Em entrevista ao JPN, o presidente da Comissão de Ética da Universidade do Porto considerou que é dever das universidades acompanharem o desenvolvimento tecnológico e treinarem os estudantes no uso das ferramentas que o mercado de trabalho exigirá. Impor limites ao uso pode ser "problemático", embora admita que há linhas vermelhas que não podem ser atravessadas.

José Meirinhos preside ao CEUP desde 2022. Foto: Notícias UP/D.R.

A Inteligência Artificial (IA) não é um tema novo, mas nunca como este ano foi tópico de conversa. A revista “The New Yorker” deste mês diz que 2023 foi “O ano em que a IA comeu a internet”. A britânica “The Economist” nomeou o “ChatGPT” como a palavra global do ano. De facto, a ferramenta que a Open AI lançou em novembro do ano passado – e todas as concorrentes que se seguiram – veio popularizar e tornar urgente uma discussão até aqui mais fechada em círculos de especialistas e curiosos.

Talvez por isso tenha sido “fácil” a escolha da Comissão de Ética da Universidade do Porto (CEUP) para tema das jornadas deste ano. “Pareceu-nos o momento de introduzir o tema da Inteligência Artificial, por causa das implicações éticas que tem para a atividade de investigação e para a aprendizagem e o ensino”, explicou ao JPN José Meirinhos, presidente da CEUP, por altura da realização das jornadas, em outubro.

Embora o objetivo das jornadas não seja “chegar a conclusões”, se se pode tirar alguma, disse o professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), é que “há uma grande disponibilidade da academia para acolher as ferramentas”. “A ideia, que podia parecer que seria a primeira, de rejeitar a entrada destas ferramentas, que elas não podem entrar na sala de aula e que isto vai modificar tudo – já ninguém tem essa posição”, garante.

O catedrático da FLUP vai mais longe: há até membros da academia que já estão a integrar os novos programas de Inteligência Artificial (IA) nas suas aulas. “Um dos participantes [das jornadas] até mencionou que já fez avaliações nas suas Unidades Curriculares em que os estudantes tinham de utilizar Inteligência Artificial de uma determinada maneira e quem não utilizasse tinha uma penalização de três valores”, exemplificou. 

Para José Meirinhos, é esse o caminho que o ensino superior deve seguir. A instituição deve acompanhar os novos desenvolvimentos tecnológicos e treinar os estudantes “na utilização  que elas [as novas ferramentas] permitem, compreendendo as suas limitações, sobretudo aprendendo a fazer as perguntas”, porque “quem frequenta agora a universidade, estará no mercado de trabalho ou terá uma função social proximamente em locais onde estas ferramentas vão ser, cada vez mais, utilizadas”.

O professor da FLUP considera ainda “problemático” limitar “até onde é que se pode ou não utilizar” os programas de IA, como o ChatGPT, por parte da universidade no contexto académico. A regulamentação debater-se-ia com a “evolução constante” das ferramentas e, mais importante para o docente, poderia interferir com “a liberdade académica”, “a grande característica da instituição universitária”. “Sem essa liberdade, a universidade também ficava descaracterizada e perdia um pouco a sua razão de ser”, afirma.

Uma ameaça? “Depende”

Mesmo assim, o presidente da Comissão de Ética da UP não descura as implicações menos positivas que o uso da Inteligência Artificial pode ter no ensino superior.

Poucos dias depois da realização das jornadas, o “Expresso” tornou público um caso ocorrido na FLUP, onde um professor detetou que 50 alunos entregaram um trabalho de estrutura similar e sem erros ortográficos, escritos, concluiu então o docente, com recurso ao ChatGPT.

As Jornadas da Comissão de Ética da Universidade do Porto tiveram lugar na Reitoria a 27 de outubro. 'Still' de vídeo promocional das Jornadas da CEUP

José Meirinhos admite que existe, entre os docentes, uma “preocupação” com a inexistência de fronteiras na utilização das ferramentas, sendo certo que há linhas vermelhas que não podem ser cruzadas: “Não podemos considerar que é um trabalho da autoria de quem o apresenta se ele resulta apenas de perguntas que foram feitas, se aquilo é uma colagem de respostas. Isso não pode ser considerado um trabalho individual”, sublinha, e confessa que “há membros da academia mais entusiastas e outros com mais receio”. 

Quando questionado sobre se os novos programas são uma ameaça ou uma oportunidade para o conhecimento universitário, José Meirinhos responde: “Uma oportunidade é, a ameaça depende de como é que utilizamos [a IA]”.

Para o docente, a ameaça começa quando os professores se tornam “indiferentes” ao modo como os alunos usam a IA no trabalho académico, sob o risco de a instituição “não cumprir de maneira nenhuma o seu objetivo, que é formar e também fazer com que as pessoas gostem de aprender e se envolvam na procura do conhecimento e na produção de conhecimento”.

A máquina em vez do professor? “Provavelmente”

José Meirinhos está consciente das limitações dos programas de Inteligência Artificial que se encontram “em acesso livre”, nomeadamente os “muitos erros” que contêm. 

Contudo, também está ciente do quão “poderosos” os recursos são. Por isso, perante a hipótese de, no futuro, a máquina substituir um professor, não hesita: “Provavelmente [conseguirá], e provavelmente melhor”. Não lhe é “difícil” imaginar a criação de um “professor” que “nunca se canse, trabalhe 24 horas, nunca se irrite com as perguntas nem com o barulho que está a ser feito na aula, tenha paciência para todas as perguntas que lhe façam e saiba tudo com todo o pormenor”. 

Neste contexto, o presidente da CEUP sabe que a universidade “vai estar sob pressão para ter de modificar os seus procedimentos” de avaliação.

Por enquanto, cabe à Academia “continuar a produzir conhecimento novo”, original, com uma grande lição” presente: “a ciência não é repetir o que já está dito e o que já está feito”, conclui. 

Editado por Filipa Silva

Artigo realizado no âmbito da cadeira de TEJ Online – 2.º ano