A relação entre Lituânia, Polónia e Bielorrússia passa por momentos de grande tensão devido à intensificação do fluxo migratório entre estes países. Os dois primeiros acusam o estado bielorrusso de estar a usar migrantes do Médio Oriente como arma de retaliação política.

A partir da Lituânia, Leon Andrius Liesener classifica, ao JPN, a situação migratória vivida no país como “sem precedentes”. Já na Polónia, onde a Amnistia Internacional contesta a imposição do estado de emergência, os incidentes com o país governado por Alexander Lukashenko têm-se multiplicado nos últimos dias. A União Europeia (UE) já reagiu, esta quarta-feira (10), com o anúncio de novas sanções económicas sobre a Bielorrússia. Mas há também críticas aos estados europeus envolvidos pelas políticas anti-migração que implementam.

A escalada começou no verão. Em agosto, a Lituânia acusou agentes armados do estado bielorrusso de entrarem ilegalmente no território do estado báltico para forçar a entrada de imigrantes vindos do Médio Oriente no país. No sentido contrário, surgiu a acusação, pela Bielorrússia, de maus tratos dos migrantes pelas forças fronteiriças lituanas.

A alegação lituana é apoiada pelos ministros da Administração Interna da União Europeia (UE) que condenam a Bielorrússia pelo que consideram ser uma instrumentalização “de seres humanos com propósitos políticos”. Os estados da União acusam a Bielorrússia de estar a usar os migrantes como forma de retaliação pelas sanções económicas impostas ao país governado por Lukashenko.

A tensão com base no fluxo migratório proveniente da Bielorrússia estende-se à Letónia e à Polónia. No fecho de edição deste artigo, 15 mil soldados polacos estavam na fronteira com a Bielorrússia. Como resultado da tensão na fronteira polaca, a presidente da Comissão Europeia, Úrsula Von der Leyen anunciou a aplicação de sanções pela UE a pessoas e empresas bielorrussas já a partir da próxima semana. Von der Leyen anunciou a decisão depois de uma reunião com Joe Biden, na qual o presidente dos Estados Unidos terá manifestado, segundo a líder dos 27, a intenção de impor também sanções contra a Bielorrússia a partir de dezembro.

A promessa de Lukashenko

Alexander Lukashenko, presidente da Bielorrússia desde 1994, deixou claro por mais do que uma ocasião que o seu país deixaria de conter a entrada de refugiados, nomeadamente provenientes do Iraque, nos países da União Europeia.

Alexander Lukashenko, Presidente da Bielorrússia (Foto: Информационное агентство БелТА/ Creative Commons Attribution 3.0)

A ameaça concretizou-se depois de, em junho, terem sido aplicadas sanções económicas pela União Europeia aos bielorrussos. A decisão europeia foi tomada depois do governo de Lukashenko ter desviado para Minsk um avião comercial que seguia para a capital da Lituânia, com o objetivo de capturar um jornalista, dissidente do regime. A este facto juntou-se a repressão violenta de manifestações na Bielorrússia.

Desde o início do ano até outubro, o número de imigrantes que atravessaram ilegalmente a fronteira da Bielorrússia para a Lituânia chegou aos 4.100, de acordo com dados oficiais das autoridades lituanas citados pelo “Baltic Times”. São migrantes provenientes sobretudo do Iraque.

O incidente em vídeo

A principal acusação feita pela União Europeia e pela Lituânia à Bielorrússia indicia o regime de Lukashenko pela “colocação” de migrantes do Médio Oriente em solo comunitário europeu. Para suporte destas acusações, a 15min.lt, plataforma lituana de notícias, divulgou um vídeo no qual aparentam estar 12 soldados bielorrussos armados e com escudos a falar com os migrantes, pedindo que se mexam o que reforça a ideia de condução intencional de migrantes para a Lituânia pela Bielorrússia.

Em resposta a esta acusação, o Serviço de Fronteiras da Bielorrússia divulgou um outro vídeo na sua conta oficial de Twitter, em que demonstra guardas de patrulha da fronteira lituana a confrontar de forma violenta os migrantes que tentavam entrar no território, sem qualquer presença de guardas bielorrussos. O governo de Lukashenko usou este último vídeo como suporte para acusar os guardas lituanos de recusarem todos os pedidos de asilo feitos à Lituânia.

