A direita radical na Europa continua a crescer. O JPN falou com Jaime Nogueira Pinto, analista político, para perceber os pilares que alicerçam este fenómeno.

Os partidos de direita radical têm ganhado terreno no panorama político europeu. Munidos de discursos nacionalistas e anti-imigração, o crescimento destes partidos pode influenciar os resultados das próximas eleições europeias, que se realizam entre 6 e 9 de junho.

Em entrevista ao JPN, o politólogo Jaime Nogueira Pinto analisou potenciais motivos associados ao crescimento da direita radical, não só em Portugal, mas por todo o continente europeu. Jaime Nogueira Pinto começa por referir que os partidos de “direita radical” estão muito ligados à questão nacional, ao euroceticismo e ao controlo da imigração. No entanto, refere que é importante perceber que existem direitas mais radicais e outras mais conservadoras, embora haja uma questão transversal a todas: a “questão da independência e da identidade nacional”, que todos estes movimentos privilegiam.

Jaime Nogueira Pinto afirmou ainda que o voto nos partidos de direita radical pode, em parte, ser explicado pelo facto de os partidos mais tradicionais “não se ocuparem, nem darem atenção” a problemas como a “desindustrialização” ou “a imigração descontrolada”. A falta de respostas nesse sentido “fez crescer o tal vazio. E quando há vazio, aparecem coisas novas. A política é como a natureza, tem horror ao vazio”.

Em relação ao crescimento do Chega em Portugal, o analista político, que entre os muitos livros publicado tem “A Direita e as Direitas”, explicou que o voto no Chega é “mais homogéneo”: “Vai a todas as classes sociais e, sobretudo, geograficamente, apanha praticamente o país todo”. Jaime Nogueira Pinto referiu ainda que tal se pode justificar pelo número de pessoas que antes não votavam e que o fizeram nas eleições de 10 de março – em que a abstenção foi historicamente baixa, a rondar os 33% (se se considerar só o território nacional; 41% com os círculos da emigração) – e pelo facto, na opinião do colunista, de os “eleitores mais novos terem bastante propensão para votar na direita”.

Em relação às eleições europeias, Jaime Nogueira Pinto acredita que a direita “vai crescer”. Segundo o analista, é esperado que a representação da direita radical no Parlamento Europeu aumente para entre “180 e 200 deputados”.

O JPN entrevistou Jaime Nogueira Pinto na Cooperativa do Povo Portuense aquando da deslocação do analista ao Porto para a apresentação do n.º 6 da revista “Crítica XXI”.

JPN – O que é que define se um partido é de extrema-direita ou não?

Jaime Nogueira Pinto (JNP) – Gosto mais da expressão “direita radical”, acho que é mais correta. Independentemente de ser chamado de extrema-direita ou não, o que caracteriza ideologicamente estes partidos é, primeiro, a questão nacional. São partidos nacionalistas, ou seja, em relação à Europa, são eurocéticos. São partidários de uma Europa de nações, ou seja, uma comunidade económica e financeira, mas com independência política.

A segunda característica também está ligada a esta: identidade nacional. No que toca à questão da identidade, os partidos são a favor do controlo da imigração, sobretudo da imigração que, culturalmente, é diferente da matriz europeia, nomeadamente a do norte de África, muçulmana. Mesmo que não se seja religiosamente praticante, a matriz cultural [destes imigrantes] é muito marcada pela religião. Para estes partidos, não há problema com quem vem de áreas cristãs. Mas em relação aos muçulmanos, há problemas. Historicamente, isso ficou mais patente em França e, hoje em dia, nos países nórdicos.

Há uma terceira característica importante: eles ganharam muito eleitorado também à custa do desaparecimento dos partidos comunistas. E porquê? Por causa da desindustrialização. França assistiu ao fenómeno da passagem direta de eleitores do antigo Partido Comunista francês para o Front National [o partido liderado por Marine Le Pen, atualmente denominado Rassemblement National ou Reunião Nacional], o que não é de agora. Já se passou há 20 anos. Porquê? Porque a desindustrialização, levando as fábricas para fora da Europa, deixou os trabalhadores fabris no desemprego. A isso, soma-se o problema da concorrência dos imigrantes.

