Como e por que é a comunicação social portuguesa passou do “silêncio” para a abundância de notícias sobre a autodeterminação de Timor? É a esta questão principal a que Rui Marques procura responder em “Timor-Leste: O Agendamento Mediático”. O livro, editado pela Porto Editora, foi lançado hoje, terça-feira, na Universidade Católica, em Lisboa, onde o investigador lecciona.

Rui Marques estudou as 6.635 notícias sobre Timor divulgadas entre 1987 e 1999 pela Agência Lusa, um fonte de informação que, segundo o investigador, “determina o agendamento mediático” em Portugal. Para além da análise quantitativa, Marques debruçou-se sobre 87 palavras-chave para analisar o conteúdo das notícias. O livro apresenta ainda entrevistas exclusivas com Xanana Gusmão e Ramos-Horta, e prefácio do jornalista Adelino Gomes.

Rui Marques concluiu que o tema cresceu sustentadamente na produção noticiosa da Lusa. Depois de um “período do silêncio” (entre 1987 e 1989), com apenas 13 notícias, o tema passou para a fase da “explosão” (1991-1994), com o pós-Massacre de Santa Cruz e outros acontecimentos (1.983 notícias).

Mais tarde, surgiria a consagração com o referendo para a autodeterminação de Timor, em 1999, e os acontecimentos que o antecederam (2.843 ‘takes’ noticiosos).

A crescente importância do tema Timor na redacção da Lusa deve-se a uma soma de factores, explica o livro. O assunto deixou de ter um enquadramento negativo, como tinha nos anos seguintes ao 25 de Abril de 1974, e, com a abertura do território a estrangeiros, em 1989, criaram-se mais condições para o tema entrar nos “media”.

A atenção mediática deveu-se, contudo, sobretudo à “estratégia” da resistência timorense, em particular da Igreja, que soube “conduzir a sua luta”, trazendo o assunto para a comunicação social. Compreenderam que “o que não tem existência mediática não tem existência política”, explica Rui Marques ao JPN.

Valores como a “luta pacífica”, a “importância dos jovens” e a “fé cristã” foram elementos importantes para estabelecer a ligação com o Ocidente e, em particular, com a opinião pública portuguesa. Neste caso, Rui Marques destaca ainda a ligação simbólica que deriva da partilha da língua portuguesa. Esta, juntamente com a importância que ambos os países dão à Igreja, teve um “impacto muito grande que a opinião pública deu ao tema”.

O especialista admite que esta valorização de critérios de “proximidade” afectiva pode ser perversa, dado que “induz injustiças relativas” quando comparada com casos semelhantes menos atractivos mediaticamente. Contudo, defende, “Timor representa a evidência que é possível David vencer Golias” através do agendamento mediático.

Jornalista ou militante

O envolvimento dos “media” portugueses na causa timorense colocou em questão algumas fronteiras deontológicas. A associação entre Indonésia e opressão, a polarização entre “bons” e “maus”, a identificação da vítima e da opressora, despertaram a “adesão afectiva de uma opinião pública que se projecta ao lado dos inocentes e das vítimas”, referem as conclusões do estudo.

Rui Marques diz que “houve pontos em que o jornalista deixou de ser jornalista e passou a ser militante de uma causa”, mas ressalva que os “jornalistas tinham razão” ao afirmar durante anos que os timorenses queriam ser independentes, como o referendo veio a revelar.

Além disso, o investigador considera que é “impossível” os jornalistas assistirem a “violações brutais dos direitos humanos e serem neutros”. “No global, creio que o balanço da cobertura mediática é francamente positivo”, conclui.

Pedro Rios
Foto: DR