Uma nova barreira

O governo lituano, liderado por Ingride Simonyte, primeira-ministra, promete a construção de uma cerca metálica encimada por arame farpado, com 4 metros de altura e com 508 quilómetros de extensão ao longo da fronteira entre a Lituânia e a Bielorrússia. A primeira-ministra classificou esta barreira física como vital para “repelir este ataque híbrido” da Bielorrússia.

Ingrida Simonyte, Primeira ministra da Lituânia (Foto: Rokasdarulis/Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0)

O governo lituano garantiu ainda, em anúncio pela ministra da Administração Interna, Agne Bilotaite, que pagará um bilhete de avião e ainda mais 300 euros a cada um dos mais de 4 mil imigrantes ilegais que entraram na Lituânia durante os últimos meses, desde que abandonem voluntariamente o estado báltico.

Leon Andrius Liesener, analista de dados e correspondente da Lituânia, Bielorrússia e Liechtenstein do Europe Elects salientou que a crise de migrações enfrentada a partir deste verão pelos lituanos “é sem precedentes”, já que, na crise de refugiados de 2015, a Lituânia “mal foi afetada pelo [que aconteceu no] resto da Europa”, sobretudo em comparação com países como a Itália e a Grécia.

Em declarações ao JPN, Liesener falou também da movimentação de migrantes para a Lituânia pela Bielorrússia, lembrando o aviso público feito por Lukashenko.

Em respostas por escrito enviadas ao JPN, a Cruz Vermelha Lituana abordou a gestão humanitária da situação na fronteira pela Lituânia. A organização constata que em agosto foi criada legislação que permite aos guardas fronteiriços “não aceitar candidaturas a asilo de pessoas que se aproximam das fronteiras sem documentação de viagem e que não estejam num ponto fronteiriço de entrada internacional”, com exceção das pessoas vulneráveis, conceito cuja perceção pelos guardas fronteiriços não é clara, segundo a Cruz Vermelha da Lituânia. A organização notou ainda que não tem registos de qualquer morte na fronteira com a Bielorrússia.

Em relação à retenção de migrantes pela Lituânia, Leon Andrius Liesener notou que a retenção de migrantes é suportada por legislação. Como explica o correspondente do Europe Elects, a possibilidade de pedir asilo existe, mas só pode ser feita em pontos de imigração legais da fronteira, bem como nas embaixadas. O analista frisa que o número de imigrantes que passou a fronteira é igual ao número de migrantes que ficaram impedidos de a atravessar, pelo que o fluxo de entrada migrante na Lituânia podia ser o dobro, “se esta norma não tivesse sido implementada”.

Leon Andrius Liesener falou ainda das limitações impostas aos jornalistas e organizações não-governamentais no acesso à fronteira durante o Estado de Emergência declarado em julho.

De acordo com o “Baltic Times”, desde agosto, quase 5.600 imigrantes foram impedidos de entrar pela fronteira com a Bielorrússia graças à política anti-imigração posta em prática pela Lituânia. Como atrás se referiu, cerca de 4.200 terão conseguido entrar ilegalmente.

A situação polaca

Tanto a Letónia como a Polónia estão envolvidas na crise de fluxo migrante. Em agosto, os polacos enviaram mesmo 900 soldados para a fronteira com a Bielorrússia devido ao aumento de imigrantes ilegais vindos do Iraque, Síria e Afeganistão. O ministro adjunto dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Pawel Jablonski, comparou a situação vivida na fronteira polaca à vivida na Lituânia.

No dia 15 de outubro, a comissária europeia para os Assuntos Externos, Ylva Johansson, convidou os embaixadores da Lituânia, Letónia e Polónia para uma reunião focada no tratamento dos migrantes que chegam à fronteira destes três países, em particular pela Polónia. Os polacos são acusados por várias organizações não governamentais, entre as quais se inclui a Amnistia Internacional, de recusarem a entrada de imigrantes na fronteira com a Bielorrússia, atuando com “mão pesada” sobre todos os que entram no território à procura de asilo.

