Na noite mais curta do ano, em vésperas de São João, o JPN seguiu viagem na Rota do Dragão. O programa do Museu do FC Porto conta quase dez anos, sempre com o historiador Joel Cleto ao leme.

Junto ao Estádio do Dragão, o ambiente é diferente do de um dia de jogo. O dia mais longo do ano dá já lugar à noite mais curta, quando o JPN se junta a um pequeno grupo de pessoas nas imediações do Museu do Futebol Clube do Porto. Está prestes a começar mais uma visita da Rota do Dragão, uma proposta do museu do clube que pretende levar os interessados pelos “caminhos” e curiosidades da história portista e portuense.

No comando da visita, que nesta ocasião teve a particularidade de decorrer à noite e a bordo de um autocarro panorâmico, está Joel Cleto. O historiador e rosto, há largos anos, do programa “Caminhos da História” do Porto Canal – estação detida pelos dragões -, é abordado, mal chega, por um casal participante: vai “um autógrafo”? 

Depois de distribuídos os auriculares para, mais tarde, Joel Cleto se fazer ouvir, é hora de embarcar. A visita começa por uma explicação sobre como cresceu o Porto e como se tornou na cidade que é hoje. Um dos empreendimentos que contribuiu para esse crescimento naquela área, em particular, foi a construção, a partir de 1950, do antigo quartel-general do FC Porto: o Estádio das Antas

Antas que eram a casa dos dragões, criatura mitológica que, desde 1922, faz parte do emblema do Futebol Clube do Porto (fundado em 1893), tornando-se um ícone identitário tanto do clube como da própria cidade. A figura do dragão pode ser encontrada em diversos locais de referência do Porto, lembra Joel Cleto, como na famosa Pérola do Bolhão ou no lendário Café Majestic.

A noite do solstício, 21 de junho, é também uma ocasião especial para falar sobre outra tradição emblemática da cidade, o São João. Emblemática e muito antiga. A Crónica de Fernão Lopes já descreve os festejos de S. João em 1384, recorda Joel Cleto durante a viagem. Apesar de ser o santo  mais popular da cidade, o São João não é, ainda assim, o santo padroeiro do Porto. Esse papel cabe à Nossa Senhora da Vandoma, a qual se encontra representada no emblema do FCP, a que se voltará adiante.

No total, esta rota conheceu quatro paragens, em locais ora muito ligados ao clube, ora simbólicos do ponto de vista da história da cidade. A primeira paragem foi no Campo da Constituição, o principal recinto dos jogos do Futebol Clube do Porto de 1913 a 1952, sendo depois substituído pelo Estádio das Antas. Atualmente, é utilizado pelas equipas dos escalões de formação do clube.

Na Rotunda da Boavista está um dos mais icónicos monumentos da cidade do Porto. Foto: Beatriz Lima Santos

A segunda paragem teve lugar na Rotunda da Boavista, um dos ícones da cidade, conhecida pelo seu elegante design e pelo Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular. A terceira paragem ocorreu no Jardim do Passeio Alegre, onde se encontra uma das duas únicas estátuas de São João Batista, no Porto.

Por fim, a quarta paragem foi no Jardim do Cálem, onde se encontra o Monumento aos Tripeiros, uma homenagem aos habitantes da cidade, que se terão sacrificado, em 1415, quando ficaram com as vísceras dos animais cuja carne serviu para guarnecer as caravelas do Infante D. Henrique. Vem daí a tão conhecida expressão “fazer das tripas coração”, recordou Joel Cleto. 

Estátua de São João Batista, no Jardim do Campo Alegre. Foto: Beatriz Lima Santos

Um emblema ligado à história da cidade

A ligação entre o emblema do Futebol Clube do Porto e a história da cidade foi também tópico de conversa. O dragão transcende o seu significado desportivo e torna-se um elemento identitário da própria cidade do Porto. Representa “força, coragem e determinação”, reforça Joel Cleto, refletindo a história de resistência e superação que moldou a cidade ao longo dos séculos. 

O símbolo do clube mantém-se intacto no hoje renovado Campo da Constituição. Foto: Beatriz Lima Santos

O emblema do FCP “é apenas e só uma belíssima bola de futebol azul com as letras a branco ‘FCP’, sobreposta pelo brasão da cidade”, explicou o historiador. Esse brasão, contém as cinco quinas, os setes castelos, a Nossa Senhora da Vandoma e as duas torres que representam as portas da cidade, o que reforça a antiga tradição do Porto como a cidade da virgem, onde a proteção divina e a força do povo se entrelaçam. Das torres, saem braços com uma espada e uma bandeira cada um, uma homenagem de D. João VI que reconheceu o espírito de revolta do Porto contra os franceses, contou ainda Joel Cleto.

