Pelo menos dez dos 27 países da União Europeia já têm partidos de direita radical com representação no Parlamento. O “sistema não resolveu, não atendeu e não se ocupou” de questões percecionadas como problemáticas para algum eleitorado e a solução caiu, nas urnas, sobre o populismo, comentou o politólogo Jaime Nogueira Pinto ao JPN.

Os resultados das legislativas de 10 de março deixaram clara a força que a direita radical tem ganho, nos últimos anos, em Portugal, com o Chega a aparecer como a terceira força política mais votada.

Em apenas cinco anos, o partido liderado por André Ventura ganhou um lugar de destaque em Portugal: em 2019, conquistou um lugar no Parlamento português, com 1,29% dos votos; três anos depois, nas legislativas antecipadas de 2022, o partido conseguiu eleger 12 deputados e constituir-se como a terceira força política mais votada em Portugal; nas eleições legislativas deste ano – também antecipadas – o Chega obteve 18,06% dos votos, assegurando a eleição de 50 deputados. Com mais de um milhão de votos, o partido de André Ventura foi o que mais cresceu nestas eleições.

Mas este fenómeno não acontece só em Portugal. Os movimentos da direita populista, radical ou de extrema-direita têm vindo a crescer por toda a Europa, tendo estes partidos, atualmente, representação em dez parlamentos. Além do português, já mencionado, estão também nas assembleias nacionais da Alemanha, Áustria, Espanha, Itália, Finlândia, França, Hungria, Países Baixos e Suécia.

A direita radical tem presença em dez parlamentos dos países da UE. Infografia: Íris Nunes

No contexto de uma entrevista que concedeu ao JPN, Jaime Nogueira Pinto comentou que “tem-se tentado colar estes partidos a formas antigas e autoritárias de há 100 anos, nomeadamente aos movimentos autoritários dos anos 20”. Mas o analistas considera que, até hoje, nenhum destes partidos, nem em teoria, nem em prática, puseram em causa os atos eleitorais. “Os polacos perderam as eleições e saíram”, referiu. O partido de extrema-direita PiS (Partido Lei e Justiça, em português) governou a Polónia nos últimos oito anos, mas nas últimas eleições, que decorreram em outubro de 2023, foi derrotado nas urnas pela oposição.

Existem neste momento dois países com governos de extrema-direita na Europa: a Hungria e a Itália.

Na Hungria, Viktor Orbán foi eleito primeiro-ministro em 2010, seis anos depois da entrada do país na União Europeia e, desde então, foi reeleito três vezes. Orbán, líder do Partido Fidesz, ocupou o cargo pela primeira vez em 1998, num governo de coligação que durou quatro anos. O partido adotou uma ideologia conservadora e nacionalista e, depois de oito anos na oposição, o político voltou a assumir a liderança do Governo visto como ultraconservador – nacionalista, tradicional, anti-imigração e cristão.

A título de exemplo, o governo húngaro inscreveu na constituição uma definição de família “baseada no casamento e na relação pais-filhos. A mãe é uma mulher e o pai um homem”, diz-se.  A alteração à constituição soma-se a outras leis que limitam a adoção por homossexuais e que, no entender da própria Comissão Europeia, discriminam pessoas LGBTQI, exemplos a que se pode juntar a construção de uma cerca na fronteira, em 2015, aquando de uma forte vaga migratória na Europa ou ainda repetidas acusações de repressão ou tentativa de ingerência sobre organizações cívicas ou meios de comunicação social húngaros.

Em todo o caso, nas últimas eleições parlamentares húngaras, em 2022, a vitória voltou a pertencer ao Fidesz, com 53,3% dos votos, elegendo 135 dos 199 membros da Assembleia Nacional.

Viktor Órban está desde 2010 no poder, na Hungria. Foto: PPE

O caso italiano é distinto porque quem governa é uma coligação. Em 2022, o Presidente italiano, Sergio Mattarella, deu posse ao primeiro governo italiano liderado pela extrema-direita no pós-Segunda Guerra Mundial. Giorgia Meloni, líder do partido Fratelli d’Italia, venceu as eleições com cerca de 26% dos votos. Meloni tornou-se a primeira mulher a governar o país, conduzindo uma coligação de centro-direita, que inclui o partido Liga de Matteo Salvini, o Forza Italia, do ex-primeiro-ministro, Sílvio Berlusconi, e os Noi Moderati (Moderados, em português), de Maurizio Lupi.

