Seis actores, sete pedaços de personalidade. Christian Bale, Heath Ledger, Richard Gere, Ben Whishaw, Marcus Carl Franklin e uma mulher, Cate Blanchett, todos eles são Bob Dylan, embora o nome do lendário cantor nunca seja referido em “I’m not There”, que estreou esta semana. Cada personagem tem o seu próprio nome, assim como, na realidade, o verdadeiro Dylan se chama Robert Zimmerman.

No filme, realizado por Todd Haynes (o realizador de “Velvet Goldmine”), a narrativa avança e recua, sempre acompanhada pela contextualização histórica de um retrato da América, do qual Dylan não pode estar ausente.

O primeiro Bob Dylan em cena é negro, tem 11 anos e chama-se Woody Guthrie, nome da maior influência para o músico, que o levou, na vida real, a visitar o verdadeiro Guthrie em Nova Iorque, como retrata o filme. Esta primeira personalidade é tenra de idade, mas anciã na forma de pensar, uma analogia ao verdadeiro Dylan que, nos seus primeiros álbuns, cantava o passado americano em detrimento do tempo em que vivia.

Temos ainda o poeta que não se assume como tal, o cantor de protesto que mais tarde renega o título, o Dylan eléctrico que chocou pela viragem para o rock e cuja personagem morre no filme. Há ainda o marido e pai, o neo-religioso pastor tocador de gospel e uma espécie de alter-ego de Billy the Kid. “O homem é múltiplo, mas a canção vale por si mesma”, pode ver-se na película, literalmente, mas, sobretudo, de maneira abstracta.

Uma esquizofrenia de personalidades, uma miscelânea de analepses e de prolepses, de cor e de ausência dela, onde uma das poucas certezas é a de que a música que se ouve é mesmo de Bob Dylan.

Registo ficcional com traços acentuados de poesia, “I’m Not There”, cujo nome deriva de uma canção inédita só recentemente trazida a público, recebeu o Prémio Especial do Júri no Festival de Veneza e Blanchett recebeu o Globo de Ouro para melhor actriz secundária, bem como o de melhor actriz na cidade italiana.

O filme está em cartaz desde quinta-feira nos cinemas de Lisboa e Porto.