Nas últimas semanas, os agricultores de vários países europeus saíram às ruas. Queixam-se das políticas verdes, do excesso de regulamentação e do aumentos dos custos de produção. Protestos começaram em França, mas já se estenderam a mais de uma dezena de países.
As políticas verdes, que os agricultores alegam ser contraditórias e injustas, os cortes no financiamento, o excesso de regulamentações e burocracias e o aumento dos custos de produção levaram a uma onda de manifestações por parte do setor agrícola na União Europeia.
Milhares de tratores e máquinas agrícolas bloquearam as estradas das grandes cidades europeias, cortaram fronteiras, derrubaram estátuas e largaram estrume e resíduos agrícolas junto a instituições públicas. O mundo rural faz-se ouvir por todo o continente, de este a oeste e de norte a sul.
Os protestos vêm do ano passado, mas atingiram o seu pico no início de 2024, em França. Desde então, as manifestações já se alastraram por outros países da UE como Espanha, Itália, Bélgica, Alemanha, Países Baixos, Grécia, Lituânia, Letónia, Polónia, Roménia, Hungria, e Portugal. Fora da União Europeia, os protestos atingiram o Reino Unido e a Suiça.
Os agricultores insurgem-se contra o acumular de decisões que consideram “inaceitáveis” por parte das instâncias políticas nacionais, mas sobretudo europeias. A Política Agrícola Comum (PAC) é o programa da União Europeia destinado ao apoio e regulamentação da produção agrícola na Europa, tendo por objetivo base a garantia de uma vida digna aos agricultores e a oferta estável de produtos a preços acessíveis. Contudo, na prática, estes objetivos não estão a ser cumpridos, na visão dos agricultores.
Com a crescente preocupação com as questões climáticas, a PAC tem mantido um grande foco na agricultura biológica – uma das principais queixas dos agricultores. Apesar de, à primeira vista, parecer uma ideia sustentável, na verdade, estima-se que, com a prática de agricultura biológica, o rendimento por hectare seja metade do que na agricultura “convencional”. Além disso, o financiamento da PAC é iníquo. De acordo com o World Wildlife Fund (WWF), 20% dos agricultores (os maiores) recebem 80% do financiamento, o que deixa os produtores mais pequenos sem fundos e vulneráveis.
Para além das medidas “sustentáveis” implementadas pela PAC, o Pacto Ecológico Europeu (PEE), criado pela Comissão Europeia, quer “reduzir para metade a utilização de pesticidas e fertilizantes”, através do programa ‘Do Prado para o Prato’. Apesar de visar a maior qualidade dos alimentos, o programa cria leis que não estão orientadas pela ciência. Os agricultores defendem que “um investimento nas Novas Técnicas Genómicas (NGTs) – que consiste na reprodução cruzada para garantir uma melhor qualidade dos alimentos e culturas mais resistentes e produtivas – seria uma opção mais viável do que a redução do uso de pesticidas”, que causa uma perda de lucro aos produtores agrícolas, bem como, um aumento do desperdício alimentar.
Os avanços no acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) também fazem parte das causas que estão na base dos protestos dos agricultores europeus. Este acordo facilita a entrada de produtos estrangeiros como carne bovina da Argentina e do Brasil no mercado europeu. Perante o desenvolvimento destas negociações, os agricultores europeus acusam os políticos europeus de promoverem uma concorrência desleal, já que estes produtos são importados de regiões com regras menos exigentes em matéria ambiental e de bem-estar animal. Já na União Europeia, os agricultores vêm-se obrigados a cumprir a vasta legislação do sistema de controlo alimentar, considerado o mais restrito do mundo.
Todavia, os acordos não ficam pelos países da América do Sul. Com a Guerra na Ucrânia, a União Europeia também facilitou a entrada de cereais e produtos agrícolas ucranianos no mercado. Porém, no final de janeiro, em resposta aos protestos dos agricultores europeus, a Comissão Europeia já propôs medidas para limitar estas importações.
A estas reivindicações juntam-se ainda o aumento do preço do gasóleo agrícola e das taxas de consumo de água, que vão ter um acréscimo de 47 milhões de euros por ano.
Com o foco na sustentabilidade, os objetivos primordiais da PAC têm caído por terra: os agricultores queixam-se de não receberem salários dignos, de não terem ajudas à produção e os preços dos produtos alimentares têm sofrido com a inflação. Em entrevista à EuroNews, o analista da FarmEurope, Luc Vernet, fala de uma acumulação de problemas: “Há mais exigências em termos ambientais e, ao mesmo tempo, os apoios públicos caíram drasticamente.” Segundo o responsável, nos últimos vinte anos, o valor das ajudas diretas à agricultura “terá caído 37%, o que representa, em média, metade do rendimento dos trabalhadores agrícolas na Europa.” Para além da diminuição dos apoios da PAC, os agricultores queixam-se de um nível de burocracia exagerado, “com demasiada papelada”.
O Conselho da UE e a Comissão Europeia já reconheceram a insuficiência de apoios e a necessidade de repensar a Política Agrícola Comum. Maros Sefcovic, o comissário que tutela o Pacto Ecológico Europeu (PEE), defendeu no Parlamento a necessidade de “encontrar soluções conjuntas, uma visão comum, e encontrar novos consensos”. A 26 de fevereiro, os ministros da Agricultura da União Europeia vão debater a proposta para a redução de encargos administrativos dos agricultores, a ser preparada por Bruxelas. O desafio está agora em encontrar a melhor solução que equilibre uma resposta climática adequada e o apoio económico que o setor precisa para se manter competitivo no mercado mundial.
Editado por Filipa Silva