A coligação, ao todo, representa 44% dos votos e assumiu o governo do país. Com a promessa de abalar a União Europeia e sob o lema “Deus, Pátria e Família”, Meloni tem adotado medidas associadas ao perfil da extrema-direita, como a entrada em vigor do decreto de lei que impede o registo civil de filhos de casais homossexuais ou da lei que limita a ação de organizações não governamentais no resgate de migrantes, proibindo as ONG de resgatarem mais do que uma embarcação em cada operação de resgate.

Giorgia Meloni, primeira-ministra de Itália e líder do partido Fratelli d’Italia. Foto: Elekes Andor/Wikimedia Commons

Finlândia e Países Baixos: a solução nas coligações de direita

Em junho do ano passado, nas últimas eleições legislativas, a direita tomou o poder na Finlândia através de uma coligação de quatro partidos que inclui o partido de direita radical, Perussuomalaiset (partido Verdadeiros Finlandeses, em português). Este partido – que foi a segunda força política mais votada nas eleições – promete uma forte repressão à imigração. Petteri Orpo, líder do Partido Conservador finlandês, de centro direita, foi eleito primeiro ministro.

Já nos Países Baixos, o partido de direita radical, que se assume como “antieuropeu” e “islamofóbico”, venceu as últimas legislativas de 23 de novembro de 2023. Todavia, sem maioria parlamentar, Geert Wilders, líder do PVV (Partido da  Liberdade, em português) foi obrigado a tentar formar uma coligação, mas sem sucesso. Sem o apoio de todos os partidos, Wilders abandonou a ideia de se tornar primeiro-ministro holandês, de acordo com uma publicação partilha na rede social X a 13 de março.

Segundo a Euronews, o Partido pela Liberdade defendou por diversas vezes a proibição de mesquitas, escolas islâmicas e uso de burca e niqab nos Países Baixos e é conhecido pelo seu discurso eurocético e anti-imigração.

A preocupação das democracias

O crescimento da direita radical tem alarmado a esfera social e política de vários países europeus. Para o politólogo Jaime Nogueira Pinto, existem três razões para este crescimento. A primeira assenta na “questão nacional”. Segundo o especialista, apesar de serem “partidários de uma Europa de nações, ou seja, de uma comunidade económica e financeira”, os europeus “são eurocéticos” e “querem mais independência política”. Consequentemente, estes partidos querem, nos respetivos países, ver a identidade nacional reforçada, propondo medidas anti-imigração, “um ponto cada vez mais fraturante para as sociedades europeias”, na visão de Jaime Nogueira Pinto.

Jaime Nogueira Pinto Foto: Íris Nunes/JPN

A imigração vinda do norte da África, muçulmana, é a mais “alarmante” para estes partidos de direita radical, o que se pode explicar pela diferença religiosa. “Para estes partidos, não há problema com quem vem de áreas cristãs. Mas em relação aos muçulmanos, há problemas. Historicamente, isso ficou mais patente em França e, hoje em dia, nos países nórdicos”, analisa Jaime Nogueira Pinto.

O “desaparecimento” ou “esvaziamento” dos partidos comunistas, consequência da desindustrialização das economias ocidentais, contribuiu, igualmente, para o crescimento dos partidos da direita radical, na visão do colunista.

Em resumo, Jaime Nogueira Pinto considera que o “sistema não resolveu, não atendeu e não se ocupou” com questões percecionadas como problemáticas por uma parte do eleitorado e daí nasceu um vazio que estas forças políticas ocuparam, com sucesso junto desse eleitorado. 

A popularidade do populismo

Foi em 2000, que a Áustria incluiu, pela primeira vez, um partido de extrema-direita no Governo. Na época foi sujeita a sanções de 14 países da União Europeia. Este ano, os austríacos vão às urnas em dois momentos – eleições europeias e eleições legislativas – e as sondagens apontam para um crescimento do partido de extrema-direita, FPÖ (Partido da Liberdade da Áustria, em português). Nas últimas legislativas, o partido teve 16,6% dos votos e garantiu 30 dos 183 lugares parlamentares. As intenções de voto são mais favoráveis para as próximas eleições e o descontentamento de parte do eleitorado com o envolvimento do país no conflito na Ucrânia será um dos fatores.

