Nas traseiras da Estação de São Bento e do Teatro Nacional de S. João, no Porto, trabalham paquistaneses, bengaleses, indianos, egípcios e muitos cidadãos de outras nacionalidades. Têm lojas, restaurantes, uma mesquita (há duas na cidade) e até o único talho do Norte que corta a carne segundo os preceitos muçulmanos. Partilham a zona com alguns comerciantes portugueses, os poucos que mantiveram loja naquela área da freguesia da Sé. Nas ruas Chã, do Loureiro, de Cimo de Vila e do Cativo, da zona histórica da cidade, nasceu um novo “pequeno Porto“.
As estatísticas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) demonstram que o número de imigrantes destas nacionalidades mais que quadriplicou no distrito do Porto, pelo menos nos últimos oito anos – apesar de o Centro Nacional de Apoio ao Imigrante do Porto referir que há muitos em situação ilegal ou por regularizar e que devem ser tomados em conta.
Segundo o SEF, em 1999 havia 507 imigrantes asiáticos regularizados no distrito. Em 2007, esse número saltou para 2.327, em grande parte devido à imigração chinesa. Apesar do crescimento, a presença de pessoas oriundas da Ásia continua a ser residual face à imigração dos países lusófonos ou da Europa de Leste. Há nove anos, o SEF listava dez cidadãos do Bangladesh residentes no Porto. Em 2007, já se encontravam registadas 138 pessoas desse país do Sul da Ásia. Por outro lado, o número de ucranianos residentes no Porto em 1999 era de um só dígito: quatro. Até 2007, a esses quatro juntaram-se 3.400 conterrâneos.
Três vagas de imigração
Desde o início dos anos 1980 que esta zona se tornou muito procurada por imigrantes que vieram trabalhar para o Porto. Diz-se que os primeiros foram os indianos (proprietários portugueses lucraram com os trespasses das lojas). Seguiram-se os chineses, hoje mais concentrados na zona industrial de Mindelo. Nos últimos anos, estabeleceram-se comerciantes do Paquistão, do Bangladesh e de outras nacionalidades.
“Somos todos muçulmanos”
Face a estes números seria abusivo falar em comunidades nacionais no que toca aos conjuntos de pessoas vindas da Ásia. A religião surge, por isso, como factor de união de povos com culturas e línguas diferentes. “Somos todos muçulmanos. Tudo aqui é família”, diz Mohammed, um egípcio de 33 anos que tem uma loja de objectos tradicionais árabes na rua de Cimo de Vila.
“Um grupo quando está em minoria numa sociedade tem de encontrar estratégias para se sentir seguro”, atesta Miguel Cameira, professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) com trabalho sobre a relação entre grupos e discriminação social. Algo arredados da convivência entre imigrantes de diferentes países estão os chineses, uma comunidade mais fechada.
Virgílio Borges Pereira, docente de Sociologia da Cidade na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, reconhece que “a religião e outros operadores simbólicos têm capacidade de agregação”, mas destaca antes “a capacidade que as pessoas demonstram para poder desenvolver um trabalho”. “Mais importante do que a partilha da religião, o que explica as boas relações é a possibilidade de as pessoas desenvolverem com sistematicidade o projecto comercial que têm em curso”.
“Família islâmica”
Se o número de estrangeiros de um dado país fosse suficientemente grande, “até podia haver competição” entre comunidades, nota Miguel Cameira. No caso do Porto, “vêem-se mais como muçulmanos do que como cidadãos dos respectivos países”. Após a oração das seis da tarde na mesquita da rua do Heroísmo, o imã Amadu Camará, 54 anos, diz ao JPN que há uma “família islâmica”, composta pelos “quatro mil muçulmanos” a viver no Porto e arredores.
Todas as sextas-feiras, dia maior da semana islâmica, os crentes enchem a mesquita, sede do Centro Cultural Islâmico do Porto, criado em 1999. “A porta está aberta para todos os muçulmanos e não só”, diz. No espaço funciona ainda uma escola onde qualquer pessoa pode aprender a língua árabe, de forma gratuita. Na rua do Loureiro funciona a outra mesquita do Porto.
Para o imã guineense, que estudou na Mauritânia e se licenciou em Teologia e Relações Públicas no Egipto, o que acontece no Porto é normal: “qualquer muçulmano, quando chega a uma nova cidade, vai procurar onde estão os muçulmanos”. Até porque o Islão é claro: “todos somos iguais, ninguém está acima da lei, mas também somos diferentes nas acções – há [indivíduos] bons e há maus”.
Esta união representa integração? Miguel Cameira, da FPCEUP, diz que não. “O facto de se unirem à volta da religião é, em minha opinião, um sinal de que a integração não está a ser perfeita. É sinal de que a sociedade não está a aceitá-los enquanto indivíduos e, então, sentiram necessidade de se agrupar”.
Histórias para esquecer
Amadu Camará não esconde que há discriminação e conta que numa madrugada, à ida para a mesquita para a primeira oração do dia (que se realiza antes das 6h), uma pessoa que envergava um robe tradicional deparou-se com um grupo de jovens bêbedos. Espicaçaram-no e insultaram-no até que a pessoa não os pudesse ignorar mais, mas não houve violência. O imã não se alonga em palavras em relação a este caso e prefere desdramatizar situações do género.
Na zona da Sé também há quem tenha histórias negativas para contar mas não as queira desvendar. Tanbirul Haque, há 16 anos em Portugal, diz que já se viu confrontado com pessoas “más”, mas não quer lembrar essas experiências, até porque acredita que não as vai voltar a encontrar.
Miguel Cameira refere que a xenofobia em Portugal é inferior ao resto da generalidade dos países europeus, mas aponta que quando estão em causa questões de “concorrência” comercial existe um “certo etnocentrismo”. “É possível que haja um regresso ao centro da cidade e aquela zona se torne desejável em termos comerciais. Aí pode haver problemas”, teoriza.
“Não considero que esta concentração acarrete ‘perigos'”, contrapõe Virgílio Borges Pereira. “Se existe algo de ‘perigoso’ na zona da Sé é o problema persistente no domínio do edificado que possui e que vota ao abandono e à degradação muitas casas”.