A redação do "Jornal de Notícias" reuniu-se em plenário na última quinta-feira (30) e decidiu manter um pré-aviso de greve para esta semana como forma de protesto contro o despedimento coletivo que poderá estar iminente. Petição em defesa do jornal já reuniu mais de 4.700 assinaturas.

O “Jornal de Notícias” foi fundado em 1888. Foto: Filipa Silva/JPN

Os trabalhadores do “Jornal de Notícias” decidiram manter para os dias 6 e 7 de dezembro um pré-aviso de greve, num plenário da redação realizado na quinta-feira (30). Os trabalhadores querem pressionar a nova administração do Global Media Group (GMG), detentor do título, a recuar na intenção de despedir mais de uma centena de trabalhadores, quatro dezenas das quais no “JN”, segundo informação veiculada pelos trabalhadores. 

Em comunicado enviado às redações, os profissionais reunidos em plenário justificam a convocação da greve “em face da falta de resposta da administração ao pedido de esclarecimento sobre a intenção de despedimento coletivo no GMG enviado no dia 24 de novembro” e prometem também “aprovar medidas de amplificação da causa do JN junto da opinião pública”.

Exemplos dessas medidas são as páginas de Facebook e Instagram “Somos JN”, criadas na sequência de uma petição com o mesmo nome que até ao momento já reuniu mais de 4.700 assinaturas.

Nesse texto, os profissionais do jornal, que tem 135 anos de história e sede na cidade do Porto, dão conta de que “a administração [do GMG] comunicou, internamente e sem pedir reserva, a intenção de proceder ao despedimento de cerca de 150 pessoas, das quais 40 na redação do ‘Jornal de Notícias’ – que entre a sede no Porto e a delegação de Lisboa tem cerca de 90 profissionais.” Assim, alertam, “um corte desta dimensão será a morte do JN como o conhecemos”.

Ao JPN, representantes dos trabalhadores – cuja identidade pediram para não ser revelada – afirmaram ainda que “as pessoas estão muito preocupadas, tanto individualmente como coletivamente”, prova disso foi o facto de os últimos dois plenários da redação terem sido “os mais concorridos”.

Para os trabalhadores, para além do emprego, teme-se pelo futuro do órgão que é, lembram, o único jornal nacional feito a partir do Porto. É um jornal de causas, com histórico de proximidade, que dá voz a uma franja da população que, sem o JN, não teria um megafone, porque falamos de populações e instituições que não é coberta por mais nenhuma publicação”, reforçam.

Além do medo de poder sair, também paira no ar o medo daqueles que ficam por temerem as condições que vão ter para trabalhar na redação.

Até ao fecho da edição deste artigo, os trabalhadores ainda não tinham reunido com a administração, uma vez que, asseguram, ainda não para tal foram contactados.

A última greve realizada por trabalhadores do JN data de 2015. A concretizar-se uma paralisação nos dias 6 e 7 de dezembro, será a segunda de títulos detidos pelo GMG no espaço de três mesesos trabalhadores da TSF estiveram 24 horas em greve, a primeira da sua história, em setembro.

O plano de reestruturação do Global Media Group – que além do “JN”, detém a rádio TSF, o desportivo “O Jogo” e o “Diário de Notícias” e muitos outros títulos – deve ser apresentado esta semana. Ao jornal “Expresso”, a administração do grupo não confirmou nem desmentiu a intenção de avançar com um despedimento coletivo. A comissão executiva da Global diz antes que “o Global Media Group já deixou bem claro que a situação do grupo, à semelhança do que ocorre em todo o setor, não é a melhor”. Por isso, adianta, a solução “terá de passar pela contenção de despesas, aumento de receitas e racionalização de meios e recursos, sendo que, para isso, existem várias alternativas, algumas delas complementares, e que estão a ser estudadas”.

O JPN sabe que estava prevista para esta terça-feira de manhã uma reunião da administração do grupo com os diretores dos vários títulos do grupo, encontro esse que foi entretanto desmarcado. 

Fundo de investimento com sede nas Bahamas assume controle da Páginas Civilizadas

Tanto a estrutura acionista como a administração e vários cargos de direção do Global Media Group sofreram alterações importantes nos últimos meses.

