Os votos dos círculos de emigração foram divulgados na última quarta-feira (20). O Chega elegeu dois deputados e ganhou na Suíça, no Luxemburgo e no Brasil. Com o intuito de perceber as razões que podem ter influenciado o aumento do Chega no círculos da emigração, o JPN falou com representantes de associações de emigrantes portugueses.
O Chega conseguiu eleger dois deputados pelos círculos da emigração nas eleições legislativas de 2024, sendo que, no círculo da Europa, o partido foi mesmo o mais votado (18,31%). Na Suíça, o Chega ganhou com 32% dos votos (16.226), mais do que os votos obtidos pelo Partido Socialista (PS) e Aliança Democrática (AD) em conjunto. No Luxemburgo, ganhou com 19% (676). Na Bélgica, o PS ganhou, mas não por muito, apenas por 31 votos em relação ao partido de André Ventura.
Para o presidente da Federação das Associações Portuguesas na Suíça, o voto no Chega é “um voto de protesto” de pessoas que estão insatisfeitas com “o facto de terem saído de Portugal para encontrar emprego”. No entanto, diz não acreditar que essas “pessoas partilhem a ideologia que está por detrás da ação do Chega”. António Cunha diz ainda que o sentido de voto pode ter sido influenciado pelo crescimento da extrema-direita em algumas zonas da confederação helvética.
No que diz respeito ao Luxemburgo, o diretor político da Associação de Apoio aos Trabalhadores Imigrantes no país diz que as pessoas estão desiludidas e revoltadas por sentirem que foram “quase obrigadas a sair [de Portugal] pelas situações económicas“.
Na Suíça, as pessoas estão “revoltadas contra o país e contra o Governo”
Ao JPN, António da Cunha, presidente da Federação das Associações Portuguesas na Suíça, disse que “a razão fundamental é um voto de protesto”.
“Não acredito que essas 14.000 pessoas partilhem a ideologia que está por detrás da ação do Chega, que acaba por ser marcada por uma ideologia populista, xenófoba e reacionária. [O resultado] pode ter a ver com a mudança da estrutura da imigração para a Suíça. Nos últimos 20 anos, a imigração passou a ser mais jovem e mais qualificada. É uma população que, apesar de estar no mercado de trabalho suíço, às vezes, não se inseriu naquilo que estava à espera com as qualificações que têm, a formação universitária”, explicou António da Cunha.
Segundo o Relatório da Emigração de 2022, a Suíça é o principal destino dos emigrantes portugueses. O presidente da federação disse notar, em conversas com portugueses que recorrem às associações, “uma insatisfação com o facto de terem saído de Portugal para encontrar emprego”.
“[São] pessoas que estão extremamente revoltadas contra o país e contra o Governo que, entre aspas, os obrigou a fazer essa escolha [sair de Portugal]. Portanto, chego à conclusão que é um voto de protesto de pessoas que vieram para aqui frustradas contra o facto de terem feito estudos e não terem encontrado trabalho em Portugal”, continuou.
António da Cunha referiu ainda que a vitória do Chega pode ter sido também influenciada pela ascenção da extrema-direita em algumas zonas da Suíça. “Formulei uma primeira hipótese antes de saber os resultados por área consular. Inicialmente, pensei que Geneva – a área consular – e as pessoas à volta podiam estar condicionadas a uma série de mobilizações específicas desse território de extrema-direita, populista, que tem alguma importância e é conduzido por um português que se naturalizou na Suíça. Esta hipótese, como principal razão, caiu quando foram divulgados os resultados por área consular, mas pode ter tido alguma influência”, explicou.
“Sentimento patriótico” é um fator importante
Sérgio Ferreira, diretor político da Associação de Apoio aos Trabalhadores Imigrantes no Luxemburgo explicou ao JPN que os portugueses que vivem no país também dizem sentir muita “frustração” dadas as suas condições. Isso “reflete-se na forma como votam”, referiu.
“[Os eleitores] embarcam em soluções que parecem fáceis, mas que de soluções não têm nada. Face às dificuldades que o nosso tempo apresenta, têm aparecido movimentos que pretendem dar respostas simples a problemas complexos. No caso específico do Chega e de Portugal, essa postura de que todos os partidos tradicionais são corruptos e que há que ‘limpar o país’ colou em Portugal e nas comunidades de fora. Quem saiu de Portugal sente que foi quase obrigado a sair pelas situações económicas, na maior parte dos casos. Isso gera sentimentos de desilusão, desapontamento, abandono e revolta em relação à política portuguesa”, disse.
Sérgio Ferreira referiu ainda que o “sentimento patriótico” presente na comunidade de emigrantes portugueses também é um fator importante. “É um facto que os portugueses, quando estão no estrangeiro, tendem a ter uma ligação emocional muito maior do que os que vivem em território nacional e isso pode levar a embarcar e votar em partidos supostamente patriotas”, afirmou.
De acordo com o Instituto de Estatística luxemburguês, em 2021, os portugueses eram a maior comunidade estrangeira a viver no Luxemburgo. O diretor político disse ver alguma “incoerência” por parte das pessoas que vivem no Luxemburgo como imigrantes.
“[A incoerência] pode ser explicada pela própria dicotomia que os partidos de extrema-direita têm conseguido vender, e não só, que diz que o problema é o outro, ‘eu’ é que sou o bom emigrante e o outro quer é aproveitar-se do sistema. Ouvimos isso nas conversas de rua, de café. Aqueles que estão aqui há 10 ou 15 anos dizem que os emigrantes que vêm agora para o Luxemburgo têm conhecimento total das ajudas e querem tentar aproveitar-se do sistema e não trabalhar”, concluiu.
Mais de 333 mil emigrantes foram às urnas
Nos círculos eleitorais da Europa e Fora da Europa, foi registada uma taxa de participação de 21,69%, equivalente a 333.520 votantes, quase o dobro dos cerca de 173 mil que votaram nas legislativas de 2022. A taxa de anulação (39%) também duplicou face às últimas eleições. Na maioria dos casos, os votos foram anulados por incumprimento das regras de envio, nomeadamente a falta de uma cópia do cartão de cidadão. A quantidade de votos nulos foi também considerável: 37% dos votos.
O Chega elegeu dois deputados, um por cada círculo, o PS elegeu um pelo círculo da Europa e a AD elegeu um pelo círculo Fora da Europa. No total, a AD ficou com 80 deputados, o PS com 78 e o Chega com 50.
No círculo da Europa, o Chega foi o partido que mais angariou votos, 18,31% (42,972), seguido do PS, com 16,22% (38,061). José Dias Fernandes e Paulo Pisco foram os deputados eleitos pelo Chega e pelo PS, respetivamente.
No círculo Fora da Europa, a AD venceu em todos os países, à exceção do Brasil, com 22,90% dos votos (22.636) no total. No Brasil, o Chega ganhou com 24,61% dos votos (13.724), seguido da AD com 20,45% (11.406). José Cesário foi o deputado eleito pela AD e Manuel Magno Alves pelo Chega.
Editado por Inês Pinto Pereira