O Festival Internacional de Marionetas do Porto arranca esta sexta-feira, 6 de outubro, no Rivoli. Em entrevista ao JPN, Igor Gandra, diretor artístico do festival, destacou alguns dos espetáculos do programa, este ano dedicado a “Memória, Imagem e Manipulação”. Pela primeira vez, Aveiro também faz parte do mapa do FIMP.

O “Armazém 88” sobre hoje (21h30) ao palco do Rivoli – Teatro Municipal. Foto: Teatro das Marionetas do Porto/D.R.

O “Armazém 88” levado a cena pelo Teatro das Marionetas do Porto – esta sexta-feira (6), no Teatro Rivoli, a partir das 21h30 – marca o arranque da 34.ª edição do Festival Internacional de Marionetas do Porto (FIMP).

Uma edição que se prolonga até 15 de outubro e que se espalha por 12 locais do Porto e de Matosinhos. Ao todo, são 17 os espetáculos, de companhias nacionais e estrangeiras, que o FIMP tem para oferecer. Sob o mote “Memória, Imagem e Manipulação”, o certame, que viu o seu orçamento reforçado, estende-se este ano, pela primeira vez, a Aveiro, a 5 de novembro.

Foi sobre tudo isto que o JPN falou com Igor Gandra, o diretor artístico do festival que se dirige, maioritariamente, a “um público adulto”.

Os festivais de marionetas são, normalmemte, associados a um público mais infantil. O Festival Internacional de Marionetas do Porto é um festival para crianças?

A programação do FIMP é maioritariamente dirigida a um público adulto. Isto quer dizer que a maior parte dos espetáculos tem classificações etárias de maiores de 12 [anos], maiores de 16 e, às vezes maiores, de 18, mas é raro. Não obstante, há também alguma programação para todas as idades, porque espetáculos para miúdos também são bem giros para serem vistos por adultos. Portanto, mais ou menos em todos os nossos espaços parceiros, seja o Teatro Municipal do Porto, o Teatro Nacional São João, o Teatro Constantino Nery, em Matosinhos, há também alguma programação para miúdos e famílias.

Relativamente à programação, sabemos que é um vasta. Ainda assim, há alguns espetáculos que queira destacar?

Acho que devemos começar pelo princípio, que é justamente o espetáculo de abertura, o “Armazém 88”, uma nova criação, em estreia absoluta do Teatro de Marionetas do Porto, que com esta criação assinala também os seus 35 anos de existência e de produção artística na cidade do Porto.

É uma peça que nos deixa muitíssimo contentes e para a qual convido toda a gente a vir conhecer ou reconhecer uma parte importante do acervo desta companhia já histórica, mas que também é agora animada por uma nova geração que nos traz novas interpretações para alguns objetos emblemáticos de algumas criações fundamentais no percurso da companhia. Este é um dos espetáculos que eu, seguramente, destaco.

No primeiro fim de semana, também, o regresso da companhia holandesa Hotel Modern, com o espetáculo “Our Empire”, “O Nosso Império”, em que eles trazem uma fusão muito interessante entre teatro e cinema. Através de pequenos decors miniaturizados,  animação de marionetas, filmadas em tempo real, filmadas e projetadas, eles dão-nos um espetáculo que é, ao mesmo tempo, um filme sobre aspetos da história do Império Colonial Holandês. É um espetáculo que tem uma grande força visual e que tem a poética própria dos “Hotel Modern”, que cruza estes grandes temas históricos com a fragilidade própria daquelas marionetazinhas deles e daqueles cenários tão interessantes que eles sempre apresentam.

“Our Empire” é a proposta dos holandeses Hotel Modern. Foto: Pauline Kalker/D.R.

O FIMP tem, este ano, no dia 5 de novembro, uma extensão a decorrer em Aveiro. O que nos pode dizer sobre isso?

É uma novidade na vida deste festival que nos deixa muito contentes. Poder colaborar com mais uma cidade, mais a mais uma cidade que se tem vindo a afirmar culturalmente, como é a cidade de Aveiro. Nós, com o Teatro Aveirense, que neste caso é o nosso parceiro direto, preparamos a vinda dos “Reckless Sleepers”. É um coletivo inglês, com o espetáculo “Negative Space”, que é um espetáculo extraordinário, que se baseia num cenário, que irá ser construído de propósito no teatro Aveirense, e o próprio espetáculo resulta na destruição desse cenário, ao longo da peça. É uma peça muito desconcertante.

É um bocado cómica, mas ao mesmo tempo um bocadinho comovente, porque tudo aquilo tem uma dimensão trágica. É muito interessante. Eles têm também uma estética muito própria, um humor que é muito fino, mas, ao mesmo tempo, aquilo é bastante explosivo e enérgico.

