Desde 1999 que a Coreia do Sul tem mudado a sua imagem internacional para tornar-se uma potência de exportação cultural. Do lançamento, nesse ano, de “Swiri”, à vitória histórica de “Parasite”, do realizador coreano Bong Joon-ho, nos Óscares, a cultura do país tem-se consolidado no oriente e no ocidente.

O fenómeno chamado internacionalmente de Korean Wave” refere-se ao comportamento económico do país asiático apostado em exportar entretenimento, música, dramas televisivos e filmes. O processo, que se iniciou na década de 90, recebeu o nome chinês de “hallyu (em português, “onda coreana”), e serve para descrever este crescimento exponencial da cultura do país para distribuição internacional.

A Coreia do Sul é, assim, um dos países do mundo que mais aposta na produção e exportação de cultura popular, como estratégia de desenvolvimento do seu poder de mercado e imagem. Dito de outro modo, e como vários autores referem, o país aposta no seu “soft power“, exercido por via, também, das grandes marcas do país de que são exemplo a Samsung, a LG ou a Hyundai.

Esta onda que se iniciou na Coreia há mais de duas décadas é responsável por potenciar a economia do país e levar uma maior quantidade de turistas para o tigre asiático. Em 2000, de acordo com o site “statista“, o número de turistas no país foi de 5,32 milhões, chegando ao auge em 2016 com 17,24 milhões de visitantes estrangeiros. O que era inicialmete uma nação reconhecida pelas dificuldades económicas e sociais, tornou-se a 12ª maior potência económica mundial atualmente.

Origens e crescimento do “Hallyu”

A enorme popularidade alcançada por algumas telenovelas e filmes sul-coreanos, lançados por volta de 1999, em países vizinhos, nomeadamente na China e em Taiwan, originou o que foi, então, batizado de “hallyu”.

O filme Swiri”, sobre as relações de espionagem entre a Coreia do Norte e do Sul, lançado no fim da década de 90, foi a primeira longa-metragem que se tornou um sucesso no sudeste da Ásia. Seguiram-se as telenovelas Autumn in my heart”, de 2000, Jewel in the Palace”, de 2003, que fizeram explodir o reconhecimento da Ásia perante a Coreia do Sul. Começava assim o processo de consolidação da cultura popular sul-coreana em países como a China e Japão.

A telenovela sul-coreana “Jewel in the Palace” foi um fenómeno no Japão e na China.

Ao ver este crescimento inesperado, os órgãos de comunicação social da região logo abraçaram o conceito de “hallyu”. O apelo do entretenimento coreano para o resto do mundo é significativo para o país, principalmente, porque a Coreia do Sul por muito tempo possuiu uma imagem ruim face aos seus países vizinhos.

A imagem associada à nação era muitas vezes ligada à Guerra da Coreia, a ciclos de pobreza e à instabilidade política. Esta visão exterior mudou drasticamente desde o surgimento da “onda coreana” e da expansão do entretenimento do país, interferindo sobre a forma como a Coreia era representada nas telenovelas e filmes, além do surgimento de novas tecnologias que diferenciaram o país de outros ao seu redor.

Para o sucesso da “hallyu” contribuíram vários aspetos, elencados pelo especialista em marketing, Martin Roll. O primeiro foi o cancelamento da proibição de viajar para o exterior. A Coreia do Sul até inícios de 1990 não autorizava a saída de cidadãos do país. A abertura permitiu que diversas pessoas visitassem as regiões próximas e levassem com eles a cultura coreana, aproximando-a das nações vizinhas. Além disso, a decisão possibilitava aos jovens irem para o ocidente estudar, o que levou novas perspetivas ao mercado económico e do entretenimento.

A reestruturação das empresas sul-coreanas foi outro fator essencial para o crescimento do país. As famosas chaebols – conglomerados de empresas em torno de uma empresa-mãe, controlados normalmente por famílias (é esta, aliás, a definição da palavra) – foram obrigadas a mudar no contexto da crise de 1997-1998.

“Autumn in my Heart” foi a primeira telenovela sul-coreana com sucesso internacional e impulsionou o fenómeno do “Hallyu”.

Estas empresas, que não possuíam uma especialidade e produziam de pequenos objetos a navios, tiveram de reestruturar-se e de focar os esforços nas suas competências principais. Esta especialização abriu o mercado e possibilitou a entrada de novas empresas.