Em França, 15,43% do Parlamento é de extrema-direita. Nas eleições legislativas de 2022, a Rassemblement National (Reunião ou Reagrupamento Nacional, em português), de Marine Le Pen, conseguiu 89 lugares parlamentares, o que se traduz num resultado histórico para a extrema-direita. Em 2017, o partido tinha conseguido eleger apenas oito deputados. A antiga Frente Nacional tornou-se, assim, o maior partido da oposição. A direita radical já tinha mostrado a sua força meses antes, quando, na segunda volta das presidenciais de 2022, a diferença de eleitores que votou em Macron ou Le Pen não foi assim tão significativa: 58,55% contra 41,45%, respetivamente. Nas eleições indiretas de setembro de 2023, a extrema-direita conseguiu voltar ao Senado francês, com a Reunião Nacional a conseguir três lugares.

Marine Le Pen, líder da Rassemblement National. Foto: Twitter Marine Le Pen

Em 2013, quando foi criado, o partido AfD (Alternativa para a Alemanha) compreendia três movimentos: os economistas liberais, os conservadores e os populistas. Nos dias de hoje, predominam os populistas, a fação mais extremista e nacionalista. No panorama europeu, o caso alemão é o que tem recebido mais atenção dado o período histórico do nazismo e o facto de ser o país mais poderoso da União Europeia. Nas últimas eleições legislativas, que se realizaram em 2021, o partido cresceu, tendo mais de 38 mil apoiantes. A popularidade crescente e as sondagens que apontam a AfD como segunda força política nas intenções de voto a nível nacional para as eleições europeias levou os alemães à rua em protesto.

Na sequência das eleições da Andaluzia, em 2018, o Vox entrou no Parlamento regional com 12 deputados. No ano seguinte, nas eleições gerais, assegurou 52 lugares, tornando-se a terceira força política espanhola, atrás do Partido Popular e PSOE. Já nas legislativas do ano passado, o assumido “aliado do partido português Chega” perdeu deputados (passou de 52 para 33). Santiago Abascal, líder do Vox, estava confiante que o partido pudesse continuar a crescer, mas os alertas dos restantes partidos para o perigo de um governo nacional de direita terão contribuído para que o número de votos no partido diminuísse. Abascal conseguiu, no entanto, fechar alguns acordos com Alberto Nuñez Feijóo, do Partido Popular, em mais de 100 municípios, e as consequências foram visíveis: o fim das pastas da Igualdade, uma agenda anti-LGBTI+ e uma ação censória em matéria cultural em alguns municípios.

Santiago Abascal, presidente do partido Vox, de Espanha. Foto: Wikimedia Commons

Na Suécia, a popularidade dos Democratas Suecos aumentou, após terem apoiado o acordo de coligação do partido Moderados com os Democratas Cristãos e os Liberais para a formação de um novo governo em 2022. A extrema-direita sueca, que nos anos 90 era mais virada para a liberdade económica, foca-se, agora, na imigração e em questões de segurança, como se verifica no seu programa. Nas últimas eleições, os Democratas Suecos conseguiram assegurar o lugar de 73 deputados no Parlamento.

E no Parlamento Europeu?

Jaime Nogueira Pinto parece seguro em relação ao que vai acontecer no Parlamento Europeu nas próximas eleições: a direita “vai crescer”. Nas eleições de junho, esperam-se cerca de 180 a 200 deputados de direita sentados no Parlamento o que, na visão do especialista “já é uma representação bastante forte”.

Jaime Nogueira Pinto afirma que esta “geometria mais puxada à direita” vai trazer “mais restrições ao federalismo e à autoridade da União [Europeia] sobre os países”. Na visão do politólogo, a área mais afetada por este crescimento da direita vai ser a do combate às alterações climáticas, uma vez que, como explica, “estes grupos, de um modo geral, apesar de não serem negacionistas climáticos, são críticos da Agenda 2030”, focada em objetivos no domínio da sustentabilidade.

Editado por Inês Pinto Pereira