Esta acusação teve por base a declaração de um Estado de Emergência pelo governo polaco (o primeiro desde 1989) no final de setembro e que foi recentemente prolongado até ao fim de novembro. As leis implementadas pelo governo nesse período limitaram o acesso por jornalistas e ONG à fronteira, impedindo saídas de informação sobre aquilo que se passava na fronteira. Massimo Moretti, diretor adjunto da Amnistia Internacional, afirmou, citado pela Euronews, que este Estado de Emergência viola leis do Direito Internacional.

A diretora de investigação da Amnistia Internacional em Portugal, Maria Lapa, reiterou a posição de Moretti, afirmando que é a posição da Amnistia Internacional e que “este Estado de Emergência não faz sentido”. Lapa acrescenta que o Estado de Emergência apenas foi implementado pela Polónia como forma de combater a entrada de “migrantes e requerentes de asilo”, violando assim várias leis internacionais dos direitos humanos e dos direitos dos refugiados.

Maria Lapa fala ainda das semelhanças nas políticas anti-imigração adotadas por Polónia, Lituânia e Letónia, nomeadamente, da construção de muros vedados com arame farpado para constituir uma barreira física com a Bielorrússia e para dificultar o acesso de migrantes ao território da Polónia.

Em meados de outubro, foi aprovado por ambas as câmaras do Senado polaco um investimento de 350 milhões de euros na construção de uma barreira física na fronteira com a Bielorrússia. A Amnistia Internacional tem conhecimento também de que uma política desta índole também está a ser tida em conta na Letónia.

A Letónia foi um dos 12 países que assinou a carta enviada à Comissão Europeia (Bulgária, Chipre, Áustria, Grécia, República Checa, Dinamarca, Estónia, Eslováquia, Hungria, Lituânia e Polónia foram os restantes países a fazê-lo) para apelar à aplicação de fundos comunitários na construção de barreiras físicas para combate à entrada de imigrantes. Os países signatários afirmam mesmo que “esta medida legítima deveria ser financiada adicional e adequadamente pelo orçamento da UE”, segundo a agência de notícias espanhola EFE, citada pelo “Expresso”.

Em resposta, a presidente da Comissão Europeia rejeitou a ideia. Ursula Von der Leyen garantiu que não destinará fundos europeus ao financiamento de “arame farpado ou cercas”.

Gerald Knaus, presidente da Iniciativa de Estabilidade Europeia (IEE) alertou para a possibilidade de uma “tragédia humanitária mortífera” para estes migrantes no inverno, caso os países da União Europeia adotem as políticas de combate à entrada de imigrantes no seu território, pois do outro lado (o da Bielorrússia) está um ditador “preparado para deixar as pessoas morrer na fronteira”, sem as deixar recuar.

A Amnistia Internacional divulgou que entre os dias 18 e 19 de agosto, decorreu uma deslocação de um grupo de requerentes de asilo afegãos “cercados por agentes da guarda fronteiriça da Polónia”.

Maria Lapa frisou ainda que devido ao Estado de Emergência declarado pela Polónia, o trabalho de investigação realizado pela Amnistia Internacional tem por base a “análise de imagens de satélites, de fotografias, de vídeos” que receberam e que, de acordo com a entidade, “são devidamente analisados e validados”. A responsável da Amnistia admitiu ainda que as expectativas da organização estão baixas no que diz respeito a uma “solução focada nos Direitos Humanos” proveniente das negociações para um novo Pacto de Migração e Asilo da União Europeia.

A ativista assinalou que a União Europeia deve acionar “os mecanismos que tem ao seu dispor” de forma a sancionar a Polónia e todos os países que não respeitem os Direitos Humanos, fugindo às “ameaças, avisos, alertas e expressões de preocupação. A Amnistia Internacional assinala ainda a importância da pressão proveniente dos próprios países, como Portugal, para garantir o cumprimento dos Direitos Humanos.

De acordo com o “The New York Times” a União Europeia está a contemplar a aplicação de sanções  aos oficiais e agências aéreas bielorrusas que transportem os migrantes do Médio Oriente para Minsk.  O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, admitiu após reunião com o primeiro-ministro da Polónia, Mateusz Morawiecki, discutir o financiamento pela UE da construção de uma infraestrutura física como um muro para proteger a fronteira da União Europeia.

Artigo editado por Filipa Silva