Em julho, o “Jornal Económico” avançou que a gestora de fundos Union Capital Group (UCAP Group) entrou como acionista na Páginas Civilizadas, empresa que era maioritariamente detida pelo grupo Bel de Marco Galinha, e que detém 50,25% do Global Media Group e de 22,35% da Agência Lusa.

Já em outubro, ficou a saber-se que essa posição foi reforçada e que se tornou maioritária, levando forças políticas, como o Partido Socialista, a pedirem esclarecimentos à Entidade Reguladora para a Comunicação sobre os novos investidores.

Em resposta à Agência Lusa, a ERC, fazendo uso da informação submetida através do Portal da Transparência dos Media, confirmou que o World Opportunity Fund [detido pela UCAP Group], com sede nas Bahamas, adquiriu, em duas operações, em julho e outubro deste ano, uma participação maioritária (51%) na empresa Páginas Civilizadas. Disse também aguardar por mais informação.

Marco Galinha alienou, assim, a sua participação maioritária na Páginas Civilizadas, tendo-se mantido no cargo de presidente executivo do Global Media Group até novembro. Foi substituído por José Paulo Fafe, que em 2021 relançou o jornal “Tal&Qual” e que tinha entrado com Diogo Agostinho e Filipe Nascimento para a administração do GMG em setembro.

De então para cá, vários cargos sofreram alterações nos seus titulares. Domingos Andrade foi destituído de diretor-geral da rádio TSF e substituído por Rui Gomes. Rosálio Amorim deixou a direção do “Diário de Notícias” para assumir a direção de informação da TSF, nomeação rejeitada pelo Conselho de Redação da estação. Mais recentemente, Inês Cardoso e Pedro Ivo Carvalho, que além de fazerem parte da direção do JN são também, respetivamente, diretores da revista “Evasões” e “Volta ao Mundo”, foram surpreendidos pela administração do grupo que, de acordo com os jornalistas, nomeou um coordenador para as duas publicações sem ter informado os diretores “de qualquer eventual processo de transição”, referiu o Conselho de Redação do JN num comunicado citado pelo jornal “Público”.

Alterações diretivas que foram ainda acompanhadas, no Porto, de uma contestada mudança de instalações – há muito anunciada, mas só em maio concretizada. Os trabalhadores do “JN”, “O Jogo” e “TSF” deixaram o histórico edifício da Rua Gonçalo Cristóvão, no centro da Invicta, e foram transferidos para o Centro Comercial do Carvalhido – no caso da rádio, os profissionais fora para a Rua Tenente Valadim, no mesmo edifício que alberga a TVI-CNN Portugal. O edifício foi vendido a uma sociedade chinesa, com o intuito de ser transformado num hotel.

Foi também notícia – avançada na semana passada pelo Observador – que o Governo planeava adquirir à Páginas Civilizadas e ao Global Media Group a participação destes na agência Lusa, mas o negócio terá sido abortado, por força da aproximação de eleições antecipadas. 

Sindicato dos Jornalistas reúne com Marcelo Rebelo de Sousa

Em comunicado, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) “lamenta” o que considera ser o “regresso ao passado” no Global Media Group, com a administração a “ignorar ou desrespeitar as estruturas sindicais, enquanto tenta aterrorizar os trabalhadores.”

Com reunião pedida, mas sem data marcada, o SJ condena a falta de “discussão sindical” e a estratégia da empresa “que anunciou de viva-voz a vários representantes o despedimento de cerca de 150 pessoas – 40 no ‘Jornal de Notícias’, 30 na TSF e 56 nos serviços partilhados do grupo – e depois negou à Imprensa ter comunicado esse plano como o único possível, não ‘uma hipótese teórica como qualquer outra’, como argumentou publicamente o presidente do conselho de administração do GMG, José Paulo Fafe”, refere ainda a estrutura sindical.

A possível “alienação” das revistas “Evasões” e “Volta ao Mundo” é também criticada pelo SJ, que por conta destas preocupações solicitou uma audiência ao presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na última quarta-feira (29).

Artigo atualizado às 16h24 do dia 4 de dezembro de 2023. A reunião da administração do grupo com os diretores dos títulos detidos pelo GMG, prevista para esta terça-feira, foi entretanto cancelada.