Depois de um primeiro dia intenso, o Hotel AxisVermar despertou às 10h da manhã do segundo dia do encontro literário de escritores de expressão ibérica. No centro de congressos do local, entram em Mesa de debate com o tema “palavras correntes = x” Afonso Cruz, Hélder Macedo, Ivo Machado, Miguel Real, Patrícia Portela e Valério Romão. Moderados por João Gobern, discutiram a existência, ou não, da lógica na linguagem e no seu uso.

Ivo Machado, poeta e novelista português, deixou muito presente a ideia de que na matemática pura “não importa o conteúdo, mas sim o respeito escrupuloso pela forma”. Pelo contrário, a criação artística vive dos sentimentos. “A matemática de nada nos serve quando fazemos somas emocionais”, conclui, afinal e já dizia o poeta Almada Negreiros que “um mais um é igual a um. E isso é o amor”.

“Todos escrevemos mal”

“Os novos escritores não escrevem mal”, afirmou Miguel Real, romancista e professor de filosofia. Na realidade, “todos escrevemos mal”. Ao contrário de Ivo Machado, interpretou o tema de forma mais absoluta e deixou a ideia de que, embora duvide que os artistas de hoje e os de ontem partilham a mesma ética, os jovens escritores “tomam novas ousadias estilísticas que, futuramente, se tornam elas mesmas em novos estilos”.

Já Afonso Cruz criticou as tertúlias de hoje pela falta de senso crítico e debate. A sessão não terminou sem uma sentida homenagem a Mário Cesariny por parte de Hélder Macedo que exaltou a sua importância para o desenvolvimento da cultura.

Patrícia Portela, estreante no Correntes d’Escritas, desconstruiu o título de debate e numa perspetiva lógica e filosófica concluiu que “uma palavra não é o silêncio, diz respeito ao ruído. E as palavras não são só literárias, são metafísicas”. Não fugindo à lógica, à filosofia, à física e à metafísica, Patrícia Portela presentou o seu mais recente livro, “Wasteband”. Ao lado da autora, também João Gobern apresentou a obra “Pano para Mangas” que reúne mais de 1500 crónicas do escritor.

O mundo que temos “não nos chega”

A terceira mesa do Correntes D’Escritas – “A ficção nos livros é corrente de verdade” – moderada por Isabel Lucas, contou a presença de Ana Margarida de Carvalho, António Mota, Michel Laub e João Ricardo Pedro. Por entre histórias de vida, organizações de conceitos, definições de realidade e ficção, discutiu-se a relação ambígua entre aquilo que é ficção e a própria realidade.

Ana Margarida de Carvalho considerou que o seu lado de jornalista a prende à verdade “embaraçosa” que “pode estar enganada e arruinar uma história ou uma frase”. Ao que parece, “a verdade não é de confiança”. Mas acredita que, independentemente disso, “a vida imita a arte”, embora a ficção acrescente mais mundos ao mundo. Ao que parece, o mundo que temos “não nos chega”.

Por entre histórias de vida, brincadeiras e boa-disposição, António Mota levou gargalhadas à audiência. Desde os tamancos que fabricou com o pai, às experiências no campo da pesca, às “correntes” da bicicleta que, e talvez como qualquer coisa corrente, quando “soltas custam imenso a engrenar”.

A literatura como “expressão pessoal”

Mas a verdade é que mesmo a quilómetros de distância é possível estar-se acorrentado, e o Correntes d’Escritas é prova disso, a língua une o que de melhor há em diferentes países. E assim a língua portuguesa muda de sotaque. Para Michel Laub, jornalista e escritor brasileiro, “o jornalismo usa verdades para mentir, a ficção usa mentira para contar a verdade”.

A literatura é, para si, uma “expressão pessoal”, mas para valer a pena ler, tem de vir do “ponto escuro incómodo dentro de nós” que não está “impregnado por ideias alheias”.

Nas palavras de Florbela Espanca “ser poeta é ser mais alto, é ser maior” e chegou de quem se perde na poesia. “De correntes e cont(r)a-correntes se faz a poesia” foi a quarta mesa do evento. Com a presença de figuras como Ana Luísa Amaral, Golgona Anghel, João Moita, Margarida Ferra e Valter Hugo Mãe, na mesa moderada por Isabel Pires de Lima falou-se de tudo um pouco, desde os grandes clássicos da poesia portuguesa, ao seu papel na democracia.

Para Ana Luísa Amaral, “a poesia move-se em espaços que não podem ser controlados e confinados”. Relacionando o poder da poesia com a democracia, defendeu que a poesia é uma liberdade, dá voz a quem quer ter voz e foi isso mesmo que a democracia trouxe, a possibilidade de ter uma voz e não apenas o direito ao voto.

“Investirmos na criação poética é investirmos na solidão”

Golgona Anghel acrescentou que “a palavra poética é aquela que descola os lugares, inventa um lugar que não tem lugar, está fora do sítio”. “Cada poema é a morte e a ressurreição da língua”, disse.

Mas, se a poesia está em todo o lado, para João Moita está também na solidão: “investirmos na criação poética é investirmos na solidão”. Acredita que não é a poesia que atua sobre o homem, mas que o homem atua por meio da poesia. E chegou a vez de Margarida Ferra, que se considera demasiado económica para a narrativa em prosa e que a sua paixão pela poesia passa pelo seu fim único de criar imagens.

A sessão terminou com a boa disposição de Valter Hugo Mãe que leu “um texto malcriado e um texto bem-criado”. À volta das mesas, indo contra ou a favor da corrente, as salas do Axis Hotel encheram-se mais uma vez para ouvir as palavras daqueles que levam o português a outras partes do mundo.