritor arrancou sorrisos e gargalhadas constantes à plateia, sempre incutindo no seu discurso um tom de força humorística elegante, dançando entre o uso de pequenas anedotas e assuntos mais sérios, como é caso da referência que fez ao poeta Jorge De Sena e à importância que a sua escrita epistolar representou para a evolução literária portuguesa.

Por fim, abordou também a questão da responsabilidade, dos direitos de autor e da originalidade literária. Deu também especial enfoque à importância económica na arte através do seu exemplo pessoal: certo dia, um jornalista criticou o autor, que prontamente lhe pediu justificações. O jornalista respondeu-lhe da seguinte forma: “Não tenho responsabilidades no que escrevi. Deve pedi-las é a quem me paga para escrever”.

“Abraçaram-me, deram-me beijos e isso não é quantificável”

Foi com o início da sessão de encerramento que chegou também o início do fim da 15.ª edição do Correntes d’Escritas. Apesar de ainda estar programada para esta segunda-feira, dia 24, uma última mesa no Instituto Cervantes, em Lisboa, da parte da Póvoa de Varzim o trabalho está feito. Mas, nas palavras do vereador do Pelouro da Educação e da Cultura da Câmara da Póvoa de Varzim, Luís Diamantino, “a história da Correntes d’Escritas faz-se todos os anos e já se está a preparar a do próximo ano”.

Para encerrar em beleza, foram atribuídos os prémios anunciados na abertura do encontro, de onde se destaca o Prémio Literário Casino da Póvoa, entregue a Manuel Jorge Marmelo, pela obra “Uma Mentira Mil Vezes Repetida”. O vencedor agradeceu o carinho das pessoas, que sentiu estarem genuinamente felizes pela sua vitória e que o abordaram, demonstrando isso.

Abraçaram-me, deram-me beijos e isso não é quantificável”. Jorge Marmelo fez referência ainda às suas origens, neto de analfabetos e filho de pais com a 4.ª classe, e para o facto de que, agora, estava ali, naquele momento, a receber um prémio de literatura. Aplaudido pela plateia, disse que isto só se tornou possível pela existência do ensino público universal e gratuito em Portugal. Apelou à sua defesa e a um maior apoio aos professores, que ultimamente só veem cortes no salário. Terminou com uma mensagem a todos os alunos que concorreram a prémios literários: “Se, para mim, é possível, para vocês também é. Continuem a acreditar!”.