É com a palavra “merdra” que começa “UBUs”, a nova peça encenada por Ricardo Pais, a estrear esta noite no Teatro Carlos Alberto, no Porto. Um começo que funciona como prenúncio dos actos seguintes, numa peça que o próprio encenador classifica como “um retrato do obsceno, do hediondo, em linguagem rasca e baixa”.

O texto é de Alfred Jarry, um autor que, apesar da sua morte precoce (com 34 anos, em 1907), teve tempo para romper com o convencionalismo e com alguns dos clichés que dominavam o teatro da época em que viveu, abrindo portas para aquilo que viria a ser designado de Teatro Moderno, enquanto chocava a França inteira com a sua escrita polémica, “alucinada”, paródica, num universo que muitos descrevem como absolutamente “caótico”.

“O poder, sobretudo o pequeno poder, do contínuo, do professor, da mulher sobre o homem, mas também do rei sobre os súbditos e vice-versa, do homem sobre o homem e da cobiça sobre todos eles”. Eis o universo deste dramaturgo agora revisitado por Ricardo Pais. O resultado desta reinterpretação surge na forma de uma “Féerie montada no ambiente sujo de uma feira muito popular”, e culminará naquilo “que pudermos criar a partir da ilusão de liberdade absoluta com que nos desculpamos de tantas tiranias”.

A tradução, crítica e anotada, destas peças “ubuescas” esteve a cargo de Luísa Costa Gomes e resultou num volume a publicar, durante o mês de Abril, pela Campo das Letras, com o apoio do TNSJ, e que contempla quatro textos que relatam a gesta do rei Ubu: “Rei Ubu”, “Ubu Cornudo”, “Ubu no Outeiro” e “Ubu Agrilhoado”.

Inicialmente, Ricardo Pais chegou a pensar fazer este “Ubus” com marionetas, conforme as instruções iniciais de Jarry, que, em 1889, com apenas 16 anos, fazia a primeira encenação caseira do texto com as marionetas do Théatre des Phynances. No entanto, o encenador não conseguiu resistir à tentação de trabalhar mais uma vez com actores que já conhece bem, numa tentativa de explorar de forma mais realista o “absurdo” e o “ridículo” da condição humana.

Em palco teremos um Dom Ubu, na pele de João Reis, acompanhado por três “sôdonas Ubu” (Emília Silvestre, Micaela Cardoso e Lígia Roque), para além de um grupo numeroso de “empaladores” (Alberto Magassela, Ivo Alexandre, Jorge Vasques, Pedro Almendra, Pedro Pernas e Paulo Freixinho).

O espectáculo começa esta noite, às 21.30, e vai estar em cena no Teatro Carlos Alberto até ao dia 7 de Maio, contando ainda com a cenografia de Pedro Tudela, canções de Sérgio Godinho, e “consultoria mágica” de Luís de Matos.

Anabela Couto