JPN – Esse também foi o caso em Portugal?

JNP – Em Portugal, ainda não está a acontecer. Está agora a começar a haver um fenómeno semelhante. A geografia e a sociologia eleitoral da votação do Chega mostram que é nas zonas onde estão implantadas colónias ou grupos de imigrantes a trabalhar nas colheitas, no Alentejo, que isso está a acontecer.

Nas periferias de Lisboa também aconteceu um bocado. Ou seja, é uma votação de classes trabalhadoras, mais ligadas à indústria, que se sentem, de certo modo, ameaçadas ou incomodadas pela presença desses grupos. Mas depois, há outras razões para o crescimento destes partidos.

JPN – E quais são?

JNP – Por exemplo, em Espanha, o Vox cresceu muito e agora parece ter estacionado. Cresceu por causa da questão nacional e do separatismo catalão, porque o Partido Popular, que é o partido clássico da direita ou do centro-direita espanhol, não estava a defender convenientemente essa questão.

Estes partidos nascem, porque há matérias que os partidos tradicionais não cobrem. As pessoas, muitas vezes, não percebem as consequências das coisas. Normalmente, os regimes políticos ou as opções políticas estão muito ligadas ao fracasso das políticas anteriores.

Por exemplo, a Europa foi dominada até ao fim da União Soviética pela questão de Leste-Oeste – o perigo soviético. Com a queda da URSS, essa questão acabou e, portanto, os partidos comunistas, curiosamente, também definharam. Por outro lado, surgiram novos problemas – a desindustrialização, a imigração descontrolada, etc. – que os partidos do sistema não resolveram, não atenderam e não se ocuparam. Nem é tanto a questão de resolver. Há muita coisa que não se vai resolver, mas não se ocuparem, nem darem atenção, fez crescer o tal vazio. E quando há vazio, aparecem coisas novas. A política é como a natureza, tem horror ao vazio.

JPN – O aumento da extrema-direita nos vários países da Europa traz mudanças para o Parlamento Europeu?

JNP – Há dois grupos de direita no Parlamento europeu: o grupo Identidade e Democracia e o grupo do Partido Popular Europeu (PPE). Esses dois grupos acabam por ser ideologicamente muito parecidos. Contudo, acho que há uma distinção importante nestas duas direitas. Há umas que são mais conservadoras na questão dos costumes – da eutanásia, aborto, casamentos gays, por exemplo -, e  há outras que não ligam nada a isso e atentam sobretudo à parte económica. O nacionalismo é comum a todas.

Por exemplo, o Rassemblement National ou a Liga, de Salvini, ou até os holandeses e os suecos, não focam muito nessa questão dos costumes. Ainda agora se viu, por exemplo, na votação que houve em França para pôr o aborto na Constituição. A Marine Le Pen deu voto livre aos seus deputados e, apesar de ter havido quem votasse contra, a maioria ou se absteve ou votou a favor. Portanto, há direitas que não são tão conservadoras.

Já os polacos, do Lei e Justiça, os húngaros, ou os próprios Fratelli d’Italia da Meloni são mais atentos aos costumes. Aliás, a Meloni até pegou, numa dada altura, na trilogia “Deus, Pátria e Família”.

Portanto, na caracterização destas direitas, temos que ver e distinguir qual é a questão principal. Acho que a questão principal – a única onde todos estão de acordo – é a questão da independência e da identidade nacional. Dentro dessas linhas de direitas mais radicais, há umas mais conservadoras e há umas mais liberais em costumes.

Na economia, também é uma mistura. Nos anos 80, por exemplo, o que caracterizava muito estas direitas era a questão da liberdade económica, porque estávamos a vir de uma época de grande domínio das políticas europeias e americanas, fiscalidade alta e medidas socialistas. Quer a [Margaret] Thatcher [primeira-ministra britânica], quer o [Ronald] Reagan [presidente dos EUA], entraram muito nessas medidas mais liberais, do ponto de vista económico. Hoje, de uma maneira geral, todas estas direitas ligam mais às questões sociais, porque os seus eleitorados também se preocupam com isso. Hoje, a direita já não é tão entusiasta do liberalismo económico como foi nos anos 80.

