A ex-secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e actual diplomata e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Manuela Franco, considera que o problema em torno do programa nuclear iraniano é “muito sério”.

Em entrevista ao JPN, diz que o Irão está “a aproveitar um momento de anarquia do sistema internacional” e avisa que se o país liderado por Mahmoud Ahmadinejad desenvolver armamento nuclear, outros países, como a Arábia Saudita e a Turquia, podem seguir os mesmos passos.

Quais foram os objectivos da carta enviada por Mahmoud Ahmadinejad a George W. Bush?

Um dos objectivos é dividir as potências do Conselho de Segurança num momento em que elas parecem prontas a tomar acção contra o Irão. O outro objectivo é da mesma natureza, mas mais a longo alcance, que é virar as culpas para os Estados Unidos dizendo que o Irão quer o diálogo e que quem não quer são os EUA.

É uma manobra de diversão, como afirmaram responsáveis norte-americanos?

Não se pode descontar que o facto de o Irão escrever uma carta ao presidente norte-americano é um movimento numa natureza algo contrária. Mas se atendermos a todas as movimentações que o Irão tem feito, diria que é uma manobra de diversão.

Da sua experiência como diplomata, o envio da carta é um acto previsível?

Se olharmos com atenção para o comportamento de Hitler quando avançou para a guerra na Europa, podemos considerar o comportamento do Irão previsível ao nível de provocação de altíssimo calibre e de pôr tudo no vermelho e retirar e ganhar porque está a lidar com potências mais responsáveis, que não estão dispostas a correr riscos porque a opinião pública tem muito poder sobre a formação da vontade política.

A Rússia e a China têm manifestado oposição a qualquer via que envolva sanções. A persistência na via diplomática pode funcionar?

Saber se a diplomacia vai ou não evitar que o Irão adquira armamento nuclear ou se a via da força será tida em consideração é algo que só adivinharíamos com uma bola de cristal. É evidente que não há interesse de ninguém em recorrer ao uso da força. As análises superficiais que dizem que os EUA têm um enorme prazer no uso da força não nos levam a lado nenhum.

Se o Conselho de Segurança avançar para sanções económicas, serão elas eficazes para demover o Irão dos seus intentos?

Estamos a falar de algo muito sério. É uma preocupação para os estados limítrofes e para os EUA, que são o garante da ordem internacional. As sanções, se forem adoptadas, serão uma forma musculada, mais penosa e dispendiosa para o Irão seguir um certo tipo de opções.

Estamos perante um perigo real ou o programa nuclear é para afirmação de Ahmadinejad a nível interno e regional?

Isso é, a meu ver, uma falsa dicotomia. Não há estratégias de afirmação se elas forem destituídas de credibilidade. O Irão está a aproveitar um momento de anarquia do sistema internacional, em que, embora haja um pólo mais forte, os EUA, há uma série de potências emergentes e uma tentativa de reclamar poder para diversos actores regionais. Quando um país como o Irão se sente com capacidade e espírito de missão, pois pretende instaurar uma nova ordem espiritual e religiosa, torna-se muito difícil separar as duas coisas.

O perigo é real, portanto.

O Irão tem condições de exercer ameaças e chantagens devido ao petróleo. O comportamento da liderança iraniana – e não só deste presidente, dura desde a revolução iraniana – não permite nenhuma conversa razoável sobre [o programa nuclear] ser para autodefesa ou consumo civil. Há outros países, como o Paquistão e a Índia, com armas nucleares e fora do regime de não proliferação, mas que, pela sua natureza democrática e comportamento pacífico e responsável, não nos têm assustado.

Que consequências teria a saída do Irão do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), como já ameaçou fazer caso o Conselho de Segurança avance com sanções?

O efeito mais imediato e evidente seria a Agência Internacional de Energia Atómica perder o direito de vigiar o Irão e controlar o programa.

Podia acontecer o chamado “efeito dominó”, levando a que mais países avançassem com programas nucleares?

A Arábia Saudita e a Turquia são países directamente visados pela avançada hegemónica do Irão. O Irão não é um país árabe e tem rivalidades com países árabes. A Turquia não é um país árabe mas está directamente no arco de ameaça.

Que efeitos terá para o TNP se o Irão proclamar que conseguiu desenvolver armamento nuclear?

Há momentos em que a realidade avança um pouco sobre a situação jurídica. Os cumprimentos internacionais são feitos na base voluntária – os estados comprometem-se, mas não há um super-tribunal com poder para aplicar a justiça e as penas de prevaricação. As únicas sanções que existem são as que transformam os estados em párias do sistema e mesmo os casos em que isso é feito – como a Coreia do Norte ou, há uns anos, com Cuba – há sempre custos enormes, quer para quem os suporta, quer para quem os aplica.

Pedro Rios
Foto: SXC