A Samsung é um exemplo deste tipo de indústria que teve de especializar-se e modernizar-se para garantir a sua existência e atualmente tem a sua posição mundial como uma das empresas de maior influência de mercado.

Outro ponto que ajudou na proliferação da cultura coreana foi a suspensão, em 1996, das leis de censura que proibiam artistas e realizadores de abordarem certos temas considerados controversos.

Por fim, o crescimento económico associado ao “hallyu” foi beneficiado pelo grande investimento governamental na infraestrutura do país e no “rebranding” de diversas empresas, com o objetivo de tornar a imagem da Coreia do Sul mais apelativa.

Cena da novela “Winter Sonata

O crescimento do fenómeno continuou pelos anos 2000, principalmente com a exportação de telenovelas, que dominaram as televisões japonesas e chinesas. Em 2004, a novela Winter Sonata tornou-se tão popular que o protagonista masculino, Bae Yong-joon, foi batizado de “Yonsama”, título utilizado pela realeza. Em 2016, a série Descendants of the Sun chegou a 1,1 mil milhões de visualizações e foi difundida em 27 países pelo mundo nos dois meses que esteve no ar. O que surpreendeu sobre a popularidade destes programas é que representavam a realidade coreana da época e a cultura clássica do país e tiveram uma grande adesão, principalmente em países do Médio Oriente.

O que conseguiu impulsionar ainda mais o processo do “hallyu” foi o incentivo governamental que começou a promover eventos e festivais pelo mundo e a melhorar o ambiente no qual o entretenimento era desenvolvido.

Mais recentemente, com o advento do YouTube, o atualmente famoso K-Pop chegou ao palco global angariando uma enorme quantidade de fãs pelo mundo e seguidores fiéis. Em 2012, o grupo PSY lançou o que ficaria mundialmente famoso “Gangnam Style”, dominando a plataforma e tornando-se o vídeo mais visto no site. A música ficaria quatro anos e meio como o vídeo mais visualizado no YouTube, sendo apenas ultrapassado em 2017 por uma música do filme “Fast and Furious 7″, “See You Again“, de Wiz Khalifa e Charlie Puth.

Em números de menções no Twitter, numa semana de 2017, enquanto artistas americanos como Beyoncé e Justin Bieber alcançaram um número alto de aproximadamente 400 mil menções, grupos de K-Pop como BTS (Bangtan Boys) e Exo alcançaram o número exorbitante de 35 milhões e 25 milhões de menções, respetivamente. Os números em 2019 eram de 790 milhões de menções para o BTS e de 168 milhões para o Exo.

A influência da cultura coreana não se resume aos filmes, telenovelas e música. A culinária, os jogos virtuais, a moda, a maquilhagem e a estética sul-coreanas também foram disseminados pelo fenómeno da “Korean Wave”.

BTS é um dos maiores grupos de K-Pop na Coreia do Sul.

Efeitos do “hallyu”

A “Korean Wave” produziu super estrelas da música e do cinema. “Yonsama”, mencionado anteriormente, teve a sua popularidade comentada por um primeiro-ministro japonês numa conferência de imprensa que “gostaria de ser tão popular quanto o ator”. Este crescimento popular diminuiu as tensões internacionais e aumentou significativamente o turismo na região.

Em 2015, a Coreia do Sul fez aproximadamente 15 mil milhões de euros em turismo, atraindo 13,2 milhões de visitantes (o país é pouco maior do que Portugal). Com o turismo global a aumentar, o governo coreano planeia aumentar estas receitas em 10 mil milhões por ano até 2030.

No cinema, a Coreia do Sul tem recebido a atenção mundial com filmes como “Oldboy” (2003), “The Man From Nowhere” (2010), “I Saw the Devil” (2010), “The Handmaiden” (2016), “Train to Busan” (2016), “The Wailing” (2016), “Burning” (2018), entre muitos outros.

O exemplo mais recente que mostra a força do fenómeno foi a vitória de Parasite nos Óscares de 2020 como melhor filme, além de outros três prémios de grande importância. O filme sul-coreano também foi o vencedor da Palma d’Ouro de 2019 no Festival de Cannes, em França, considerado um dos mais importantes eventos da indústria do cinema.

Artigo editado por Filipa Silva