No seguimento do ciclo literário “Porto de Encontro“, teve lugar, esta quarta-feira, na Casa da Música, um tributo a Sophia de Mello Breyner. A escritora portuense foi recordada por familiares e amigos, sob o olhar atento e fiel de uma Sala Suggia com mais de mil pessoas.
Teresa Andresen, sobrinha da escritora, inaugurou a sessão, afirmando que “recordar Sophia é tão honroso como intimidante”. Lembrou momentos, lugares e experiências que viveu com a tia, no Porto e não só. Evocou os jardins, as flores, a terra e o mar, e disse ser “ainda possível reviver os cenários dos seus contos” em locais como a quinta dos avós de Sophia, e que, hoje, é o Jardim Botânico da Universidade do Porto. Já em Lisboa, na casa de Sophia e de Francisco Sousa Tavares, “ousava-se e mantinha-se um olhar atento em relação a tudo”. Reproduziam-se as “vivências do Porto e havia um enorme sentido de alegria pela vida”.
O encontro com Miguel Torga
Na década de 40, Miguel Torga veio ao Porto fazer uma conferência no Clube dos Fenianos. Sophia de Mello Breyner foi assistir à conferência, acompanhada por Fernando Valle Teixeira, um amigo comum dos dois escritores. No final, Valle Teixeira apresentou a escritora a Torga e disse-lhe que Sophia escrevia poemas. Nesse momento, Miguel Torga diz: “É tão bonita que não precisava de escrever poemas”. A poeta ficou furiosa com o comentário e, pouco tempo depois, enviou-lhe 12 poemas. Torga reconheceu, então, o valor da jovem escritora e ajudou Sophia na publicação do primeiro livro.
Carlos Mendes de Sousa, ensaísta e professor de literatura na Universidade do Minho, disse que “o nome Sophia está inscrito no céu mais alto da literatura nacional”. Destaca, na obra da poeta, a verdade que caracteriza o seu legado, não existindo “enfeite, nem palavras a mais”. Mendes de Sousa afirmou que “aquele que precisa de poesia não precisa dela para ornamentar, precisa dela para viver”.
“Sophia, o milagre da nossa alma”
Também Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, participou na homenagem à escritora. Sobre Sophia disse poder “partilhar o orgulho de ter conhecido o exemplo de cidadania e não apenas o seu lado artístico”. Citou Maria Velho da Costa, quando diz que a poeta portuense foi “um milagre que aconteceu à nossa alma”. E acrescentou: “Sophia foi um milagre que aconteceu à cidade do Porto”. Rui Moreira afirmou que a escritora foi uma dedicada portuense e partilhou ainda a sua visão sobre a postura que se deve ter em relação a Sophia: “A Invicta merece que continuemos a respirá-la e a vivê-la”.
Sobre o Porto, Carlos Mendes de Sousa disse que “a cidade, a quinta do Campo Alegre e a Granja foram muito importantes no início da atividade poética de Sophia. Os primeiros livros de poesia estão impregnados dessa atmosfera”. Dá o exemplo de Arte Poética V, um “poema que está carregado dessas vivências iniciais”.
Uma escrita que chega ao coração dos leitores
O evento contou, ainda, com a presença de Miguel Sousa Tavares, que iniciou o discurso com o texto Caminho da Manhã, e que disse resumir “em si tudo o que é a essência da sua criação literária”. “Uma forma de habitar num lugar tão frágil como o mundo e fazer disso uma dádiva e compromisso vividos com alegria e exigência ética”.
Para o jornalista, a poeta que “rompeu com os cânones da época,pôde sempre dispensar a crítica, porque foi direta ao coração dos leitores, onde conquistou um espaço indestrutível”. Isso só aconteceu devido à simplicidade de escrita que “derrota qualquer soberbo”. Nas palavras de Miguel Sousa Tavares, a obra de Sophia “parece existir por si mesma, desde sempre, e como se apenas nos pedisse o mesmo que se pede ao atravessar uma linha de comboio sem guarda: parar, escutar, olhar”.
Aniversário em dia de homenagem à mãe
Para além de estar presente na Casa da Música para celebrar a vida da sua mãe, Miguel Sousa Tavares celebrava mais um aniversário. No final, em tom de despedida, por entre aplausos de uma sala repleta, Sousa Tavares não deixou de recordar o dia do seu nascimento: “Faz hoje demasiados anos que, aqui ao lado, a uns quarteirões de distância, a nossa homenageada me disse pela primeira vez: ‘Miguel, olha o mundo'”.
Para o filho da autora, “neste Portugal do novo-riquismo e da piroseira literária”, onde a leitura é negligenciada pela “ignorância e a falta de apetência”, “a melhor homenagem que se pode fazer à escrita de Sophia, dez anos após a sua morte, é reconhecer que ela continua deslumbrantemente atual. Pedra, luz, fruto, manhã, mar, vento: nisto todos nos reconhecemos, por isso todos recitamos de cor os seus poemas e passamos de geração em geração os seus livros infantis onde tantos de nós aprendemos o fascínio da leitura”.
Também Luís Miguel Cintra esteve presente nesta homenagem a um dos grandes marcos da literatura nacional. Para o ator, encenador e amigo, Sophia teve e continua a ter um importante papel na sociedade, “uma espécie de função pública, no sentido mais nobre da palavra”. Para Cintra, “ela nomeia o mundo às outras pessoas. O seu ofício é o de nomear a vida”. O ator acrescenta, ainda, que “quem conviveu com ela, quem assistiu à sua maneira de estar na vida, nunca mais será o mesmo”.
Foi uma noite recheada de partilhas, estórias e, acima de tudo, respeito, por aquela que foi uma das grandes escritoras portuguesas e um nome incontornável da literatura nacional. A noite contou, ainda, com várias performances artísticas, como um recital de poesia baseado na obra poética de Sophia de Mello Breyner e a atuação de encerramento do maestro Vitorino de Almeida.