JPN – Que implicações é que este aumento vai ter para a União Europeia?

JNP – Vai crescer. O que se espera nas eleições é entre 180 e 200 deputados destes dois grupos, o que corresponde a uma representação bastante forte [o Parlamento Europeu tem 705 deputados].

Há outra coisa em que estes grupos também são um pouco conservadores: a questão da agricultura. Estes grupos, de um modo geral, não são negacionistas climáticos, mas são críticos da Agenda 2030, porque acham, por exemplo, que isso vai prejudicar fortemente a agricultura europeia. De um modo geral, [o crescimento da extrema-direita] vai dificultar determinadas votações ou determinadas linhas que até agora eram relativas. No próprio PPE – que penso que ainda será o principal grupo do Parlamento Europeu e que é, de certo modo, um grupo misto, com alas mais conservadoras e alas mais esquerdistas – também é capaz de haver alguma barreira.

Portanto, vamos ter uma geometria mais puxada à direita, com mais restrições ao federalismo e à autoridade da União [Europeia] sobre os países.

Jaime Nogueira Pinto Foto: Íris Nunes

JPN – Que benefícios e perigos trazem estes governos da extrema-direita?

JNP – A direita radical já faz parte de alguns governos ou está mesmo a chefiá-los. Tem-se tentado colar estes partidos a formas antigas e autoritárias de há 100 anos, nomeadamente aos movimentos autoritários dos anos 20, aos fascismos, etc., mas, até hoje, nenhum deles, nem na sua teoria, nem na sua prática, têm posto em causa as eleições. Quando perdem, saem, como fizeram os polacos.

JPN – A palavra ‘fascista’ tem sido devidamente aplicada? 

JNP – É usada depreciativamente. As pessoas, hoje, já nem sabem o que é o fascismo. Às vezes, há pessoas de direita que, para insultarem os comunistas, lhes chamam fascistas. É um sinal de que a direita está muito em baixo, de facto.

JPN – Que papel deve ter a comunicação social neste contexto?

JNP – A comunicação social devia ser, por princípio, independente. Devia, aliás, ter algum rigor na própria qualificação que faz destes movimentos. Não devia estar a fazer o que faz a imprensa em Portugal, que é quase uma espécie de criminalização e que parece não ter tido resultado nenhum.

JPN – Voltando para o caso português. Considera que o voto no Chega, nas últimas eleições, foi um voto de protesto? 

JNP – Foi um voto por várias razões. É um partido novo que teve um crescimento relâmpago.

Houve um voto de protesto e um voto mais interessante de abstenção, que é sinal de que havia pessoas que não se reconheciam em nenhum dos partidos que existiam. O leque português sempre foi muito puxado à esquerda, o que fazia com que a população não se reconhecesse em nenhum dos partidos e, por isso, [as pessoas] não votavam. Agora, passaram a votar.

Depois, parece que os eleitores mais novos têm bastante propensão para votar na direita, no Chega e na Iniciativa Liberal (IL). Mas o voto na IL é mais restrito: é um voto das cidades litorais, limitado aos quadros de classe média e média alta.

O Chega é diferente. É um voto que vai a todas as classes sociais e, sobretudo, geograficamente, apanha praticamente o país todo. É um voto mais homogéneo. E, claro, há um voto de protesto, mas há também um voto consciente, de adesão. As pessoas acham que o Chega defende mais a independência nacional do que os outros partidos.

JPN – Com a aproximação dos 50 anos do 25 de Abril, esta expressividade do Chega pode ser considerada preocupante? 

JNP – A mim, como calcula, não me preocupa nada. Os poderes são cíclicos. De certo modo, a direita esteve em Portugal de forma autoritária, num regime em que não tinha oficialmente concorrência, durante 50 anos. Mas a esquerda também esteve quase 50 anos [no poder]. Neste caso, não há nenhum golpe de Estado, nem houve nenhuma mudança violenta. É só uma espécie de começo de ciclo – um novo ciclo, marcado por estas eleições.

JPN – Sabemos da sua simpatia pelo partido Chega. Faz parte dos seus planos ingressar neste partido?

JNP – Não… Eu gosto de ser uma pessoa independente. Fui toda a vida. 

Editado por Inês Pinto Pereira