O chapéu temático desta edição é “Memória, Imagem e Manipulação”. Como e por que é que este foi o tema escolhido?

Este é o primeiro ano de um novo ciclo quadrienal. Isto corresponde também aos ciclos de apoio da Direção-Geral das Artes, que é o principal apoio financeiro do festival. É um novo ciclo, em que partimos do trabalho que fizemos no ciclo anterior, que era dedicada às ciências e políticas da matéria animada. Para este novo ciclo, não criámos a ideia de um tema que percorresse os quatro anos, mas, vamos trabalhando de uma forma mais autónoma em cada ano.

Nesta edição, trabalhamos sobre a ideia de “Memória, Imagem e Manipulação” e isso surge, com toda a franqueza, a partir dos objetos que nos foram chegando no inicio do desenho deste programa, há mais de dois anos, na verdade, em que começamos a perceber – talvez tenha a ver um pouco com aquilo que vivemos na pandemia, em que tivemos mais tempo para refletir sobre a vida e o percurso que foi feito -, que existia aqui uma dimensão, por um lado, biográfica, de alguns projetos que queríamos trazer. E, por outro lado, também, a experiência de um momento histórico excecional, que evidenciou, na sensibilidade de alguns artistas, esta ideia de pensar sobre a memória histórica.

No caso do “Armazém 88”, a memória coletiva daquele grupo de artistas, que vai mudando ao longo dos anos, mas que tem ali também uma consistência muito grande. Nalguns casos, aspetos que tem que ver com a memória mais pessoal, como é exemplo o “Polaroid”, da companhia “MECANiKA”, em que o artista parte de um álbum de fotografias de família, para a montagem do espetáculo. Porque uma coisa que também é muito interessante é este encontro entre aquilo que é a grande história, a história que depois os vencedores escrevem nos livros (risos) e a história subjetiva, de cada um, a maneira como nos inscrevemos naquilo que vai acontecendo no mundo, de forma consciente, mais ativa ou mais passiva, com mais ou menos controlo, mas somos sujeitos na história, também.

“The Watching Machine” vai ser apresentado em Matosinhos. Foto: D.R.

A ideia de imagem e manipulação estão articuladas. No fundo, o programa também propõe uma articulação entre estes três conceito. Por um lado, a manipulação é a ferramenta matricial da linguagem em que o FIMP se inscreve. Por outro lado, a ideia de criação de imagens também está muito próxima das ferramentas que os artistas usam no palco, mas também tem a ver com a natureza de alguns espetáculos. Estou a pensar, por exemplo, no “The Watching Machine”, que apresentaremos em Matosinhos, no Teatro Constantino Nery, em que é proposto um jogo de espelhos, de fumo e de outros efeitos que manipulam não apenas a imagem, mas a perceção do próprio espaço e dos corpos em cena. É evidente que a ideia da manipulação não é apenas uma ferramenta das marionetas e do teatro de objetos, também tem uma conotação política que é frequentemente utilizada, e isso também não está ausente do programa do festival.

Este ano o apoio financeiro da Direção-Geral das Artes ao FIMP foi substancialmente maior, tendo aumento para os 180 mil euros. Em que medida é que isso contribuiu para auxiliar na organização do programa?

É um apoio que nos permite ter uma existência muito mais consistente ao longo do ano. Traduz-se no programa que é apresentado em outubro, com mais meios para programar, e isso é sempre importante. Embora o programa do festival seja também possível graças à colaboração das entidades parceiras: o Teatro Nacional de São João, o Teatro Municipal do Porto, um importantíssimo parceiro deste festival, também, o Constantino Nery, em Matosinhos, o Teatro Aveirense, etc. Mas, permite, fazer um trabalho mais estruturado, mais consistente ao longo do ano.

Neste primeiro ano do ciclo, tem consistido em ações mais ligadas ao campo da formação, por um lado, e da abertura aos processos criativos que estão em curso ao longo do ano e que depois revertem para a programação do festival e [através desta] para o nosso público. Portanto, permite-nos manter, com o publico, uma relação muito mais estruturada, constante, estável do que aquela que era possível até agora em que, o festival, por escassez de meios estava confinado a uma existência mais circunscrita ou episódica, ao período de outubro. Em termos de comunicação, também tem vantagens muito grandes. Nós podermos manter esta chama acesa ao longo do ano e manter a relação com o nosso público, que é para isso que nós trabalhamos, para pôr em contacto as pessoas com o trabalho dos artistas.

Editado por Filipa Silva