No centro do escudo, está o coração de D. Pedro, oferecido pelo monarca ao Porto como agradecimento pela bravura dos portuenses na defesa da cidade e da liberdade. No topo do brasão, está uma coroa de duque que relembra que o segundo filho dos reis de Portugal era o Duque do Porto. O colar à volta do escudo simboliza a mais alta condecoração portuguesa, a Ordem de Torre e Espada, atribuída à cidade na sequência do seu sacrifício durante o cerco do Porto, de 1832 a 1833. O dragão, por cima da coroa, é o elemento das armas dos antigos reis de Portugal, reforçando a origem real do Duque do Porto e o agradecimento régio à cidade.

Por fim, a palavra “Invicta”, que também está no símbolo, foi a denominação atribuída à cidade após a sua vitoriosa resistência ao Cerco do Porto. Recorda-se, a propósito, que o rei D. Pedro IV começou a chamar ao Porto “Invicta” para agradecer à cidade todo o apoio popular e político na luta contra o seu irmão, D. Miguel, que se tinha apoderado do trono e instaurado um regime absolutista.

Uma “visita especial” em noite de solstício de verão

No final do percurso, que durou cerca de duas horas, Joel Cleto, historiador e colaborador do Museu do Futebol Clube do Porto no projeto da Rota do Dragão, contou ao JPN que esta foi uma “visita especial” com várias diferenças em relação às visitas habituais. “Por regra, as visitas que fazemos na Rota do Dragão são a pé e esta foi de autocarro. Regra geral, as visitas são de dia, esta foi à noite. E esta teve também a particularidade de ser na noite mais curta do ano, no solstício de verão, em cima das festas de São João. E, por isso, quisemos cruzar o simbolismo do Futebol Clube do Porto com outros elementos icónicos emblemáticos da cidade, a propósito de São João”, declarou.

Esta viagem da Rota do Dragão teve a particularidade de ser a bordo de um autocarro panorâmico.

Quanto aos locais visitados nas Rotas do Dragão, o historiador refere que, ao longo do ano, são sempre diferentes. “Os locais são sempre diversificados. O que acontece, às vezes, é repetirmos alguns locais, dado o sucesso que podem ter tido em visitas anteriores. Mas, mesmo assim, aquilo que nós temos tentado é, todos os anos, apresentar propostas diferentes”.

Joel Cleto espera que quem experiencia a Rota do Dragão compreenda a história, tanto do Futebol Clube do Porto como da cidade:  “Quero que percebam que existe um relevante património e que o património do Futebol Clube do Porto não é só o que podemos ver no interior do museu, é também esse património com que nós nos cruzamos na cidade”.

A Rota do Dragão é uma iniciativa que tem sempre muita procura o que, para Joel Cleto, reflete que o gosto das pessoas pela história é maior do que o que parece: “Acredito firmemente que existe um interesse das pessoas pelas questões ligadas à história e ao património. Este programa do Museu de Futebol Clube do Porto é também uma boa prova disso. Na maior parte das vezes encontra-se esgotado, mas há muitas outras iniciativas de outras instituições da cidade que promovem visitas à história e ao património da cidade e por regra esgotam, o que significa que há, de facto, aqui uma um gosto pela história”.

Um museu que se estende pela cidade do Porto

A Rota do Dragão promove visitas como esta há já quase dez anos (começaram em 2014). Em 2023, cumpre-se a nona edição, tendo esta visita sido a segunda do ano. Jorge Maurício, diretor de programação do Museu FCP, recordou a importância desta iniciativa como “uma forma de explicar às pessoas, ou relembrar-lhes, a importância” do clube que partilha o nome com a cidade onde nasceu. “O Futebol Clube do Porto está em quase todo o percurso que nós pisamos da Foz a Matosinhos, Vila do Conde a Espinho, há sempre qualquer coisa que liga o clube à cidade e vice-versa”, considerou em declarações ao JPN.

Sobre o perfil dos que procuram a atividade, muitas vezes esgotada, Jorge Maurício refere que ele é diversificado: de crianças a pessoas de idade mais avançada, pessoas do Porto e de fora da cidade. São, em resumo, “pessoas que querem saber mais sobre o clube ou sobre a cidade”.

Estes passeios em que se revisita a história de um clube e de uma cidade estão também representados no museu através de uma exposição temporária na sala multiusos do museu, que pretende ser uma síntese, através da fotografia, das várias rotas já realizadas. A exposição vai estar no museu até finais de agosto e, segundo Jorge Maurício, “é uma homenagem à própria Rota do Dragão e ao Joel”.

Na exposição existem QR codes que remetem para os locais onde é possível encontrar os símbolos do clube espalhados pela cidade, que estão retratados em fotografias. Ao celebrar os quase dez anos da rota do dragão, Jorge Maurício promete para o futuro “mais surpresas, mais rotas e mais desafios”.

Esta Rota do Dragão chegou ao fim. As próximas visitas vão decorrer, mais uma vez, com Joel Cleto, a 29 de julho, às 15 horas, e a 26 de agosto, às 10 horas.

Editado por Filipa Silva

Artigo corrigido às 09h24 do dia 4 de julho. A exposição temporária mencionada no artigo encontra-se na sala multiusos do Museu do FCP e não no Espaço João Espregueira Mendes como se referia inicialmente.